Com o acordo de cessação das hostilidades, rubricado pelo PR Filipe Nyusi e pelo líder da Renamo Ossufo Momade, surgiu um grupo se colocando como o único empecilho para que Nyusi celebre eternamente o estatuto do derradeiro pacificador de um conflito que mergulhou Moçambique no sangue durante décadas a fio: os dissidentes da Renamo. Há quem acredita que estes dissidentes têm potencial para perigar a paz. Até é possível.
O grupo é composto por generais do “innner circle” da guerrilha de Afonso Dhlakama, que deram seu corpo e alma às “causas” da luta. Queriam o poder de veto no processo decisório interno, mas Ossufo Momade deu-lhes costas. Têm armas e controlam bases do interior. Mas as possibilidades da sua persistência na hostilização violenta contra o poder do Estado (reivindicando um poder dentro da Renamo) parece-me limitada.
O acordo Nyusi-Momade carimbou também uma aliança FRENAMO (Frelimo/Renamo), que agora se junta, em coligação, contra os dissidentes. Ou seja, o grupo que insiste na rebeldia tem agora o Estado e boa parte da Renamo do outro lado da barricada. O acordo Nyusi-Momade foi celebrado por parte da facção guerrilheira da Renamo e pela totalidade da facção política da Renamo, desde os “tachistas” parlamentares a toda uma panóplia de políticos, dhlakamistas ou não, espalhados pelas capitais provinciais.
Por outras palavras, os dissidentes actuais da Renamo não têm suporte político (a não ser que depois das eleições apareçam políticos se juntando aos guerrilheiros nas matas numa reivindicação contra a fraude – coisa que só Afonso Dhlakama sabia fazer). Mas ainda ontem vimos a Ivone Soares marchando em celebração do acordo. Os dissidentes têm, pois, uma capacidade de barganha limitada. A opinião pública é contra mais matança nas estradas e a comunidade internacional também está cansada das nossas desavenças de sangue.
Os anteriores acordos entre o Governo e a Renamo, como o de 2014, falharam por causa da capacidade de Afonso Dhlakama de enxergar a maracutaias da Frelimo e mobilizar, ao mesmo tempo, suas energias políticas e militares. Dhlakama foi-se e não deixou um sucessor com sua dimensão e carisma para dar continuidade ao seu estilo de luta.
Os dissidentes reivindicam um espaço dentro da Renamo, acusando Momade de falta de legitimidade. Mas o acordo FRENAMO mostrou que isso já não interessa. Quem da Renamo não entrou na onda do acordo não passa agora de um bandido atirando contra a segurança do Estado. São os novos “bandidos armados”, sem qualquer tipo de legitimidade. Depois da assinatura em Chitengo, quando se soube de novos ataques nas estradas, Nyusi frisou que esse banditismo vai ser combatido ferreamente. Aliás, tudo vale agora para que a paz aconteça dentro dos anos de vigência do nyussismo.
A dissidência na Renamo vai ser mesmo capitalizada pela Frelimo, para eliminar todos os vestígios bélicos da guerrilha. Simbolicamente, para os novos “bandidos armados”, seria como que uma segunda morte de Dhlakama, com o beneplácito de toda a facção política traidora da Renamo, que ambiciona o conforto de Maputo.
Nos próximos meses, vamos ter algum sangue nas matas, com eleições de permeio. Depois o teste crucial será ver com que armas é que a Renamo fará a reclamação da fraude eleitoral, de que é useira e vezeira. A Renamo da FRENAMO está mesmo preparada para fazer a luta política nos espaços tradicionais, tal como em Angola a Unita aceitou as benesses do poder e se restringiu ao parlamento, ou vai tentar fazer renascer, depois de Outubro, o novo “banditismo armado”? Alô Novembro!