Ontem, já quase no final da “passerelle” dos discursos alusivos ao “acordo oculto” da Paz Definitiva, quando Federica Mogherini anunciou os 60 milhões de USD para as etapas subsequentes, vislumbrei alguns olhares reluzindo de contente. Vai haver boa fruta! Tecnocratas e lobistas que lidam com a mola que cai nas contas do Governo já estão esfregando as mãos, planeando seus recorrentes esquemas.
Mas este dinheiro, os 60 milhões, está directamente ligado à Paz Definitiva. Mogherini não foi detalhada sobre quem vai ser o beneficiário directo dos fundos. Também não era momento para determinar os Termos de Referência para o uso do montante, embora ela tenha dado a entender que o dinheiro era destinado a financiar projectos com efeito na população em todo o país!
Não! O dinheiro da Paz Definitiva não é para combater nossa pobreza geral. Não é para entrar no orçamento do Estado e desaparecer nos duvidosos critérios de distribuição de renda do Governo ou ser capturado nos sinistros processos de procurementcorruptos que caracterizam as intervenções do executivo no terreno.
Nem é para trazer para Moçambique uma catadupa de ONGs europeias (que também já esfregam as mãos), para virem cá meter esse dinheiro nos seus bolsos, com projectos com altas taxas de assistência técnica, que consomem mais de 60% de orçamento só para salários.
O dinheiro, deve ficar claro, é para a Paz Definitiva. Por outras palavras, é para financiar a reinserção social dos combatentes da Renamo e ponto final! Isto deve ficar claro e definitivo nos Termos de Referência. Haverá custos com a integração dos oficiais da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, mas estes devem ser custos marginais. O Estado deve arcar com o essencial desses custos.
Os 60 milhões não devem ser entregues ao Governo. Em Moçambique já há organizações não estatais com experiência na gestão deste tipo de projectos de reinserção social e devem ser convidadas a dar o seu contributo. Com sua comprovada experiência e inserção cultural e geográfica no território nacional, esses dinheiros serão aplicados de forma mais efectiva para uma paz sustentável. Importa recordar que o calar das armas não significa necessariamente a Paz. É preciso que a pobreza e exclusão social e económica sejam atacadas por quem já provou, aqui na nossa terra, que sabe como isso se faz. Os 60 milhões nas mãos do Governo comportam um risco tremendo: o risco de todo o edifício pensado para a Paz Definitiva ruir mesmo antes de se escavar as suas fundações.