Sexa Filipe Nyusi reuniu-se, sábado último, com os seus correligionários na Escola do Partido, na Matola. Para lá de anunciar, pomposamente, os nomes dos deputados que vão ocupar cargos de chefia no Parlamento – Esperança Bias em substituição de Verónica Macamo, na presidência da AR, e Sérgio Pantie a fazer a vez de Margarida Talapa, na chefia da bancada – o PR lançou ainda alguns reptos aos 184 representantes do povo que trajam de vermelho e que tomam posse hoje, com maioria folgada.
E foi precisamente a propósito dessa pretensiosa maioria esmagadora da Frelimo no parlamento (184 assentos, contra 60 da Renamo e seis do MDM) que Nyusi teceu considerandos. Grosso modo, o PR chamou a atenção dos deputados para alguns aspectos importantes: que não é por causa dessa vantagem que a bancada deve subjugar os adversários, chumbando liminarmente toda e qualquer proposta vinda daqueles; que é necessário que todas as ideias da oposição sejam devidamente analisadas e que, se as mesmas tiverem mérito, devem sim ser acolhidas e aprov(eit)adas.
E mais disse o presidente: que é necessário que as todas as propostas da bancada da Frelimo sejam fundamentadas – ao que classificou de “intervenções pedagógicas”. “É necessário que o povo saiba exactamente porque é que uma determinada proposta foi aprovada, em detrimento de outra. O povo deve saber porque é que determinado projecto vai ser implementado no distrito X e não no distrito Y. Para tal, é necessário que todas as vossas intervenções sejam pedagógicas, e as propostas que apresentarem sejam devidamente fundamentadas” – deu a entender o PR.
Em última análise, o presidente quis dizer que “não se deve aprovar só por aprovar”; apenas porque a proposta foi apresentada pela bancada da Frelimo. Ora, sabendo nós que de boas intenções está o inferno repleto, custa acreditar que este discurso espelhe o verdadeiro (e franco) desiderato da Frelimo e do seu presidente para a presente legislatura.
Se em cinco legislaturas – maior parte das quais sem maiorias tão folgadas – o comportamento da bancada teve sempre laivos de absolutismo, que razões há para se acreditar que desta vez as coisas possam ser diferentes?
Aliás, se nos lembrarmos dos discursos do próprio PR durante a campanha, em que apelava aos eleitores para a necessidade de se "dar uma goleada” ao(s) adversário(s), o que se pode questionar é: afinal Sexa queria a tal “goleada” para quê? Não era justamente para poder chegar a este ponto, em que a Frelimo pode fazer o que lhe der na real gana, a nível de aprovação e/ou reprovação de iniciativas no parlamento?
O que vale é que hoje em dia, dadas as vicissitudes da vida, os moçambicanos aprenderam a ser como S. Tomé: ver para crer. Palavras bonitas e boas intenções só convencem se à posterior se vierem a concretizar na realidade prática.
Os “deputados bajuladores” de Manteigas
Face ao desequilíbrio na representatividade parlamentar, este dilema (sobre como eventualmente funcionará o parlamento que hoje toma posse) vem sendo analisado e debatido, aos mais diversos níveis, desde que os resultados eleitorais foram validados pelo CC.
Há dias, a questão foi levantada num debate televisivo em que, entre outros, estava presente o deputado José Manteigas, porta-voz da Renamo. O seu ponto de vista foi mais ou menos o que dele se podia esperar: que a Frelimo “vai continuar com a sua habitual ditadura do voto, só que agora com muito maior arrogância”…
Interessante, porém, foi a sua resposta, quando questionado sobre como é que, dadas as circunstâncias, isso poderia ser evitado ou revertido. Disse o deputado, sem pestanejar: “é necessário acabar com os deputados bajuladores. O nosso parlamento está cheio de deputados bajuladores, que não estão preocupados com o mérito das propostas, mas sim em agradar a bancada/partido – e isso é que empobrece a nossa democracia”…
Ora, apesar de “suspeito” para abordar o assunto nesses termos (uma vez que ele próprio é deputado), o porta-voz da “perdiz” está(va), em outras palavras, a dizer o mesmo que o PR viria a dizer dias mais tarde – este sábado, portanto, na Matola, aos seus camaradas deputados. Sintetizando: tanto uns como outros concordam que o grande cancro do nosso parlamento é um enorme défice de objectividade nos debates e na aprovação/reprovação de iniciativas de lei. A grande preocupação é estar-se alinhado com o partido – a tal disciplina partidária, que em muitos casos se mostra nefasta.
E se o voto fosse secreto?
Aqui chegados, a questão que se coloca é: como se pode mitigar, ou até mesmo superar esse “mal”? Uma das hipóteses poderia ser a introdução do voto secreto no parlamento. Não seria a primeira vez que tal possibilidade é aventada, cá entre nós. E muito menos seríamos o primeiro país em cujo parlamento os deputados votam secretamente.
Aliás, a existência de hipóteses tanto constitucionais quanto regimentais de votações secretas no Poder Legislativo é uma tradição no Direito de vários países com vigorosos regimes democráticos. Não obstante o voto secreto parlamentar ser objecto de intensos questionamentos, sob o argumento de que prejudica o controlo, pelo eleitorado, da actividade dos seus representantes, não há dúvidas que ele revitaliza a ideia de que, em determinadas situações, o mesmo é essencial para assegurar a actuação parlamentar independente e livre de pressões político-partidárias. Optando-se pelo voto secreto, o deputado vota segundo a sua consciência, e não na perspectiva de agradar/bajular as chefias do partido ou da bancada, apenas para “sair bem na fotografia” e não perder o tacho…
Que tal pensarmos seriamente nisso? (Homero Lobo)