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quinta-feira, 03 setembro 2020 06:40

Cabo Delgado e o "grito da Albertina"

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Seguíamos pela EN380 numa motorizada da marca Xinthai quando sons de bombas e bazucas inundavam os nossos tipanos e chorávamos a alta velocidade. Pela estrada, cruzavamos com crianças, mulheres e idosos famintos, com trouxas na cabeça e pensando porque não foram dadas assas para que num instante estivessem num local seguro e sem medo de ser morto.

 

Naquela manhã, nosso coração palpitava a uma velocidade galopante. Aquela motorizada mesmo na velocidade máxima parecia que estava andar a 5km por hora. Choravámos juntos. Albertina Baptista,  jovem corajosa que apenas procurava por uma oportunidade de emprego naquela rica província assolada pela guerra desde 2017 e de turbulências sociais, económicas e políticas há décadas.

 

Albertina Baptista e o seu corajoso taxista Martinho Macume, um homem corajoso que há anos tem arriscado a vida salvando outras  e vivendo a história da guerra em Cabo Delgado desde os primeiros momentos. Voltando ao teatro das operações! Naquele dia corríamos há uma velocidade de um leopardo, mas pelo medo, sentíamos que estavamos em cima de um burro ou rinoceronte, porque não víamos a hora de chegar a Pemba são e salvos.

 

O medo era tanto. As lágrimas inundavam o meu rosto. O caminho parecia estar a ser acrescentado. As minhas preces intensificavam-se. A minha alma havia abandonado o corpo. A esperança por algumas horas não existia. O medo reinava em nós. Foi um dia doloroso. Foram segundos, minutos e horas de sufoco e desespero. Aquele dia jamais será esquecido por mim. Pelo que vi e ouvi do Martinho Macume. Das histórias de sangue e destruição. Da impiedade belicista e dos amigos e parentes que tombaram em Muidumbe, Macomia, Nangade, Meluco, Mocímboa, Palma, Ibo, Quissanga e Mueda.

 

Percebi que o meu sonho de trabalhar naquela multi-nacional não seria desta vez. "Que aquela guerra não era uma manifestação popular como alguns dirigentes apelidaram numa reunião realizada secretamente na África do Sul, onde países como Estados Unidos de América (EUA), China, Zimbabwé e outros pretendiam perceber qual seria o seu papel. Estranhamente, quando tudo parecia tender para o apoio, eis que um general, levanta e diz que Moçambique vai resolver o problema, sem precisar do armamento pesado dos americanos, porque tudo era uma insurreição popular".

 

Narrava Albertina Baptista, lembrando de uma conversa tida com um amigo de alta-patente presente na tal reunião realizada em Maio. As revelações caíram como bomba para mim, mas devido ao estado psicológico dele não levei em conta.

 

Durante aquela viagem na motorizada, percebi que aquilo não era uma insurreição popular armada, mas sim, terrorismo sem fim a vista. Contra todas expectativas salariais e de status sociais garantidos pela multi-nacional finalmente decidi desistir do sonho. A minha vida tinha mais valor que o salário e os benefícios que adviriam do mesmo.

 

O meu grito do medo foi maior naquele dia, mas entre os batões, perguntei-me, quantos gritos de medo estão a ser feitos neste momento em Mocímboa da Praia? Quantas crianças, mães e idosos choravam e lutavam pela vida naquele preciso momento? Os gritos do medo eram maiores e constantes e que mesmo saíndo do local ainda iriam intervir nos meus sonhos e que tal do Martinho Macume?

 

Criação do autor ...Omardine Omar...após uma conversa com uma sobrevivente do ataque a Mocímboa da Praia.  

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