Com a aproximação do julgamento do caso interposto pela PGR em Londres contra o Credit Suisse, marcado para 2021, o banco helvético não quer cair sozinho: quer arrastar também o Presidente Nyusi. Bizarro. Inócuo. A pura vingança servida friamente.
Para co-responsabiizar Nyusi, o CS baseia-se em evidências circunstancias carecendo de prova (a menção do famigerado “New Man” na planilha de subornos da Privinvest) e de um papel secundário do actual Presidente de Moçambique, enquanto Ministro da Defesa, no contexto da aprovação do projeto de defesa costeira que esteve na base da contratação da dívida da Proindicus. O anúncio de que o CS pretende envolver Nyusi como tendo tido participação política decisória e benefício económico irregular na contratação do crédito para a Proindicus tem dois significados.
Primeiro: O CS tem a noção de que cometeu irregularidades e não vai escapar a uma condenação judicial, com tremendos danos reputacionais. A 17 de Março deste ano, um despacho da Reuters mencionava que procuradores americanos estavam a investigar o papel do Credit Suisse Group AG no caso das “dívidas ocultas” de Moçambique e acreditavam ter evidências da culpabilidade do credor suíço depois que três ex-banqueiros se confessaram culpados, de acordo com duas fontes familiarizadas com o assunto.
De acordo com esse despacho da Reuters, os promotores acreditavam que o Credit Suisse podia ser considerado criminal e civilmente responsável pelos crimes dos seus funcionários se eles forem cometidos no âmbito de suas funções e beneficiarem, pelo menos em parte, o banco.
É provável que o CS tenha sedimentado, depois da investigação americana, a noção de que não escaparia a qualquer acção civil neste caso, interposta por entidades legítimas.
Não sabemos se a justiça americana avançou com uma acção contra o CS mas o caso interposto pela PGR moçambicana está a correr trâmites, e foi no âmbito dos quais seus representantes legais (do CS) manifestaram a vontade de envolver Nyusi, num feio golpe de chantagem e vingança: o caso da PGR em Londres terá tido a anuência do mais alto magistrado da nação, causando uma fúria tremenda nos corredores do banco helvético por causa de uma eventual condenação.
Segundo: Decorrendo dessa eventual condenação, o CS agarrou-se na estratégia da chantagem para tentar chegar a um acordo com Moçambique. Por outra palavras, a ameaça de alistar Nyusi como co-responsável num caso justamente interposto pelo Estado moçambicano era uma forma de acenar para uma negociação extra-judicial.
Geralmente, os grandes bancos sempre evitaram uma sentença judicial quando acossados perante uma quase condenação. Uma condenação judicial tem efeitos reputacionais desvastadores. Os bancos preferem um acordo extra-judicial e é isso que, provavelmente, procuram ao acenar a Nyusi.
De resto, os poucos mais de 600 milhões de USD do crédito à Proindicus são “peanuts” para o volume de danos de uma eventual condenação judicial e para os lucros anuais do CS. Os resultados do CS (lucro) para o segundo trimestre deste ano (um ano atípico dado a pandemia) fora de 1.27 bilhões de USD. Os lucros são função do valor por acção que, por sua vez, são função (também) da reputação do banco. Ora, o lucro de um trimestre do CS é dobro do crédito concedido à Proindicus.
Em face disto, é mesmo de esperar que este imbróglio termine num acordo extrajudicial. Para o CS seria ouro sobre azul. E para Moçambique? Dependerá. A PGR pretende a eliminação da dívida da Proindicus e suas garantias. Se se conseguir isso, ganha também o Estado moçambicano. (Marcelo Mosse)
Seguíamos pela EN380 numa motorizada da marca Xinthai quando sons de bombas e bazucas inundavam os nossos tipanos e chorávamos a alta velocidade. Pela estrada, cruzavamos com crianças, mulheres e idosos famintos, com trouxas na cabeça e pensando porque não foram dadas assas para que num instante estivessem num local seguro e sem medo de ser morto.
Naquela manhã, nosso coração palpitava a uma velocidade galopante. Aquela motorizada mesmo na velocidade máxima parecia que estava andar a 5km por hora. Choravámos juntos. Albertina Baptista, jovem corajosa que apenas procurava por uma oportunidade de emprego naquela rica província assolada pela guerra desde 2017 e de turbulências sociais, económicas e políticas há décadas.
Albertina Baptista e o seu corajoso taxista Martinho Macume, um homem corajoso que há anos tem arriscado a vida salvando outras e vivendo a história da guerra em Cabo Delgado desde os primeiros momentos. Voltando ao teatro das operações! Naquele dia corríamos há uma velocidade de um leopardo, mas pelo medo, sentíamos que estavamos em cima de um burro ou rinoceronte, porque não víamos a hora de chegar a Pemba são e salvos.
O medo era tanto. As lágrimas inundavam o meu rosto. O caminho parecia estar a ser acrescentado. As minhas preces intensificavam-se. A minha alma havia abandonado o corpo. A esperança por algumas horas não existia. O medo reinava em nós. Foi um dia doloroso. Foram segundos, minutos e horas de sufoco e desespero. Aquele dia jamais será esquecido por mim. Pelo que vi e ouvi do Martinho Macume. Das histórias de sangue e destruição. Da impiedade belicista e dos amigos e parentes que tombaram em Muidumbe, Macomia, Nangade, Meluco, Mocímboa, Palma, Ibo, Quissanga e Mueda.
Percebi que o meu sonho de trabalhar naquela multi-nacional não seria desta vez. "Que aquela guerra não era uma manifestação popular como alguns dirigentes apelidaram numa reunião realizada secretamente na África do Sul, onde países como Estados Unidos de América (EUA), China, Zimbabwé e outros pretendiam perceber qual seria o seu papel. Estranhamente, quando tudo parecia tender para o apoio, eis que um general, levanta e diz que Moçambique vai resolver o problema, sem precisar do armamento pesado dos americanos, porque tudo era uma insurreição popular".
Narrava Albertina Baptista, lembrando de uma conversa tida com um amigo de alta-patente presente na tal reunião realizada em Maio. As revelações caíram como bomba para mim, mas devido ao estado psicológico dele não levei em conta.
Durante aquela viagem na motorizada, percebi que aquilo não era uma insurreição popular armada, mas sim, terrorismo sem fim a vista. Contra todas expectativas salariais e de status sociais garantidos pela multi-nacional finalmente decidi desistir do sonho. A minha vida tinha mais valor que o salário e os benefícios que adviriam do mesmo.
O meu grito do medo foi maior naquele dia, mas entre os batões, perguntei-me, quantos gritos de medo estão a ser feitos neste momento em Mocímboa da Praia? Quantas crianças, mães e idosos choravam e lutavam pela vida naquele preciso momento? Os gritos do medo eram maiores e constantes e que mesmo saíndo do local ainda iriam intervir nos meus sonhos e que tal do Martinho Macume?
Criação do autor ...Omardine Omar...após uma conversa com uma sobrevivente do ataque a Mocímboa da Praia.
Passam já 20 dias após Moçambique assumir a presidência rotativa da SADC e, as vozes que questionam o significado que esta terá para Moçambique não param, são vozes que clamam pela paz em Cabo Delgado e enternecidas pelo sofrimento que assola a população daquela parcela do país. Não é para menos! Afinal, são pessoas brutalmente assassinadas, outras obrigadas a deixar para trás tudo que por vida inteira lutaram para conquistar, homens e mulheres são despojados das suas terras, crianças vêem seus sonhos e seu futuro mutilados, seus direitos espoliados, enfim, são vidas alienadas e obrigadas a viver em condições inóspitas e que, para tomar qualquer tipo de refeição dependem de ajuda.
Pelas razões anteriores são justificáveis as inquietudes e normal que se procure entender como pode Moçambique usar a presidência para persuadir os países da região, já que é assumida numa altura em que, os ataques em Cabo Delgado têm se intensificado e pontos estratégicos como o porto da Mocímboa da Praia são tomados.
A resposta para estes questionamentos é simples – Moçambique não pode fazer nada – os países são soberanos. Ademais, a política exterior dos países é conduzida em função dos interesses nacionais e combater a insurgência na região me parece não fazer parte dos seus interesses. A excepcionalidade deve ser o calcanhar de aquiles da cooperação internacional. Para além do marco da SADC e da União Africana, as relações entre os países da região são regidas também por acordos bilaterais, o que dá espaço para que a cooperação seja mais efectiva.
Falando da excepcionalidade, vale a pena sublinhar que não se trata de um problema apenas dos países da região, mas sim da cooperação internacional no geral. Depois do brote do covid-19 na cidade Chinesa de Wuhan, ninguém pensava que a epidemia sairia das fronteiras chinesas, para o mundo o covid-19 era “um problema chines” e, por tanto, não haviam razões para a cooperação multilateral. Esta foi a reação pelo menos dos líderes de alguns países desenvolvidos, como é o caso do presidente Donald Trump, quem chegou a chamar corana vírus de “vírus chines”.
Desgraçadamente “o vírus chines” já não é um problema para a China, mas para o mundo e sobretudo para os EUA que têm registado números assustadores, com cerca de 6,008,000 casos confirmados contra cerca de 85,000 na China, situando-se por debaixo de muitos países da América Latina, da Europa e inclusive de alguns países da África como, África do Sul e Egipto.
O facto é que a globalização é uma realidade e estamos todos conectados, porém, para fazer face aos problemas que devastam a região e o continente é necessário que os países pensem numa cooperação efectiva. O terrorismo é um problema global e emergente, nenhum país da região está livre, para a sua erradicação precisa-se de conjugação de sinergias e de uma vontade política inabalável. Disto depende a integração e o desenvolvimento regional.
Os meus dois amigos bebem cerveja tranquilamente na esplanada do restaurante, um sentado numa mesa, outro noutra, mesmo assim partilham a mesma garrafa. De Txilar. Parecem desolados, cada um fazendo as contas a vida sem dirigir palavra ao companheiro que está no outro barco navegando num rio triste. Na verdade esta esplanada é um rio triste no sentido de que não emana alegria. Eles são os únicos que estão alí, aliás, num dos cantos há mais um cliente degustando um peixe em silêncio, de costas para a rua vazia, contrariando os cowboys nos saloons.
Escrevi um poema na memória ao vê-los cada um ocupando a sua mesa, porém muito próximos um do outro, absortos nos telemóveis, completando assim o silêncio da cidade de Inhambane que daqui a pouco vai ficar entregue a outro silêncio, o do néon. Os últimos carros já passaram de recolha aos aposentos, e não vejo nenhum pedestre por aqui. Contudo, apesar deste mutismo, ainda consigo ouvir o derradeiro canto das tuta-negras penduradas nos cabos de electricidade. Outros nas copas das velhas acácias, despedindo-se do dia e agradecendo a Deus por terem saciado o bandulho sem precisarem de trabalhar.
Cheguei por volta das 16, convidado pelos dois “bradas” que dividem a Txilar, e o que me fascina a esta hora, é a total liberdade da urbe. É o silêncio. É a possibilidade de ouvir os batimentos compassados do coração. Também estou aqui em respeito a estes companheiros. É essa consideração aliás que levou-me a aceitar de pronto o chamamento, porque de outra forma não teria saído de casa, onde já me enclausurava mesmo antes da Covid-19. A pandemia quando chegou eu já era um prisioneiro do sossego que os meus aposentos me oferecem, ainda por cima um sossogo abrilhantado pela música diária dos pássaros.
Saudei aos dois, e as mesas estão de tal maneira dispostas que ao me sentar a uma delas, sou a ponte que os vai fortalecer a ligação. Se calhar sou a jangada. E antes que a conversa estalasse, um deles perguntou-me o quê que ia beber, e eu respondi, água! A água associa-me aos rios que venero, e aqui sou a ponte sobre o rio, ligando duas margens que se irmanam. Duas margens que bebem a mesma Txilar e comunicam-se por via do silêncio.
Estou com os meus amigos entregue ao vento das palavras. Livre como as gaivotas voando por sobre as marés vibrantes de verão. Aliviado dos pensamentos. Bebendo água, não num copo, mas numa taça de vinho. O garçon trouxe uma garrafa de água e serviu numa taça de vinho sem que eu desse por isso, nem os meus companheiros, mas também não acho isso importante. Água é água, num copo ou numa taça. Ou num rio. Mata sede na mesma. Mas há quem acha que as coisas devem ser colocadas nos seus devidos lugares, como este outro amigo que chega e exclama, estás a beber água numa taça de vinho!