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segunda-feira, 21 junho 2021 09:39

Vou abandonar este pais

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Nhambuli  está cansada de viver aqui, no seu próprio país, onde as pessoas, segundo ela diz, correm todos os dias e não chegam a lugar nenhum. Fumam cannabis sem parar, nas calçadas, na tentativa vã de atingir a felicidade na alucinação, e o que se vê  é a contínua degradação do tecido da carne e do espírito. O pior é que nunca mais amanhece, para se concrectizar a poesia de Jorge Rebelo, “Não importa que seja longa a noite/a verdade é que há-de amanhecer.

 

De que vale eu ter todos estes bens que alimentam a minha carcaça – desabafa Nhambuli – se aqui mesmo ao lado há crianças que dormem sem comer! De que vale toda a bebida refinada de que me disponho, se aqui mesmo as mulheres são violadas diante de toda a gente, as cerianças estupradas! De que vale tudo isso se as hienas não esperam que a gente morra para nos degustarem! De que vale viver!

 

Nhambuli é uma mulher de finos cristais por dentro, onde bate descompassado – mas firme - um coração de ouro puro filtrado pelo fogo. Admiro-a, sobretudo pela serenidade transmitida pela voz profunda, e pelo olhar perturbador. Também noto sem muito esforço que apesar de melancólica, ainda mantém a lanterna nas mãos -  no lugar das armas - a procura de outros caminhos que a possam levar a novas auroras.

 

Nhambuli venera o silêncio, por isso leva-me frequentemente – no seu carro - à praia de Guinjata, onde ficamos longas horas a ouvir a música ora tranquila, ora retumbante, interpretada pelas ondas do Índico. Neste paraíso nós somos meros mirones sexagenários, não propriamente frustrados, mas sem muita esperança. É por isso que Nhambuli diz repetidamente sem se cansar, vou abandonar este país!

 

Nhambuli nunca saíu de Inhambane, provavelmente seja por isso que de dentro dela nunca nascem farpas. Dentro dela há harpas que soam nas palavras e no olhar. Os olhos de Nhambuli cantam, ou ao pestanejar ou ao fixarem-se sobre algo como agora que contempla o Índico, agradecendo toda esta dádiva de estarmos aqui, quando muitos neste belo Moçambique, definham no desespero, sem nada para comer. É injusto!

 

Mas há uma orca dentro da Nhambuli, e Nhambuli não quer que essa orca sobreviva. Então, o melhor é fugir daqui – segundo diz nos intervalos dos goles de scotch -  no barco de Gilberto Gil, “vamos fugir deste lugar baby/Estou cansado de esperar que você me carregue”. Ela canta sempre essa poesia do Gil, sem celebração nos olhos, nem na alma, implantada na voz. Nhambuli é a rola que deseja ardentemente voar para outro horizonte, e deixar para trás esta noite que nunca mais amanhece.

 

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