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sexta-feira, 18 junho 2021 09:04

Diário de uma reclusa de Ndlavela

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Vocês não imaginam o que acontece no interior daquelas paredes e grades. As coisas pelas quais passamos! Há dias que pensamos que quem devia estar no nosso lugar é quem diz proteger-nos. A exploração sexual ou escravatura sexual que somos submetidas já perdura há mais de uma década!  

 

Chamo-me Yola dos Anjos, reclusa número 141, bloco C, condenada a 30 anos de prisão efectiva e cumprindo pena desde 2006 em Ndlavela, a maldita Cadeia feminina da província de Maputo. Reconheço que no passado errei, porque estava inserida numa gang que aterrorizou a capital de Moçambique na primeira década do século XXI. Estava envolvida em furtos e assassinatos. Fui condenada porque guardava, vendia produtos roubados e cozinhava para eles.

 

Hoje quando olho para o tempo arrependo-me bastante, mas tenho a fé que um dia terei a minha liberdade e serei um novo ser-humano – uma mulher adulta mais rejuvenescida! Deixem o meu passado de lado, porque estou a escrever este assunto hoje para vos explicar que quando cheguei a Ndlavela; lá para os anos 2006 ou 2007 esta realidade já existia e pelo que vivemos toda a estrutura fazia parte do esquema (…). Eu fui uma das pessoas que durante anos sofreu nas mãos desta gente. Na altura eu tinha 23 anos de idade com os atributos e molhos ainda fresquinhos. Embora já tivesse feito, uns dois ou três abortos, mas tudo estava em dia!

 

Num belo dia quando já estava na cadeia há cinco meses, fui chamada para um gabinete de uma das chefes que prontamente disse que tinha uma bolada que todos sairíamos a ganhar caso eu cooperasse. Perguntei-lhe: “que bolada é essa?”. Eis que ela respondeu, que poderia trabalhar para eles, vendendo o corpo para homens "bem posicionados económica e socialmente" em troca de dinheiro e regalias infinitas na cadeia enquanto cumpria a pena de 30 anos de prisão efectiva.

 

Espantada, voltei a perguntar, qual é a outra alternativa? Eis que a chefe olhou-me de cima para baixo e vice-versa e disse: "vais conhecer o bloco A do inferno na terra e todo sofrimento que existe nele. Logo, Yola dos Anjos, caso não queiras fazer parte e cooperar devidamente vais implorar para morrer, ou seja, é pegar ou largar – podes ir!".

 

Naquele dia saí do local em lágrimas e fui a minha cela pensando em tudo que havia sido dita. No dia seguinte, vieram seis guardas e levaram-me para um gabinete onde fui mais uma vez ameaçada e como bacela obrigaram-me a "dar" para dois deles! No fim, disseram que ela estava pronta para o trabalho.

 

De 2006 – 2014 não imaginam em quantas pensões, casas particulares e hotéis fui obrigada a estar e a prostituir-se. Nem eu, já não mim lembro. Foi um momento que só tinha que obedecer e em troca ficava tranquila na minha cela, comendo, assistindo televisão, descansando depois de ter suportado vontades de homens depravados e o medo de perder a vida estranhamente na cela! A minha história foi cruel. Fui explorada sexualmente dentro e fora de Ndlavela.

 

Com a idade avançando, aos poucos fui sendo afastada das preferidas, também muitos clientes deles já haviam passado por mim e já não era uma "coelhinha ou pombinha" desejada, uma vez que os valores monetários são previamente pagos aos chefes (cafetões).

 

A verdade é que o esquema, não é de hoje! Assim como, não é de uma ou duas pessoas, é um sistema e não está só em Ndlavela, abrange há vários estabelecimentos, e felizmente o Centro de integridade Pública (CIP) investigou e revelou, este! Mas acreditem, que caso, nada venha a ser feito, nós as reclusas fomos submetidas a esta situação, vamos passar por momentos tenebrosos.

 

A senhora Ministra da Justiça esteve aqui e felizmente a direcção foi suspensa! Mas os guardas e cozinheiras ainda estão por aqui. Nada peça sobre eles. Por nós esteja gente toda deveria expulsa, acusada, condenada e presas. Porque com os subalternos ainda em funções isto vai se tornar ainda mais insuportável nos próximos dias – esta gente é capaz de tudo para manter o seu status quo – a escravatura sexual moderna.

 

Senhora Ministra, como mulher e mãe, coloque-se no nosso lugar e análise! Por nós, se existissem condições, este estabelecimento prisional deveria ser encerrado, mesmo se fosse temporariamente, porque este lugar não reabilitou e muito menos integrou socialmente alguém – as nossas almas foram queimadas em Ndlavela.

 

Excelências, se querem resolver este problema, removam o capim tirando todos os seus componentes, por que se quiserem cortar a parte de cima, esta situação vai agudizar-se e talvez até haja estranhas mortes de reclusas!

 

A senhora Ministra e o senhor Presidente, precisam mostrar que em Moçambique existem Leis e que os Direitos Humanos são respeitados – que a impunidade não pode vencer a dignidade humana e a verdade!

 

Texto de imaginação, mas baseado em factos reais. 

Sir Motors

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