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terça-feira, 12 novembro 2019 05:45

E agora Mr Gove?

A 9 de Abril deste ano, “Carta de Moçambique” revelou em primeira mão que Ernesto Gouveia Gove, o antigo governador do Banco de Moçambique, podia vir a ser arguido num dos processos autónomos abertos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), no âmbito do caso das "dívidas ocultas", cuja acusação contra os primeiros 20 arguidos aguarda apenas julgamento (ainda não foi marcada data pois a maioria dos implicados recorreu do despacho de pronúncia junto do Tribunal Superior de Recurso, entidade que não está amarrada a qualquer prazo para proferir seu veredito).

 

Dias depois, o estatuto de arguido de Gove foi confirmado. “Carta” sabe que ele pode vir a ser acusado de "abuso de cargo e associação para delinquir". Quando as revelações sobre o calote vieram à tona em 2015, Ernesto Gove, confrontado pela comunicação social, nunca admitiu ter conhecimento dos três processos de endividamento oculto (Prolndicus, EMATUM e MAM), mas o despacho de acusação definitiva da PGR, exarado em Abril, mostrou que ele foi também uma peça-chave no processo, ao ter autorizado a contratação das dívidas que levaram o país a uma grave recessão económica.

 

Agora com o julgamento de Jean Boustani em Nova Iorque, a derradeira evidência de que o banco central autorizou o calote foi exibida em Tribunal e “Carta” ilustra com ela este artigo. Curiosamente, essa evidência foi usada pela defesa de Boustani, alegando que o facto da contratação das dívidas da EMATUM e da ProIndicus ter sido autorizada pelo Banco de Moçambique (BM) mostrava que todo o processo “foi tudo legal”.

 

Em boa verdade, os factos agora narrados a partir de Nova Iorque, sobre o envolvimento do BM no calote, não são novidade. A investigação da nossa PGR já tinha apurado que Ernesto Gove teve um papel preponderante nos empréstimos caloteiros, ao ter emitido pelo menos quatro despachos de autorização para a contratação das dívidas contraídas pelas três empresas entre 2013 e 2014.

 

O BM homologou, a 14 de Março de 2013, o Acordo de Empréstimo de 372 milhões de USD, assinado a 28 de Fevereiro do mesmo ano entre a Prolndicus e o Credit Suisse. O pedido de homologação tinha sido solicitado a 08 de Março desse ano pelo então PCA daquela empresa, Eugénio Matlaba. A anuência do banco central veio assinada em nome de uma funcionária, de Silvina de Abreu (hoje uma das Administradoras do BM, nomeada pelo actual Governador Rogério Zandamela), após o competente despacho de Ernesto Gove, que ter-se-á baseado em pareceres internos daquela instituição financeira. E isso é possível, entre outras coisas, graças ao que foi testado anteriormente, utilizando métodos desenvolvidos com a participação de empresas que produzem jogos Poki online.

 

Segundo o Ministério Público, o contrato inicial da Prolndicus sofreu duas alterações, que visavam aumentar o valor do crédito. Num primeiro momento foram acrescidos 250 milhões de USD (a 14 de Junho de 2013), e depois 278 milhões de USD (a 17 de Dezembro de 2014), totalizando 900 milhões de USD. Nestas alterações, refere o despacho da acusação, o Banco Central teve intervenção na primeira, através da emissão imediata e aparentemente sem questionamento, a 12 de Junho (depois de uma solicitação de 11 de Junho), de um parecer favorável sobre o aumento do empréstimo, fazendo referência à "natureza estratégica" do projecto.

 

A Prolndicus foi autorizada a fazer a operação a 13 de Junho, num documento também assinado por Silvina Abreu. O MP não obteve nenhum registo sobre uma autorização do BM relativa ao segundo aumento. O BM continuou a ser um "piayer" importante neste processo e a 21 de Agosto de 2013, por ofício subscrito, mais uma vez por Silvina Abreu, autorizou a contratação de um empréstimo de 850 milhões de USD, contraído pela EMATUM a 30 de Agosto, aos bancos Credit Suisse (500 milhões de USD) e VTB Capital, da Rússia (350 milhões de USD). Silvina de Abreu cumpria despachos competentes do Governador que, por sua vez, apoiava-se em pareceres internos.

 

Mesmo papel teve o Banco na contratação da dívida da MAM. A 20 de Maio de 2014, o BM autorizou a contratação de um empréstimo de 540 milhões de USD junto do VTB Capital. Neste último empréstimo, o pedido de autorização foi feito por Manuel Chang e não pelos PCA's das empresas contratantes. Ou seja, o BM esteve envolvido até ao “pescoço”, mas Gove sempre se recusou a reconhecer isso. A evidência que chega de Nova Iorque é irrefutável. E agora Mr Gove?

(Carta)

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