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sexta-feira, 15 julho 2022 02:54

Fins políticos por detrás de nova campanha mediática contra a Galp, escreve o África Monitor

Acusações do governo sobre a  empresa de origem portuguesa Petrogal Moçambique (Galp) tiveram eco nos últimos dias na imprensa do regime, conotada com o partido Frelimo, como o Notícias e Público, e em órgãos não afectos, que reproduziram a informação directamente do governo. A Televisão de Moçambique (TVM), detida pelo Estado, destacou igualmente o assunto. A campanha mediática foi lançada para coincidir com a cimeira Portugal-Moçambique e a visita do PM português António Costa a Maputo, entretanto cancelada por razões internas.

 

A “orientação” do Governo ficou expressa através da Autoridade Tributária (AT) que decidiu efectuar operações de fiscalização à GALP onde estiveram presentes funcionários do ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), abrangendo vários postos de abastecimento da Galp e cujos resultados, dada a natureza da inspecção, teriam de ser incompletos e parcelares. A imprensa foi convocada pela própria AT para estar presente nas operações de fiscalização.

 

Menos de um ano depois das mensagens colocadas a circular nas redes sociais onde se acusava a Galp de não cumprir as medidas de enchimento das botijas de gás GPL para uso doméstico (AM 1312), a empresa é agora acusada de ser responsável pelo aumento dos preços dos combustı́veis em Moçambique e de “chantagem” sobre o Governo enquanto este não saldar uma dı́vida de USD 120 milhões às gasolineiras.

 

Em agosto de 2021, mensagens nas redes sociais acusavam a empresa de comercializar garrafas de gás de enchimento abaixo do descrito nas especificações. Esta campanha foi então acolhida pelo Governo – para alguns observadores, terá sido articulada - que instruiu o Instituto Nacional de Normalização e Qualidade (INNOQ, público), para proceder a uma operação de fiscalização de vários postos de venda de botijas de gás da Galp. Da amostra, o INNOQ alegou que das 32 unidades  pesadas, 29 tinham um peso inferior ao indicado e convocou vários jornalistas para acompanhar a operação, numa atitude considerada “intencional e persecutória” por fontes do sector.

 

A Galp considerou então que a operação de fiscalização tinha um objectivo previamente estabelecido de denegrir a imagem e reputação da empresa no mercado local e pecou por falta de rigor, não tendo sequer incluı́do medições na linha de enchimento. A turbulência pública em torno da posição da Galp no mercado de GPL foi atribuı́da por fontes locais a uma estratégia da concorrência e de novos concorrentes que pretendem ganhar mercado através de alianças de negócios com figuras afectas à FRELIMO.

 

As novas acusações contra a Galp, com origem no Governo, passaram das redes sociais para os órgãos de comunicação social onde a Galp Moçambique, através do seu PCA Paulo Varela é acusada de liderar a “maratona da chantagem” ao Governo. Têm vindo ainda a ser ameaçadas retaliações contra a empresa, recuperando o dossier do GPL, contestado pela Galp, e alegadas dı́vidas da empresa ao fisco. Noutros órgãos da imprensa, a empresa é acusada de “contrabando” de combustı́veis e de fraude iscal, tendo por base um relatório da AT, sendo acusada de ser um dos principais pivots na “rota do contrabando de combustı́veis”.

 

Ao contrário das notı́cias que correm, as duas gasolineiras que pararam de abastecer o mercado são a Puma e a Engen. A Galp decidiu manter a actividade, apesar das perdas do sector de distribuição de combustı́veis, calculadas em mais de USD 140 milhões nos últimos meses. A actividade e presença da Galp em Moçambique não se resume à Petrogal (downstream), estando em causa investimentos significativos através da Galp Rovuma (actividade upstream em Cabo Delgado) e das empresas mistas que gerem os terminais logı́sticos da Matola e Beira, onde a Galp detém 45% do capital.

 

No upstream, a Galp é parceira da Area 4, com 10%, a primeira a produzir e exportar gás natural a partir do inal do Verão através da plataforma flutuante Coral Sul FLNG. O mesmo consórcio, liderado pela ExxonMobil e ENI mas onde a Galp é considerada “politicamente” indispensável, mantém no entanto o projecto do Rovuma LNG em suspenso e pendente de reavaliação financeira assim como do calendário de retoma da Area 1 (liderada pela TOTAL) para a conclusão e assinatura da Decisão Final de Investimento.

 

No relatório da AT são atribuı́das várias irregularidades à empresa, nomeadamente: entrada de mercadoria no paı́s sem o pagamento de direitos aduaneiros, saı́da de mercadorias em armazém de regime aduaneiro sem a devida regularização; e requisições internas de combustı́vel em armazém sem passar pelo sistema electrónico das alfândegas, que o governo alega serem originárias de contrabando de combustı́vel.

 

O fisco acusa a empresa de não regularizar declaraҫões de entrada em armazém de combustı́veis, donde resultará uma dı́vida de EUR 928 mil ao Governo, de valores pendentes resultantes dos pagamentos ao exterior pelos navios de transporte de combustı́veis que não foram incluı́dos ao valor aduaneiro, no valor de EUR 495 mil, e ainda de exceder os prazos de desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas (25 dias), ficando assim sujeita a uma coima de mais de EUR 7 mil, acrescida dos juros de mora de quantia equivalente.

 

Outra das irregularidades alegadamente existentes respeita à disparidade entre a quantidade efectiva de combustível vendido em 2020 e o declarado, havendo um diferencial de 9%, resultando em nova dı́vida à alfândega de EUR 42 mil.

 

No total, o governo alega que o montante da dı́vida da Petrogal / Galp excede assim EUR 1.6 milhões, valores contestados pela empresa. A divulgação do relatório da AT, que não chegou a ser discutido entre o Governo e a Galp e portanto não inclui contraditório, revela intenções “polı́ticas”, segundo fontes do sector.

 

A Galp reagiu publicamente negando qualquer importação irregular de combustíveis, reafirmando nada ser devido em taxas aduaneiras ou IVA à AT e rejeitando qualquer responsabilidade sobre o aumento do preço dos combustíveis. A Galp afirma expressamente que têm sido as empresas distribuidoras que têm suportado financeiramente o esforço da estabilização dos preços no mercado, com resultados negativos para a próprias empresas tendo em conta o facto do aumento internacional dos preços ser superior ao P.V.P.

 

A posição da Galp, que aguarda a reação do Governo aos pedidos de esclarecimentos enviados, é secundada por diversas intervenções da Confederação das Associações Económicas (CTA) e da associação representativa do sector dos combustı́veis AMEPETROL que defenderam que o preço actual dos combustı́veis praticados tem resultado em prejuı́zo para as gasolineiras, devendo o Governo compensar os distribuidores.

 

A falta de compensações do Estado leva as gasolineiras a reduzirem o stock para minimizar o prejuı́zo. Na estrutura actual do preço do combustı́vel, o Governo decidiu aumentar a margem o distribuidor Mz 7,75 para Mz 8.25, valor considerado insuficiente pelo mercado. São ainda defendidas medidas fiscais, tendo em conta o peso do IVA na estrutura do preço. O IVA na importação representa 11% no preço final do litro de combustı́vel. O IVA pago pelo distribuidor representa 13% do preço final no consumidor.

 

A campanha do Governo contra a Galp já levou a várias reuniões de emergência na multinacional, com a reanálise dos projectos de investimento do grupo em Moçambique. Nenhum dos parceiros da Area 4 questionou até agora a continuidade doprojecto, embora a FID se mantenha adiada, não devendo acontecer antes de finais de 2023. Informações sobre operações de venda em preparação das respectivas participações por parte de alguns dos membros do consórcio – nomeadamente ExxonMobil ou Galp – não se confirmam, embora não possam ser excluı́das no médio prazo. As informações disponı́veis indicam movimentações no mercado no sentido de ser avaliado o valor efectivo do investimento no Rovuma.

 

A possibilidade da Galp vender a sua participação em Moçambique ou mesmo Angola para financiar o “upstream” no Brasil, onde se incluem participações na bacia de Santos (projeto Tupi/Iracema no bloco BM-S-1; blocos Bacalhau Norte e BM-S-8), não consta nos planos da multinacional, desde logo porque a empresa não tem dificuldade de financiamentos no Brasil, que representa c. 90% dos seus lucros. (África Monitor)

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