A proeza – insólita - aconteceu num ambiente em que um turbilhão de moçambicanos e estrangeiros alagava o vale do Infulene com ovações estrondosas, que reboavam até à baixa da cidade de Maputo e subúrbios e o país inteiro, onde as pessoas festejavam petrificadas por não acreditarem em tudo aquilo. Mas era a verdade, até porque vivíamos tempos de euforia, não só porque os nossos jogadores praticavam um futebol luzidio, como também éramos galvanizados por esse personagem chamado Samora Machel.
Cantamos e dançamos sem saber entretanto que estávamos a semear ventos. Houve explosão de garrafas de champanhe em todo o lado, e farras até amanhecer nesse dia. Não é possível, dizíamos em uníssono, os Camarões virarem o resultado a seu favor. Três a zero dá-nos conforto, por isso já passamos a eliminatória. Entre os jogadores e equipa técnica e jornalistas, o sentimento é o mesmo. Ninguém coloca a possibilidade de a nossa vitória em casa ter o efeito de boomerang. Não está nas contas de ninguém, que nós apenas acendemos o rastilho de uma dinamite que irá explodir sobre as nossas próprias cabeças.
Foi no estádio Ahmadou Ahidjo que aconteceu essa fatalidade. Fomos trucidados. Calcinados. Humilhados. E tornados em pó, pela selecção dos Camarões que já vinha com o arsenal reforçado. Levou para essa partida de morte jogadores que não alinharam na Machava por desprezo. Tomaz Nkono, a lenda, equipou durante a viagem no avião que o transportou de Madrid no mesmo dia do jogo. Chegado ao Aeroporto Internacional de Yaounde, onde lhe aguardava a escolta de motorizadas e carros da Polícia, foi levado com pompa, directamente ao estádio como se o presidente da República dos Camarões fosse ele.
Então esse aparato todo à volta de Nkono, não podia ter outro significado senão a revelação da determinação dos “Leões indomáveis” em salvar a honra do seu país. O orgulho inteiro dos Camarões foi ferido na Machava, e agora o tempo “ruge”, para que se reponha a verdade sobre aquilo que eles proclamavam ser uma mentira. Ou no mínimo uma inverdade.
Não passou muito tempo, depois de a partida começar, para os jogadores moçambicanos perceberem que estavam perdidos. Foram absolutamente empurrados para o último reduto, sem possibilidade de ensaiar qualquer contra-ataque, já que o ataque total estava fora das contas. Não se viu nem um laivo nesse sentido. Nuro Americano na baliza, chegou rapidamente à conclusão de que a sua presença entre os postes não serviria para nada. A claque, que incluía fogo de artifício antecipado, era uma cascata terrível. E perante todo esse remoinho que expressava a vontade inabalável de vencer dos camaroneses, só nos restava entrar em derrocada.
Eles venceram. Por quatro a zero. E fecharam o nosso sinal. Até hoje. X