O metal pesado ficou retorcido tal a destruição provocada nos contentores de mercadorias que ficaram à mercê da violência armada no porto de Mocímboa da Praia, vila que foi ocupada durante um ano por insurgentes.
Silêncio e espanto foi a reação na cara de vários membros da comitiva estatal na visita de hoje, cerca de um mês após a reconquista, quando se deparou com uma vila fantasma - apenas habitada por militares.
"É uma situação triste porque afeta o nosso processo de desenvolvimento e afeta a vida das pessoas. E a nossa prioridade é olhar, sobretudo, para a vida" da população, referiu o ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, primeiro membro do Governo a visitar Mocímboa libertada, mas vazia.
Uma visita a um território ainda em busca de segurança total, que gradualmente vai crescendo desde julho com os avanços territoriais das tropas governamentais com apoio do Ruanda e Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), despojando as forças rebeldes.
As instalações destruídas do aeroporto, portas e vidros partidos pelo chão, as paredes chamuscadas, são um primeiro sinal, seguido do aparato militar que envolve a escolta à comitiva: dezenas de soldados armados cobrem o perímetro.
É uma visita feita de carro, com capacete e colete à prova-de-balas.
A comitiva do Governo e Eletricidade de Moçambique (EDM) quer avaliar formas de repor a eletricidade com urgência, pois a violência armada desligou os distrito do norte de Cabo Delgado da rede nacional de energia.
Pela avenida fora, o mato cresce por onde pode, há paredes derrubadas, derretidas, torcidas pelo fogo que as deixou negras e que virou do avesso várias lojas da avenida principal, algumas com estantes que ficaram tombadas da porta para a rua, até hoje.
Viaturas queimadas e uma estação de serviço vandalizada, mais à frente, ao lado das antigas instalações da polícia, mostram que pouco escapou à violência.
A estátua de Samora Machel, primeiro Presidente moçambicano, foi derrubada e os restos permanecem na rotunda à entrada da vila, fazendo juz aos clamores dos rebeldes, para que a população ignorasse a autoridade do Estado.
Paragem para visitar um posto de transformação de energia ao lado de uma agência bancária, transformada num prejuízo imenso.
Tudo ficou calcinado com o fogo, portas, vidros, mobiliário, formando-se uma massa como uma cicatriz que atravessa o antigo edifício, que se abateu.
A comitiva segue de carro a passo de corrida e o cenário repete-se: casas grandes, pequenas, restos de uma igreja, escombros de todo o feitio, queimados pelo fogo, rua após rua, como peças de dominó tombadas até ao porto, onde a destruição é de grande escala.
Camiões pesados, tostados de fio a pavio, três andares de contentores gigantes de portas escancaradas, pilhados, moldados pelo fogo e explosões marcadas nos materiais.
Descobre-se um gerador que parece ter escapado intacto e a comitiva planeia a reparação, ao mesmo tempo que se estuda onde colocar outros que estão a caminho - devendo chegar sexta-feira a Pemba, diz o ministro.
Sem viva alma por perto, Max Tonela sublinha a importância da eletricidade: dela depende o abastecimento de água, comunicações, serviços hospitalares e outros de âmbito administrativo - ou seja, tudo o que faz falta para convencer as populações a regressar.
Mais à frente está o caminho até à estação de bombagem de água, agora seca, inoperacional, sob o olhar atento de uma equipa de 17 homens que está desde segunda-feira, sob escolta, a repor a energia elétrica na zona e que promete reativá-la.
Ao lado do caminho rural em terra batida, o capim queimado ainda deita fumo.
"Foram os nossos homens que o andaram a queimar, para termos visibilidade", explica um soldado, porque ninguém quer arriscar encontros com surpresas.
O ministro dos Recursos Minerais e Energia traça um objetivo: fazer uma reposição de emergência da energia na vila, com recurso a gerador, até final do mês, enquanto as obras no resto da rede decorrem.
Para a vida regressar, "será necessário uma conjugação de esforços" de todas as áreas de governação, remata Tonela.
"Olhar para as pessoas e famílias, traumatizadas, e assegurar motivações para voltar aos seus locais", no que considera ser um "desafio enorme".
"A nossa visão é criar condições melhores, no futuro, melhores do que antes desta ação terrorista", concluiu.
Duas horas depois de começar, a primeira visita de um membro do Governo a Mocímboa após a reconquista terminou, em segurança, mas sem gente nas ruas - habitantes que rumaram para distritos a sul da província, engrossando o número de deslocados internos provocados pelo conflito armado.
Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.
O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.
A Lusa viajou a Cabo Delgado a convite do Governo de Moçambique.(Lusa)