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sexta-feira, 12 abril 2019 08:00

Os ‘mistérios’ que o ciclone Idai esconde na cidade da Beira

Aparentemente não chegam a todos os verdadeiros destinatários as doações que massivamente têm sido enviadas dos mais variados cantos de Moçambique e do mundo inteiro, para apoiar as vítimas do ciclone Idai. Contrariamente ao que foi apregoado, as companhias de telefonia móvel ainda se ressentem dos efeitos da mortífera e devastadora tempestade que em meados de Março último flagelou a região Centro do país, com maior gravidade a província de Sofala, sua capital Beira em especial. Prova disso têm sido as dificuldades que a equipa da “Carta” enviada à capital de Sofala enfrenta nas comunicações através de algumas redes das companhias de telefonia móvel (cujos nomes reservamo-nos o direito de não revelar), e que estiveram na origem do atraso no envio deste trabalho à nossa Redacção em Maputo.

 

Para apurar a veracidade dos factos em torno das queixas apresentadas por aqueles que viveram na carne os efeitos do Idai, “Carta” visitou alguns centros de acomodação e bairros da Beira. Observando atentamente o que se passa na cidade, volvidos sensivelmente 24 dias após o Idai, pode-se dar crédito à ideia sustentada por alguns segmentos da opinião pública, segundo a qual há um certo aproveitamento político da tragédia trazida pelo ciclone à sua passagem por alguns distritos da região Centro e uma parte da província de Inhambane.

 

O que constatámos no nosso périplo pela capital de Sofala foi a existência de pessoas residentes nas zonas urbanas aparentemente esquecidas, que para o seu sustento diário são obrigadas a contar com as próprias forças. Vimos em certos locais da Beira casas desprovidas de tectos, e nem mesmo as igrejas, mesquitas e outras infraestruturas escaparam à força dos ventos que chegaram a atingir uma velocidade de aproximadamente 240km/hora.

 

Os beirenses ‘marginalizados’

 

Muitos beirenses contactados pela nossa reportagem disseram não sentir-se abrangidos pelo abraço dos que internamente e a partir do estrangeiro quiseram demonstrar a sua solidariedade para com aos afectados pelo ciclone Idai. Na memória dos beirenses irá prevalecer a recordação de durante algum tempo Beira ter-se tornado na ‘capital do mundo’, ainda que muitos habitantes daquela cidade sejam de opinião que não se sentem beneficiados pelo apoio que várias organizações humanitárias e governos do mundo inteiro têm prestado às vítimas de um fenómeno natural de triste memória que deixou um rasto de destruição e morte.

 

Desumano é como se pode classificar o cenário a que “Carta” assistiu no centro de acolhimento dos afectados pelo Idai que funciona na Escola Primária Eduardo Mondlane, situada no bairro nobre de Ponta-Gea, agravado pela “praga de moscas” que invadiu a cidade da Beira! Naquele local, as pessoas dormem no chão frio, e os alimentos são confeccionados nas mais precárias condições.

 

Em conversa com a nossa reportagem, fonte oficial que nos pediu anonimato disse que os dias têm sido difíceis para as famílias que vivem na Escola Primária Eduardo Mondlane. Gradualmente, as mais de 1500 pessoas que eram acolhidas naquele centro começaram esta semana a sair de lá, tendo algumas delas sido aconselhadas a regressar às suas casas, enquanto outras, sobretudo as que praticamente perderam tudo, terão de esperar pelo reencaminhamento a ser-lhes dado pelas organizações que prestam assistência às vítimas do Idai. Entretanto, quase todos os alunos da Escola Primária Eduardo Mondlane regressaram  às aulas, e caso não se tenham transferido para outros estabelecimentos de ensino ver-se-ão obrigados a compartilhar as instalações com as vítimas do ciclone.

 

Joaquina Magalhães, uma das munícipes da Beira contactada pela “Carta”, não escondeu a sua tristeza pelo facto de o Idai ter destruído aquela cidade que, segundo ela, “já não terá o mesmo brilho”. Joaquina garante que por muitos anos que viva nunca esquecerá a tragédia do ciclone Idai, realçando que não quer voltar a viver uma situação idêntica. Contou que a madrugada do dia 15 de Março foi a mais longa da vida dela, por ter assistido, impotente, ao desabamento de tectos e casas em poucos segundos! Garante ter visto pessoas a voar como simples objectos. “O ciclone Idai despiu a cidade da Beira”, frisou. Para um outro munícipe beirense, Felizardo Junqueiro, o ciclone Idai foi e sempre será lembrado com lágrimas, principalmente nos dias 14 e 15 de Março de cada ano. Para Junqueiro, o grande problema neste momento são os apoios que não chegam às famílias, sobretudo as dos bairros da zona urbana. De acordo com Felizardo Junqueiro, os secretários dos bairros foram desde as primeiras semanas instruídos no sentido de produzir listas para apoios. “Mas até aqui nem água vai, nem água vem”, lamenta, acrescentando que essa foi a razão por que ele e outros munícipes desistiram de tais apoios optando por contar com as próprias forças.

 

A cidade da Beira poderá equiparar-se a uma “nova Pompeia africana”. Pompeia, antiga cidade do Império Romano, na Itália, onde agora é o território do actual município de Pompeia (a 22km de uma outra cidade, Nápoles), foi destruída durante uma grande erupção do vulcão Vesúvio no ano 79 D.C., que provocou uma intensa chuva de cinzas que a ‘sepultou’ completamente.

 

Reorganização da “nova Beira

 

Tendo em conta a tamanha destruição que Beira sofreu, os munícipes desta cidade ouvidos pela “Carta” são de opinião que o Governo deveria começar com um plano de reorganização da “nova Beira”. Acrescentaram que para além dos efeitos do ciclone Idai, a erosão corrói lentamente a capital de Sofala, como acontece no Bairro dos Pescadores, ao longo da Praia Nova e noutras áreas nos arredores da urbe. Os nossos interlocutores também disseram que a reconstrução das casas danificadas é apenas uma medida paliativa, porque aos poucos as águas do Oceano Índico vão consumindo a zona habitacional. Alertam que caso essa situação prevaleça, “dentro de alguns anos as coisas podem piorar”.

 

Embora no ano de 79 D.C. a cidade de Pompeia tenha sito vítima da fúria de um vulcão jamais vista, e em 2019 a cidade da Beira ter sido fustigada por um ciclone considerado, pelo menos até ao momento, o mais violento do hemisfério sul, urge aprender com o que os italianos fizeram quando em 1748 reencontraram por acaso a antiga cidade de Pompeia. (Omardine Omar, Beira)  

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