As disputadas eleições locais têm o potencial de criar uma grande crise política um ano antes das eleições nacionais, escreve a Oxford Analytica, uma reputada firma de análise geopolítica, com escritórios em Washington (EUA) e Oxford (Reino Unido). Eis uma tradução da sua recente análise sobre Moçambique, tendo como pano de fundo as controversas eleições autárquicas de 11 de Outubro.
Moçambique realizou no dia 11 de Outubro, eleições locais em 65 municípios. A votação foi vista como um teste para o partido no poder, Frelimo, cuja popularidade sofreu muito devido às crescentes dificuldades económicas e políticas. No entanto, a disputa transformou-se num caos depois de uma alegada e extensa fraude eleitoral, mas também documentada em muitos locais. Isto lançou o país numa nova crise, cujas implicações levarão meses a evoluir.
Os resultados finais das eleições municipais só serão conhecidos no hoje, quando a Comissão Nacional de Eleições anunciar os dados do apuramento nacional. A validação dos mesmos pelo Conselho Constitucional só será conhecida em Janeiro de 2024 (Nota do Editor).
Entretanto, o desastre eleitoral irá desencadear uma grande luta pelo poder dentro do partido no poder sobre a sua estratégia para as eleições gerais de 2024 e sobre quem deverá suceder ao Presidente Filipe Nyusi como candidato presidencial do partido no poder.
Impactos colaterais
É provável que novos protestos da oposição possam agitar os problemas sociais e aumentar os riscos de violência em torno das eleições de 2024. Apesar de um acordo com o Credit Suisse, o caso das “dívidas ocultas” em Londres continua a prosseguir e ainda pode arrastar Nyusi para o caso. Por outro lado, espera-se que a TotalEnergies anuncie até ao final do ano, o reinício do seu projecto multimilionário de GNL em Palma, na província nortenha de Cabo Delgado.
Análise político-social
Esperava-se que as eleições municipais de 11 de Outubro fossem simples, como antecâmara das eleições gerais de 2024.
Contudo, o partido no poder, Frelimo, entrou nas urnas numa posição muito enfraquecida, tendo enfrentado muitos problemas ao longo do ano passado, incluindo o não pagamento regular de salários a funcionários do Estado, professores, enfermeiros e soldados.
O recenseamento eleitoral gerou muitas controvérsias, nomeadamente, o alegado sub-registo de eleitores nas áreas da oposição e o recenseamento excessivo de eleitores nos redutos da Frelimo.
A votação em si ocorreu de forma relativamente ordenada, com longas filas de eleitores e sem violência ou grandes problemas logísticos. No entanto, houve muitos sinais iniciais de problemas.
Alguns dirigentes do partido, principalmente da Frelimo, foram apanhados a segurar boletins de voto pré-marcados, sugerindo uma intenção de encher as urnas. Além disso, a observação eleitoral independente foi impedida de uma forma nunca antes vista.
Sérios problemas durante a contagem dos votos
Problemas mais sérios surgiram durante a contagem dos votos. Ocorreram cortes de energia e de internet em algumas áreas logo no início da contagem.
Noutros, os funcionários eleitorais da Frelimo recusaram-se a aprovar resultados onde o seu partido não ganhou. Noutros ainda, a polícia retirou à força delegados da oposição das salas de contagem.
Resultados contestados
No dia seguinte à votação, a oposição começou a comemorar vitórias em várias cidades depois de os resultados afixados nas portas dos locais de votação parecerem dar-lhe uma vitória, incluindo na capital, Maputo, e em Nampula, Chiure e Gurue, entre outros. Em Chiure e Milange, a polícia reprimiu estas celebrações, utilizando gás lacrimogêneo e munições reais, ferindo três pessoas e matando uma. Seguiram-se motins em várias cidades, incluindo Cuamba e Vilankulo.
No mesmo dia, os órgãos eleitorais locais divulgaram resultados mostrando que a Frelimo tinha vencido em todos os municípios, excepto num – Beira, ganho pelo actual oposicionista Movimento Democrático de Moçambique.
O principal partido da oposição, a Renamo, respondeu denunciando uma “megafraude” e anunciando marchas de protesto por todo o país. Afirmou ter conquistado os municípios de Angoche, Ilha de Moçambique, Maputo, Marracuene, Matola, Nacala, Nampula, Nacala-Porto, Quelimane e Vilankulo.
Utilizando os dados das contagens oficiais iniciais de votos afixados nas assembleias de voto, observadores independentes sugeriram que a Renamo também tinha vencido em Chiure, e avaliaram que tinha vencido por uma vitória esmagadora em Maputo e Matola (com 55% e 58,9% dos votos, respectivamente).
À medida que as tensões aumentavam, foram destacadas para presidência da República forças policiais especiais para proteger os seus próprios edifícios e os da comissão eleitoral. Após as várias marchas mais pequenas de “vitória”, a Renamo realizou, no dia 17 de Outubro, um grande protesto em Maputo, que atraiu uma participação significativa.
Além de realizar manifestações, os partidos da oposição também recorreram aos tribunais de todo o país para contestar os resultados. Além disso, ganharam casos em alguns municípios, nomeadamente, na Matola, Maputo, Chokwe e Cuamba. Algumas destas eleições serão repetidas, outras serão recontadas.
Seja como for, há muita especulação sobre se as sentenças dos tribunais distritais refletem a emergência de uma nova geração de juízes mais corajosos, ou simplesmente a interferência da facção anti-Nyusi dentro da Frelimo. No entanto, é evidente que criaram uma pressão significativa sobre o partido no poder.
Contudo, em muitos dos casos apresentados, os tribunais locais rejeitaram as petições, quer por motivos de mérito quer por motivos técnicos. Ambos os lados estão agora apelando dos veredictos que foram contra eles.
Contra todas as expectativas, dias depois, o Conselho Constitucional reverteu as sentenças dos tribunais de primeira instância, especificamente sobre a anulação das eleições.
Se o calendário eleitoral for seguido, todos os recursos deverão ser resolvidos até esta quinta-feira, 26 de Novembro. No entanto, dado o grande número de recursos (e com base na experiência anterior), o Conselho Constitucional pode prolongar o seu trabalho até ao Natal e depois anunciar as suas decisões apenas em Janeiro, quando a atenção das pessoas não está na política.
Divisões internas
Embora a Comissão Política da Frelimo tenha notado com satisfação no dia 16 de Outubro que o partido tinha ganho 64 dos 65 municípios, não houve celebrações públicas da Frelimo em qualquer parte do país. Na verdade, a preocupação com a situação também começou a surgir dentro do partido no poder. Por exemplo, Mulweli Rebelo, filho do influente antigo Ministro da Informação Jorge Rebelo, criticou a liderança da Frelimo pela confusão, enquanto Samito Machel, filho do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, e ele próprio um candidato presidencial, escreveu uma carta contundente dizendo que tinha vergonha da conduta do seu partido.
Os meios de comunicação social começaram a circular análises sugerindo que o partido estava profundamente dividido em relação às eleições e que Nyusi estava a enfrentar forte pressão exigindo a demissão do poderoso Ministro da Agricultura, Celso Correia.
Correia foi responsável pela estratégia eleitoral nacional e esteve implicado em alguns dos piores excessos na corrida eleitoral de Nampula. Presume-se também que seja o sucessor preferido de Nyusi como presidente e, portanto, é um alvo para facções partidárias rivais.
Na verdade, muitas pessoas estão a interpretar o desastre eleitoral como uma tentativa falhada de Nyusi de ganhar massivamente as eleições municipais e, assim, reforçar a posição da sua facção dentro do partido para garantir que ele possa escolher efectivamente o seu sucessor depois de as suas próprias esperanças de terceiro mandato terem sido frustradas em Maio passado.
Neste contexto, existem agora exigências para uma reunião extraordinária do Comité Central para discutir urgentemente a situação e avaliar o caminho a seguir. Todos os olhares estão voltados para a questão da sucessão, mas também agora para a estratégia mais ampla do partido antes das eleições gerais de 2024, pois é agora claro que a Frelimo enfrenta uma situação muito problemática.
Problemas para o futuro?
Tudo isto lança Moçambique mais uma vez na incerteza.
É incerto como as vitórias eleitorais massivas da Renamo serão geridas por um partido no poder que não está habituado a concessões e vê grandes riscos no horizonte com as eleições gerais de Outubro de 2024. Será muito difícil agora negar à Renamo as suas vitórias em Maputo e Matola, no mínimo, mas permitir isso seria um golpe psicológico e político profundo para a Frelimo.
É ainda mais incerto como a Frelimo irá agora lidar com as eleições de 2024, equilibrando os seus receios crescentes sobre essa disputa com o escrutínio crescente que irá agora enfrentar.
Pode haver volatilidade política significativa antes das eleições de 2024?
Muito dependerá da forma como o conflito interno dentro do partido for resolvido, mas não é certo que isto possa ser levado a uma conclusão clara, o que poderá contribuir para a crescente volatilidade política. Além disso, há até receios de que a facção pró-Nyusi dentro do partido possa tentar empurrar o país ainda mais para o caos e fabricar uma crise que lhe permita enecontrar uma forma de perpetuar o seu próprio poder. (Oxford Analytica)