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quarta-feira, 27 março 2019 06:16

O vendedor de zips

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Encrustado no regaço de um cadeirão, ele embrenhara-se numa sesta quase de barriga vazia, mas esses são aqueles momentos em que o sono eclipsa a dor e a angústia das perdas arrastadas pelas águas na madrugada de uma noite em que, quem sabe, mais um zip se encravaria nas frabiquetas de orgasmos de cada um. E, depois, em cada despertar de cada sesta renasce sempre a esperança. 

 

O homem, encontrado na viela central de Buzi, não ronca. Seu sono parece profundo, a clientela ausente e a mercadoria amontoada numa mesinha bem junto de si. O homem é um dos vários heróis do Buzi. Aliás, no Buzi todos são heróis. Nenhuma hierarquia captaria uma diferenciação do heroísmo, a não ser por decreto oficial. 

 

No Buzi o tecido social foi profundamente carcomido mas nas tessituras da sua recomposição há um ingrediente insondável. A viela central é a feitoria de todos os que insistem em vender para quem nada compra. Entre os pouquíssimos negócios, o homem da padiola se destaca. Quando as pessoas procuram comida, o homem vende zips. Sim zips!

 

É provável que as calças dos homens tenham rompido a braguilha no dia dos remoinhos cortantes do IDAI e que tudo a água arrastou, afetos, sonhos e roupas também. Mas os do Buzi lutam por recompor a vida e o homem vende zips para esse desiderato. 

 

Um sujeito que perscrutava o nosso espanto, apaziguou-nos. No abrir e fechar de zips estava uma diversão favorita dos locais. E apontou-nos as dezenas de crianças de tenra idade enfileiradas para receberem suplementos nutritivos do Ministério da Saúde. Era como que uma meia palavra para bom entender. Engoli em seco e pensei no amor que entrelaça os homens e fecunda almas. Mas e se não houvesse zips? (Marcelo Mosse)

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