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Política

terça-feira, 08 janeiro 2019 07:40

Em discusão a liberdade provisória de Manuel Chang

Hoje, quando Manuel Chang entrar para a sala D do Kempton Magistrate Court, ele será ouvido em primeiro interrogatório de réu preso, destinado a avaliar se existe matéria suficiente para ser mantido sob custódia, ou se pode aguardar em liberdade pelo processo de extradição para os EUA. O juiz vai analisar a matéria indiciária constante do libelo acusatório americano e aferir se ela tem elementos de prova suficientemente fortes para manter o arguido na prisão.  

 

Na audiência, o juiz deverá confrontar o antigo ministro com alguns elementos da acusação, nomeadamente a evidência de que ele assinou garantias soberanas para a contratação de uma dívida sem obedecer lei, originando daí o seu envolvimento num esquema para defraudar investidores americanos através do sistema financeiro dos EUA. O juiz vai também confrontar Chang com evidências de recebimento de subornos de cerca de 15 milhões de USD da Privinvest. Chang deverá tentar declarar sua inocência, mas para isso terá de dizer que assinou as garantias sob coação. Nessa resposta, Chang começará a dar as pistas do que poderá ser a sua estratégia de defesa, traçada por Rudi Krause, um advogado considerado manhoso, habituado a defender “criminosos” de colarinho branco. 

 

Nessa resposta, Chang vai mostrar pela primeira vez se está disposto a carregar sozinho o fardo da culpa moral do endividamento ou dirá que foi induzido a subverter a legislação de modo a viabilizar um projecto de enriquecimento ilícito. A acusação americana mostra que calote começou com a compra da "vontade política" ao mais alto nível e depois disso altos funcionários do governo, envolvidos no esquema, incluindo Chang, agiram sob a noção de que tinham toda a cobertura para tomar decisões ilegais e ilegítimas vendendo um projecto sem viabilidade assegurada e altamente prejudicial para a economia mocambicana. Com a noção dessa vontade política comprada ao mais alto nível, Chang deu largas à sua ambição de enriquecer ilicitamente, mesmo consciente de que estava a ultrapassar os limites da prudência na gestão orçamental do Estado. O cheiro a uma ganância desmedida está patente nessa acusação americana, contrastando com o papel de “vítima e coagido” que ele desempenhou aquando da auditoria da Kroll. 

 

Mas seja como for, Krause vai argumentar que Chang deve permanecer em liberdade até que o processo da extradição seja dirimido nas próximas semanas. O advogado vai propor um valor de caução e também apoiar-se no facto de que, na semana passada, um tribunal londrino libertou sob caução os três antigos gestores do Credit Suisse também acusados juntamente com Chang. O grande problema que Krause enfrentará é que Manuel Chang não é residente na RAS. No Reino Unido, os três libertados em Londres tinham residência na cidade. Chang parece estar na mesma situação de Jean Bostany. Preso na véspera do fim do ano em Nova Iorque, Bostany tentou uma liberdade sob fiança de 2 milhões de USD mas a juíza do caso indeferiu, por receio de fuga. Chang é também um réu preso no estrangeiro. O juiz vai certamente aquilatar da existência desse risco de fuga. 

 

A tentativa de tirar Chang da cadeia conta agora com a PGR, que disse ontem estar a encetar diligencias para que o antigo Ministro seja julgado em Moçambique. “Carta” sabe que no plano político, o Governo também tentou uma aproximação com o ANC mas o facto de Julius Malema, o controverso líder do EFF ter entrado em cena, mostra que Ciryl Ramaphosa descartou qualquer possibilidade de interferência no judiciário, pois ela transmitiria para os EUA uma imagem negativa, numa altura em que vende uma narrativa de transparência e boa governação, essencial para a atração de investimento estrangeiro. (Marcelo Mosse) 

Para além do ex-Ministro das Finanças, Manuel Chang, a justiça americana acusou mais dois moçambicanos. “Carta de Moçambique” está em condições de alegar que um dos co-acusados de Chang é António Carlos do Rosário. O “mastermind” do calote, alto quadro do SISE que gozava da protecção paterna de Gregório Leão José, Director-Geral da secreta moçambicana nos anos relevantes da orquestração da massiva fraude. Os nomes dos co-acusados serão revelados após a captura dos mesmos pela justiça americana.

 

“Carta” obteve os documentos mais relevantes do processo, incluindo todas as acusações aos já detidos e um pedido, de liberdade, por caução de Jean Bostany (Bostany, ou Bostani, havia se proposto, através dos seus Conselheiros de Defesa Michael Schacter e Randall Jackson, a pagar uma caução de 2 milhões de USD, mas a juíza Peggy Kuo, magistrada do Eastern District of New York, recusou alegando o risco de fuga. Os advogados de Bostany conseguiram, no entanto, obter exclusivamente uma cópia da acusação sem omissão dos co-acusados, de acordo com documentos em posse de “Carta”).

 

Há, portanto, mais dois mandatos de captura em execução para cidadãos moçambicanos. O perfil desses co-acusados começa a ficar claro. Rosário é um deles. Os visados são figuras que estiveram envolvidas nos primórdios da montagem dos negócios. A justiça americana virou as baterias apenas para quem montou o calote, usando o sistema financeiro americano ou ludibriando investidores americanos, através da “venda de gato por lebre”. 

 

Na estratégia para juntar as provas, o FBI conseguiu a cooperação de três delatores moçambicanos. São pessoas que tiveram envolvimento directo no processo, receberam dinheiro, todavia decidiram colaborar, contando como tudo aconteceu, incluindo a partilha de conversas por email. Por isso, elas não serão acusadas.

 

No libelo acusatório, estes delatores são apresentados como co-conspirador 1, 2 e 3. O primeiro é um “indivíduo” que procurou a aprovação do Governo para o projecto Proindicus e recebeu subornos na ordem dos 8,5 milhões de USD. O segundo é um parente de um alto funcionário em Moçambique e recebeu subornos de 9,7 milhões de USD e o terceiro é um alto funcionário do Ministério das Finanças de Moçambique, que já foi director da EMATUM e que recebeu 2 milhões de USD. Quem são estas figuras? "Carta" fez várias consultas.

 

Uma suspeita inicial para o número 1 recai sobre o Eng. Teófilo Nhangumele; um homem experiente em negócios no ramo petrolífero, que durante muitos anos trabalhou para a Petro SA. Foi Nhangumele que abriu as portas para Bostany no país em 2011. Ele acabou fazendo um esboço daquilo que seria o negócio da Proindicus, tendo-o apresentado a vários membros do Governo. 

 

Não é certo se esses encontros foram privados ou oficiais. Nhangumele recebeu comissões pelo seu envolvimento inicial no processo.

 

Outra possibilidade recai sobre a figura de Cipriano Mutota, que é sócio de Rosário e Gregório Leão na Jociro Internacional, uma empresa para onde passaram vários milhões de USD de subornos.  A Jociro foi criada justamente para drenar o dinheiro que devia ser investido nas três empresas caloteiras. Mutota é um grande operativo do SISE.  Suspeita-se que ele tenha colaborado com o FBI passando informação fundamental sobre a conspiração. Os três sócios da Jociro são um alvo central das investigações.

 

No caso de se confirmar que Mutota tenha sido um dos delatores, então abre-se uma interrogação para a figura de Nhangumele. O segundo co-conspirador é apresentado como um parente de um alto quadro funcionário do Governo. “Carta” ainda não estabeleceu quem poderá ser, apesar de uma suspeita cada vez mais adensada sobre um nome. O terceiro co-conspirador é uma dentre duas pessoas: Henrique Gamito ou Isaltina Lucas Sales. O primeiro já foi Director da Ematum, sendo quadro das “Finanças”. Teve um papel de relevo no calote na Ematum. A segunda já foi membro do board da Ematum tendo sido Directora Nacional do Tesouro aquando da assinatura das garantias soberanas, onde ela teve uma mão.

 

Nos próximos dias esta dúvida será dissipada. Mas qualquer que tenham sido as informações passadas pelos delatores tudo parece convergir numa coisa: clara protecção do antigo Presidente Armando Guebuza. Cada vez parece ficar claro que Guebuza não é visado. O que levanta a hipótese de uma concertação prévia de alguns dos delatores com o Partido Frelimo, o que pressupõe que Manuel Chang possa vir a carregar também o fardo da vontade política. 

 

Da análise dos documentos, outra coisa resulta clara: o Presidente Nyusi parece não ter tido um papel determinante no calote tendo em conta o que a justiça americana está a apurar, pois tudo gira em torno da fraude financeira e da burla aos investidores. Filipe Nyusi assinou documentos dando o aval ao projecto relevante, mas não participou na montagem da engenharia financeira, que é o que originou a fraude. Nas conversas iniciais para a montagem do projecto Proindicus, constantes de um email enviado por um co-acusado para Bostany, onde se cobra um suborno de 50 milhões de USD, é alegado que “mais tarde ter-se-ia de envolver os Ministérios da Defesa e do Interior e a Força Aérea”, mas não se sabe se Nyusi terá recebido subornos; nomeadamente se o seu nome consta da planilha de subornos da Privinvest, elaborada e controlada por Iskander Safa, o “mestre dos subornos”, que também pode ser um dos acusados ainda não nomeados, apesar de ontem, numa resposta a uma pergunta de “Carta”, Stuart Leasor (da Woodstock Leasor,  Limited) de Londres, que representa a Privinvest, tenha dito que companhia não estava a ser acusada.

 

Apesar de ser muito criticada por sua alegada inoperância na investigação do caso das dívidas ocultas,  a PGR esteve envolvida numa intensa troca de informação com o FBI e as autoridades de investigação britânica. Uma fonte de “Carta” disse que a PGR vai agora usar a matéria relevante da acusação americana para dar seguimento ao processo de corrupção em Moçambique. Isto quer dizer que apesar de os delatores terem sido excluídos de uma eventual acusação nos EUA, eles ainda vão responder pela justiça em Moçambique. (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 07 janeiro 2019 08:09

As galinhas do calote

Os moçambicanos adoram comer galinha. Assada com xima e molho de tomate. Em água e sal para quebrar a babalaza. Com piri piri sacana para alguns ou ao jeito zambeziano untada com leite de coco para outros. A galinha cafreal é uma habitante das casas suburbanas de Moçambique. Quem tem quintal geralmente cria galinhas. Na vaga ocupacional dos prédios de rendimento no fervor da independência, alguns tentaram criá-las nas varandas dos prédios. A relação com o animal é afável apesar do seu destino fatal que é um motivo prazeroso para o homem.

Em Março de 2017, quando se contava que a PGR estava fortemente empenhada na responsabilização penal do caso das dívidas ocultas, a instituição requereu à quebra de sigilo bancário de um grupo de 19 entidades colectivas e individuais. A PGR pretendia obter a relação de todas as contas, em moeda nacional e estrangeira, das referidas entidades. A acusação contra Manuel Chang, agora publicada, refere-se com frequência a um grupo de funcionários do Governo Moçambicano que receberam subornos em diversos momentos do processo de contratação dos empréstimos para as três famigeradas empresas.

sexta-feira, 04 janeiro 2019 03:08

Que possibilidades para Manuel Chang? (Análise)

Cyril Ramaphosa assumiu o cargo de Presidente da África do Sul, a 15 de Fevereiro de 2018, depois de Jacob Zuma ter sido forçado a renunciar devido a inúmeras denúncias de corrupção e reclamações sobre as suas ligações à família Gupta, acto que deixou o Congresso Nacional Africano (ANC) dividido. A Frelimo está igualmente dividida sobre a dívida secreta e a corrupção generalizada que ocorreram durante a administração de Armando Guebuza, mas até agora este partido protegeu as pessoas envolvidas neste caso. Zuma permaneceu algum tempo em Maputo durante a guerra de libertação do ANC e tem bons contactos na liderança da Frelimo.

Três ex-banqueiros do Credit Suisse (CS) foram presos em Londres, ontem, e um executivo da Privinvest foi preso em Nova Iorque sob acusações ligadas à dívida oculta de 2,2 bilhões de USD, escreveu ontem a Reuters. A detenção está relacionada com a recente prisão em Joanesburgo do antigo Ministro das Finanças, Manuel Chang.

 

Os três ex-funcionários da CS são Andrew Pearse, Surjan Singh e Detelina Subeva, que foram acusados ​por um tribunal federal do Brooklyn, em Nova Iorque, de conspiração para violar a Lei anti-suborno dos EUA e para cometer lavagem de dinheiro e fraude de valores mobiliários, segundo o porta-voz John Marzulli. As acusações são praticamente as mesmas que recaem sobre Manuel Chang. Os três foram soltos sob caução, aguardando extradição para os EUA. Em Nova Iorque foi preso Jean Boustani, executivo da Privinvest, quando tentava embarcar no Aeroporto JFK, na quarta feira. 

 

A dívida oculta foi organizada pelo Credit Suisse (CS), mas o dinheiro foi pago diretamente a uma empresa de Abu Dhabi, a Privinvest. Andrew Pearse ajudou a organizar os empréstimos, mas depois deixou o banco e foi fundar uma empresa em conjunto com a Privinvest, a Palomar. A acusação alega que três empresas moçambicanas (a Ematum, o MAM e a ProIndicus) foram apenas um ardil para Chang, Boustani e os três banqueiros enriquecerem. Os procuradores disseram que pelo menos 200 milhões de USD foram desviados para os réus e outros funcionários do governo moçambicano. Os réus terão enganado quanto aos reais motivos dos créditos, defraudando os investidores no exterior, incluindo nos Estados Unidos e arrasando a credibilidade de Moçambique. Manuel Chang assinou garantias do Governo para os empréstimos, mas as mesmas não eram válidas pois deviam ter sido aprovadas pelo parlamento. 

 

O Credit Suisse já se pronunciou, em comunicado enviado à Reuters, ontem. O banco disse que os ex-funcionários trabalharam para ludibriar os controlos internos do banco, agindo para a obtenção de um lucro pessoal e escondendo essas atividades do banco.  Estas detenções são uma clarificação de que Manuel Chang foi detido por causa do seu papel no endividamento oculto e mostram que o ocidente decidiu fazer justiça contra a impunidade em face de uma inércia das autoridades moçambicanas. O indiciamento dos 4 em Londres e em Nova Iorque pode acelerar a extradição de Manuel Chang para os EUA. Note-se que estas detenções envolvem apenas os processos relacionados com a Ematum e a ProIndicus, uma vez que a dívida contraída para a MAN foi junto do banco russo VTB. No relatório da Kroll parece ter ficado claro que Manuel Chang agia sobre ordens superiores e é provável que ele se venha a defender nessa linha, levando à incriminação de autores morais do calote. (Carta)