A vida continua madrasta para os deslocados dos ataques terroristas, no norte do país. Depois de terem sido desalojados das suas aldeias pelos insurgentes, os nativos dos distritos mais afectados pelos ataques terroristas (Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Palma, Nangade, Quissanga e Meluco) enfrentam agora rejeição e fome nos locais de chegada.
Um dos locais de chegada que tem sido quase um inferno para aquele grupo é o Centro de Acomodação de Corrane, localizado no distrito de Meconta, província de Nampula. No referido centro, os deslocados passam fome (devido à redução da ajuda alimentar) e, para piorar, perdem as pequenas parcelas de terra que lhes são oferecidas para a prática da agricultura.
Trata-se, na verdade, de casos já com barba rija, mas que continuam a inquietar os deslocados, uma vez que o Governo se mostra impotente para resolvê-los.
Manuel Agostinho, natural do distrito de Mocímboa da Praia, norte da província de Cabo Delgado, vive no Centro de Acomodação de Corrane desde Novembro de 2020, depois de ter sido forçado a abandonar a sua residência na aldeia de Miangalewa, no distrito de Muidumbe, em Setembro de 2019. Contou à “Carta” que, desde à sua chegada em Corrane, a vida não tem sido fácil para si, sua família e a comunidade em geral, devido à falta de comida, por um lado, e à falta de espaço para a prática da agricultura, por outro.
Segundo Agostinho, a população nativa de Corrane alega ser proprietária dos espaços cedidos aos deslocados, pelo que os deslocados devem pagar para poder adquiri-los. “Cobram entre 2.000,00 a 5.000,00 Meticais. Como teremos esse dinheiro? Saímos das nossas aldeias sem nada”, diz Agostinho, que garante lhe ter sido retirada uma machamba de quase 1 hectare.
“Se hoje tenho machamba, é porque consegui criar amizade com um dos nativos. Esse meu amigo é que me cedeu parte da sua machamba. Mas tenho irmãos [da comunidade] que não conseguiram ter machambas”, diz a fonte.
Devido a esta situação, a fonte assegura que algumas famílias têm abandonado aquele centro, optando, na sua maioria, por regressar às suas aldeias de origem, onde acreditam que terão melhores condições de sobrevivência.
“Eu também tenho essa vontade de voltar para casa porque estou a sofrer em Corrane. Mas só hei-de voltar quando o Governo me garantir que há condições de segurança, porque vi o meu irmãozinho ser assassinado pelos bandidos e vi a minha sobrinha (filha do irmão) ser raptada e até hoje não sei onde ela está”, desabafa a fonte.
“Carta” encontrou Manuel Agostinho em Maputo, num evento que discutia o processo de revisão da Política Nacional de Terras. Ele foi convidado para o evento, com a finalidade de partilhar a experiência dos deslocados durante o processo de auscultação. Ao nosso jornal, a fonte disse que os deslocados de Corrane foram preteridos deste processo.
A estória partilhada por Manuel Agostinho não é nova. Em Novembro de 2020, a Rádio Encontro, baseada na província de Nampula, noticiou a existência de conflitos de terra naquele Centro de Acomodação, opondo nativos e os deslocados. Porém, passados 16 meses, o problema continua e não se sabe quando será resolvido.
Devido a esta situação, a população continua a passar fome. “Recebemos apenas 10 Kg de arroz por mês, 10 Kg de farinha de milho, óleo, açúcar e feijões nhemba e manteiga”, enumera a fonte, que tem sob sua responsabilidade 11 pessoas: tios (dois), esposas (duas), filhos (seis); e um irmão.
GOMBE piora situação
Em conversa com “Carta”, Manuel Agostinho contou que, para além da redução da assistência humanitária e da falta de terra para cultivar, os deslocados debatem-se agora com os efeitos do Ciclone Tropical GOMBE, que fustigou a província de Nampula no passado dia 11 de Março.
Segundo Agostinho, o Ciclone Tropical GOMBE deitou abaixo diversas casas e agravou ainda mais as condições das vias de acesso. “Para chegar a Corrane agora é difícil. Antes, levávamos por aí 2 horas, mas agora são necessárias mais de 5 horas. A tarifa também aumentou, antes pagávamos 150 Meticais, mas agora temos de pagar 200,00 MT”, sublinhou.
Para Manuel Agostinho, o Ciclone Tropical GOMBE veio dificultar ainda mais a vida dos deslocados, que já necessitavam de todo o tipo de apoio antes mesmo da passagem deste evento natural. Refira-se que estão reassentadas em Corrane perto de 500 famílias. (A. Maolela)