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terça-feira, 05 fevereiro 2019 13:29

Com Petição

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No último mês assistimos à atabalhoadas manobras institucionais, da parte do Estado moçambicano, com vista a munir-se de ferramentas para disputar, com o Estado americano, a custódia de um dos mais preciosos arguidos (na perspectiva interna) no puzzle das falcatruas financeiras que embandeiraram o país nos mais baixos rácios de atratividade económica e para investimentos.

 

A competição pela “língua” do deputado detido na República da África do Sul obrigou as nossas instituições a revelaram “todo” o seu potencial e deu para entender com que linhas se coze o nosso “sistema” de (in)justiça. Instituições historicamente dormentes e apáticas, salvo por empreitadas marginais, emergiram da hibernação e encetaram démarches com celeridade de matar de inveja os mais rápidos dos super-heróis das revistas em quadrinhos.

 

A tão clamada “celeridade processual” foi exibida com grosseria e atropelos (datas futuristas, potenciais conflitos de interesse, atropelos aos dispositivos normativos) no afã de assegurar o resgate, digo, “transferência”, ou melhor, “extradição”, deixemos... pode ser devolução mesmo, do detido para a “pérola do índico”. A depender da vontade do nosso “sistema”, “Tio Sam” não apanha nada! Se bem que, por vezes, pela quantidade de gafes de processo e de estratégias, fica parecendo que o essencial é erguer uma cortina de fumaça para não deixar transparecer que o arguido esteja a ser sacrificado para prestar-se ao simbolismo do insipidamente necessário ritual de purificação de fileiras. Pretensa moeda de troca para a recuperação da minguante credibilidade do “partidão”, em vésperas de mais uma competição eleitoral.

 

Seja como for, fica evidente que as nossas instituições são relativamente mais fortes do que os cidadãos (infelizmente, por um tiquinho, somente). Uma pena que assim seja.  Sendo uma sociedade em construção (ainda que mais pareça em autodestruição), como cidadãos, sempre que julgarmos oportuno, devemos desafiar as instituições.  O objectivo não é, necessariamente, romper com elas ou criar cisões (isso é demasiado convulsivo e de resultados imprevisíveis), mas re-articular as formas de “sociação”, refundar (ou consolidar) os parâmetros através dos quais nos governamos, nas mais variadas dimensões (económica, política, cultural), com ética e parâmetros partilhados de previsibilidade das acções, em quadros normativos explícitos e implícitos,  relativamente consensuados.  

 

Ainda que haja quem diga que não há revoluções às meias, senão meras rebeliões, na actual conjuntura, não carecemos nem de “primaveras” e nem de rebeliões senão de efectiva contribuição cidadã, das organizações político-partidárias (inclusive do partido mais chamuscado com este imbróglio), organizações da sociedade civil, para a transformação e aprimoramento das instituições.  

 

Em termos de formas e normas há ajustes menores que podem ser feitos com o intuído de consolidar as instituições. No que concerne à performance e desempenho há muito a ser feito. Nestes nossos tempos, há toda uma batalha atitudinal a ser feita e vencida para que se faça jus à padrões de moralidade e de justiça, para um “re-encantamento” da nossa sociedade para enfrentar os desafios económicos, sociopolíticos que actualmente assumem contornos fraturantes.

 

O imbróglio das dívidas não deve ser visto como o “princípio” e ou “fim” do nosso mundo. Mas é também verdade que o assunto tem potencial de instigar rupturas em termos de atitudes de indivíduos, instituições e partidos face a coisa pública.  No mínimo, tem o potencial de contribuir para a elevação da consciência colectiva sobre a importância da observância das normas e roteiros institucionalmente estabelecimentos e não tomar, ao desbarato, as “ordens” presumivelmente “superiores”, como padrão normal, incondicionalmente aceitável e ditame de actuação do provedor público.

 

Como bem disse a outra, “precisamos de parar com o autoflagelo”. Penso que é possível e, o Conselho Constitucional, o Parlamento e demais instituições privilegiadas para a lide com a matéria em questão, continuam sendo as instâncias com potencial repor a legalidade e contribuir no restaurar da incipiente confiança nas nossas fragilizadas instituições. Como na (des)crença sobre feitiçaria, o sistema tem potencial auto-reparador, de protecção e de reprodução de si. No limite, a competição eleitoral subsiste como um dos mais radicais mecanismos de reparação, se não quisermos incluir as guerrinhas que são ainda mais devastadoras.

 

Sim, não tenho dúvidas sobre as mais completas teses sobre a “captura do Estado”. Parece até contraproducente recorrer a essas mesmas instâncias, em princípio, “capturdas” em busca de reparação. As instituições, como edifício social, são suscetíveis a erosão e, não se vislumbrando uma “távola redonda”, a curta prazo, resta-nos explorar, ao limite, as janelas e frestas que subsistem e através delas procurar penetrar na estrutura do edifício e pavimentar os trilhos da reparação. 

 

Metáforas à parte, na prática, há várias formas e possibilidades de consolidação das instituições. Entre elas, o recurso aos parâmetros institucionalmente estabelecidos para reivindicar ajustes e correções de medidas tomadas fora do quadro normativo. Esta abordagem tem também a função pedagógica de realçar a importância das instituições e as possibilidades institucionalmente estabelecidas para dirimir potenciais incongruências emanadas da operacionalização do aparato institucional. Incluindo a responsabilização individual de actores políticos eleitos para administrarem certas dimensões institucionais da vida em coletividade. Pois,  não estão isentos do escrutínio público, ou da obrigação de “prestar contas” para as constituências que representam.

 

Já que, no nosso caso, a instituição não tem a cultura de pressionar-se mutuamente de forma complementar e menos ainda de forma competitiva para a materialização do desiderato que lhes define, a actuação do cidadão, por mais inconveniente que pareça aos olhos dos que usufruem dos benefícios que as instituições também oferecem, tem potencial transformativo. Quando os três poderes compactuam com desvios normativos óbvios e, em conluio, secundam-se nos esforços para sustentar e institucionalizar suas (im)posturas é caso de dizer-se que os actores sociais abrangidos (no caso, vitimados) por essa postura devem reservar-se o direito e articular todos os dispositivos legalmente estabelecidos para sinalizar para a gravidade do desvio institucionalmente incorrido e o potencial desestruturante de persistir-se nessa senda.  Não obstante a aspiração de perenidade e de longevidade de muitos dos acordos assumidos, pactos sociais são suscetíveis à radicais alterações de vontades (e humores) dos pactuantes e podem demandar rearticulações e ajustes para manterem-se relevantes e funcionais.  A capitalização das ferramentas de governação dos pactos talvez seja a maior expressão de compromisso com os princípios que norteiam o pacto e a salvaguarda da integridade dos pactuantes.  Neste sentido, a petição que os cidadãos assinam, deve ser lida como expressão maior de compromisso com o todo, com o interesse colectivo e com o bem comum.

 

Formalmente, exige-se duas mil assinaturas para que eventuais peticionários sejam acolhidos pelo Conselho Constitucional de modo a que o objecto da petição seja considerado. A deliberação do CC é soberana, irrecorrível e irrevogável. O CC é a instância mãe, de reposição das nossas mais sublimes aspirações. Os Senhores e Senhoras que habitam aquela instância, são (ou deveriam ser) os guardiões da constitucionalidade, do interesse colectivo, acima de eventuais disputas de facções e das constituências (grupos de interesse) que povoam este espaço comum que chamamos Moçambique. Na cadeia hierárquica de instituições a que se pode recorrer o CC é a última nos termos da legalidade estabelecida. Depois disso, nirvana ou, pela nossa índole histórica, sem querer ser determinista, o caos! Ora, mas também existem as instâncias internacionais multilaterais, algumas das quais se afirmam pela defesa de direitos humanos e outros.  Ainda que sejam negativamente conotadas como “mão-externa”, essas entidades também tem o potencial de pressionar e influenciar o curso de políticas e decisões internas. No presente caso, tratando-se de fraude de proporções multinacionais, o recurso a tais entidades não deve ser descartado. 

 

Em 2016, a Sociedade Civil submeteu uma petição requerendo a ilegalização das dívidas contraídas pela ou em nome da EMATUM, posteriormente inscritas no orçamento do Estado. Na altura, o argumento apresentado centrava-se na não observância da lei orçamental, que preconiza que os avales atribuídos à EMATUM só poderiam ter sido atribuídos mediante aprovação da Assembleia da República. Faz hoje 581 dias sem resposta! O fragilidade e lentidão do CC, não deve desestimular os peticionários. Pelo contrario, devem persistir na pressão e inventivo ao CC para assumir as suas funções e dar resposta estruturada e fundamentada sobre o sue parecer /decisão.

 

Mais recentemente, as novas revelações sobre os contornos do endividamento e as detenções realizadas  mundo a fora, começam a lançar luz à inquietantes zonas de penumbra encobertas por actos deliberados de sonegação de informação, por parte de actores e instituições implicadas, concorrendo para o esvaziamento da auditoria mandatada pelo nosso próprio governo, mas arquitetada para não encontrar matérias a auditar, na vã expectativa de dissipar o diferendo e voltarmos a cair, nas graças dos “parceiros de cooperação” doadores” e outras chamadas “mãos-externas”, a que historicamente recorremos para peditórios, negócios ou negociatas”.

 

Uma vez mais, as instituições da sociedade civil, recolheram cerca de duas mil e quatrocentas assinaturas para secundar a petição pela revogação das dívidas da PROINDICUS e MAM, empresas atreladas ao imbróglio atuneiro, cada vez mais associados a aventuras ilícitas, salvo por melhor apuramento das entidades internas e externas de investigação.  

 

Nosso desafio, como cidadão, é contribuir para o fortalecimento das instituições, um jargão amplamente propalado, mas raramente evidenciado e ou experimentado nos nossos debates ou troca de farpas públicas. As instituições não se fortalecem por si só, pela vontade dos detentores do poder, alguns dos quais tem se mostrado renitentes subvertores das frágeis instituições de que dispomos.

 

Assim como já houve contribuições consideradas produtivas da parte do cidadão ou das organizações da sociedade civil, como aquando do desenvolvimento da lei da família, lei de imprensa e outros, o acto de os cidadãos demandarem um posicionamento por parte de instituições que deveriam ser relevantes, evidencia o ampliar da consciência sobre a importância da utilização dos espaços de diálogo entre os cidadãos, seus constituintes e as instituições.

 

O fortalecimento das instituições passa por um diálogo permanente entre os cidadãos organizados, nos moldes institucionalmente estabelecidos, como este de agregar 2000 assinaturas e a reação dos órgãos estabelecidos para funcionarem como interlocutores. Independente da reação das instituições, o importante é que não se quebre e nem violem os espaços constitucionalmente inscritos para  interlocução e que as instituições se posicionem como actores capazes de satisfazer as demandas dos cidadãos ou interlocutores, se quisermos usar expressões ainda mais conciliatórias.

 

Como se pode depreender, com o engajamento (organizado) na mobilização e recolha das mais de 2000 assinaturas requeridas, da parte dos cidadãos, não há fraqueza em observar os trilhos institucionalmente legalizados. Neste caso, cabe às instituições demonstrarem que existem e que são suficientemente competentes para cumprirem, com a autonomia que lhes deveria ser devida, com o seu mandato. Infelizmente, até aqui, a instituição tem insistido em permanecer em ensurdecedor mutismo, defraudando seu próprio mandato e propósito. Enquanto isso, a consciência e a capacidade organizativa e dialógica do cidadão vai se consolidando, deixando a nú o deficit operacional que caracteriza o nome das instituições que indivíduos vestem em prossecução de interesses que a olhos de muitos cidadãos não são defensáveis no quadro de promoção e proteção do interesse colectivo.

 

Não sou dos que acreditam que todo e qualquer cidadão vive competindo pela governação das instituições do Estado e que qualquer mobilização social seja uma forma de escamotear o desejo de poder e não necessariamente advogar por acções que complementem as funções do Estado e aprimorem o capital institucional e, consequentemente, consolidem-se paramentos que concorram para a melhoria da qualidade da governação. É preciso descansar as azagaias dos que acreditam que todos os que questionam eventuais desmandos no quadro institucional estão sedentos por desfrutar das benesses do Estado. Nos seus modestos e imodestos postos, a maioria dos cidadãos batalha pelo seu pão, aspira apenas pela estabilidade e transparência nas regras do jogo, igualdade de oportunidades, ética na política e na gestão da coisa pública. Nada mais!

 

Cristiano Matsinhe

 

5 de Janeiro de 2019

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