Há um sinal inequívoco de que a África Austral não está alheia aos acontecimentos do resto da África, que os eleitores de hoje são, maioritariamente, jovens que não viveram o colonialismo e que nada justifica a penúria económica dos seus países na actualidade. A maioria desses jovens que vivem na penúria terão sido colegas de alguns que vivem na abundância e fartura hoje e eles se questionam, porque para alguns o colonialismo continua marcante e para os outros as coisas são bem diferentes. O punhado de compatriotas que vivem na fartura e exibem sem se coibirem pode ser a gota de água que fará transbordar o copo. Moçambique que se prepare e crie um discurso de reconciliação e de partilha convincente.
Mas a rejeição por parte dos observadores da SADC dos resultados que dão vitória ao candidato da Zanu-PF, Emmerson Mnangagwa, com 52,6% contra 44% do seu opositor mostra, igualmente, que a fraude não é a melhor forma de se conseguir a vitória. O grau de vigilância eleitoral, quer através dos partidos nacionais quer por observadores internacionais e da região, cresceu e todos clamam por resultados justos. Moçambique deve tirar lições das eleições do Zimbabwe, sobretudo, no que diz respeito ao manifesto eleitoral para jovens e mulheres, duas classes determinantes, na minha opinião, para se fazer eleger.
Zimbabwe merece sair da crise em que se encontra!
“África Austral parece caminhar rumo à Democracia, não se deve parar o vento com as mãos, pois não é todos os dias que observadores das eleições da SADC chumbam eleições da própria região, uma vez que a maior parte deles são os libertadores que governam e são eles que determinam quem deve ser observador. No caso do Zimbabwe, mais do que observadores, são os Chefes de Estado que não quiseram testemunhar a investidura de um “Golpista” eleitoral, como considera Siphosami Malunga, advogado e activista dos Direitos Humanos zimbabueano.
A perpetuação do poder de Emmerson Mnangagwa fará com que o Zimbabwe continue na linha de pobreza, com mais de 18 mil milhões de USD de dívida externa e 175% de inflação no mês de Junho. A probabilidade de negociação da dívida parece estar gorada com a declaração de eleições não justas e nem transparentes, pela quase totalidade de observadores das eleições, desde a SADC, a UA, EU e outros observadores. Obrigado presidentes da zona Austral, que boicotaram a investidura com ausência no Estádio Nacional do Zimbabwe”.
AB
“As eleições foram usurpadas pelo partido no poder com interesses próprios e não resolvem a crise de legitimidade nem fornecem um roteiro para salvar a economia devastada. Os resultados anunciados unilateralmente sábado à noite, dando ao Presidente Emmerson Mnangagwa 52,6% dos votos, foram possíveis devido ao seu domínio sobre o poder judicial, agências de segurança e, acima de tudo, uma Comissão Eleitoral repleta de apparatchiks do partido no poder.”
In Siphosami Malunga, no CDD: Siphosami Malunga é um advogado constitucional e de direitos humanos do Zimbabwe que trabalhou em eleições em África e no mundo.
Ontem, 11 de Setembro de 2023, na página do CDD, dirigido pelo Prof. Dr. Adriano Nuvunga, vem inserido um longo artigo sobre as eleições de 23 de Agosto de 2023, no território vizinho e amigo do Zimbabwe. Igualmente, o Jornal electrónico “Carta de Moçambique” faz a publicação sobre a vitória de Emmerson Mnangagwa que servirá de sufoco à população sofrida do Zimbabwe, com mais de 10 milhões de habitantes procurando a vida em territórios fora do Zimbabwe.
Nas publicações acima referidas, considera-se gorado o esforço do Antigo Presidente de Moçambique, Joaquim Alberto Chissano, que, junto com o BAD – Banco Africano de Desenvolvimento, liderou ou lidera esforços para a negociação da dívida externa do Zimbabwe, estimada em mais de 18 mil milhões de USD. Uma das condições para o efeito eram eleições “livres e justas”, o que certamente não aconteceu. O nível de desorganização, para alguns “organizado”, das eleições do Zimbabwe foi tal que a votação, no lugar de 12 horas estipuladas, levou dois dias.
A presença do Presidente Filipe Jacinto Nyusi deve ser vista em contexto histórico nas relações Moçambique – Zimbabwe. Para os mais novos pode não ser compreensível, mas o Zimbabwe é um país que ascendeu à independência com o apoio de Moçambique, através dos soldados internacionais, da aplicação de sanções à Rodésia de Ian Smith, entre outros sacrifícios, conscientemente consentidos. Na actualidade, o antigo Presidente Joaquim Alberto Chissano está a procurar mediar o retorno da economia daquele país à normalidade e seria inglório virar as costas hoje e na situação em que está o país.
Na verdade, a não participação dos 13 Chefes de Estado na tomada de posse de Emmerson Mnangagwa pode ter sido concertada entre os Chefes de Estado da região, mas não deixa de mostrar que as más práticas no que concerne às eleições deve pertencer ao passado. Zimbabwe continuará a precisar da África Austral para prosseguir e, mais do que o presidente, a população Zimbabueana precisará muito mais, por isso a presença de Moçambique, África do Sul e a República do Congo deve ser vista como um sinal de apoio aos esforços de reforço da amizade e cooperação, até porque estes são os países que mais acolhem refugiados do Zimbabwe.
Zimbabwe não é Moçambique, é verdade!
Neste momento, os políticos moçambicanos, sobretudo no seio do Partido Frelimo, não podem ficar indiferentes aos acontecimentos no Zimbabwe, sobretudo porque, como escrevi acima, a Zanu-PF é um Partido que recebeu e recebe um forte apoio de Moçambique. Tirando a questão da dívida externa e da inflação de Junho, num país que já não possui moeda nacional, a base de agricultura do Zimbabwe é mais robusta que a nossa, a recuperação na produção agrícola depois da crise das terras é uma realidade. Então, que lições se deve tirar daquela votação!? Eis a questão!
A primeira lição é que há ventos de mudança em quase toda a África, que a época dos Partidos de Libertação, que não souberem se adaptar está prestes a terminar e a nova era de libertação económica está em marcha. Na verdade, o grande mal dos territórios africanos é de não possuir ideias novas sobre como se sair do marasmo económico em que nos encontramos. A questão é a capacidade de rotura entre a antiga estrutura económica criada pelo sistema colonial que prevalece e a criação de uma nova estrutura económica que beneficie os africanos.
As antigas colónias da França em África estão a liderar pelo exemplo. São jovens de 30 a 40 anos que rompem com os acordos de 1960, que permitiam a França beneficiar-se dos recursos dos seus países sem contrapartidas. São estes jovens dirigentes emergentes e não comprometidos com o antigo colono que pretendem libertar a África da dependência económica. Moçambique, por exemplo, com a exploração de Gás natural em Cabo-Delgado e Inhambane, as populações locais não sentem nenhuma mudança nas suas vidas. Em Cabo-Delgado, as contas falam de uma percentagem ínfima de exploração para Moçambique e estamos satisfeitos!
Finalmente, o eleitor de ontem e de hoje são total e completamente diferentes. Os jovens eleitores de hoje não conheceram o colonialismo, por isso falar de pobreza originada pelo colonialismo, para eles, soa à piada, pese embora algumas situações sejam justificadas. Mas para a juventude não faz sentido, exactamente, porque consegue ver um punhado de cidadãos nacionais, alguns com quem certos jovens estudaram, com uma vida melhor e sucedida. No entanto, não eram melhores na escola, porque será! Creio que não preciso de dar resposta, todos têm ideia das razões.
Adelino Buque
Escrevo este texto, o primeiro dos vinte, sobre o jornalista moçambicano José Belmiro. Serão, no fundo, vinte textos no total - ou talvez mais; acho que vinte textos são suficientes para empilhar o entulho da desonestidade desse grande jornalista.
Sou diminuto demais, confesso, para escrever sobre esse jornalista, mas a desonestidade brilhante que carrega em suas atitudes e discursos são impressionantes. Não façam fé em mim, também tenho sido desonesto, também tenho tido trambolhões, mas em matéria de desonestidade, estupidez e insensatez, acho que tenho muito a aprender com esse grande jornalista.
Um jornalista e amigo já me tinha falado das atitudes embonecadas que este jornalista usou para desfilar a cintura nos corredores da Comissão Nacional de Eleições para, no fim, mandar à fava quem lá o colocou. No fundo, ele fez o que fazem os capitães da desonestidade: encher a barriga, arrotar insensatez e depois mostrar a todos que a coisa mais importante é o prato e não a pia onde tudo termina ensopado.
José Belmiro, rodeado por um vagão de juristas carregados de sacos de códigos e leis, pensa que pode tudo, pensa que pode escarafunchar o nariz dos outros com a vara da sua desonestidade. Vem-me à lembrança uma passagem de uma carta do Papa Celestino VI, dirigida aos “condutores dos povos”, que me sinto na obrigação de citá-la: “o servilismo dos que vos rodeiam, menos para servir do que para explorar, alimenta em vós o orgulho e a ilusão do poder”.
José Belmiro foi desonesto comigo - ainda o é -, foi desonesto com tantos outros que ontem me contaram os seus episódios, os seus filmes de terror, os seus gestos amaneirados de usar as pessoas e a sua atitude de responsável quando se enforca num écharpe de jornalista e jurista. Haja paciência!
Capitão da desonestidade é uma designação que terei de um romance medieval quando um certo autor se referia a um padre que roubava os bens da igreja. E José Belmiro não rouba os bens da igreja, não desonra a igreja, mas ele faz um culto sagrado à desonestidade. Ele faz crescer empresas e empresas, remando com a bengala da desonestidade, esperneando as pessoas, usando as estilhas da força dos outros e, ao fim do dia, está-se nas tintas com todos e tudo.
Estou a meter os parágrafos à matroca, neste texto, simplesmente para criar um certo equilíbrio entre a desonestidade desse jornalista e as tantas personagens que andam consigo. Como alguém é capaz de ser tão desonesto assim? Como alguém que se diz empresário, jornalista, assessor e jurista acumula, também, todos os cacifos da desonestidade? Existe pouca gente honesta, pois os muitos desonestos que existem abocanham toda a desonestidade, deixaram apenas migalhas.
A informação começou como boato vindo de lá do norte, como aqueles “ventos que sopraram do norte”; ninguém a assumia - estava a ser difícil encontrar-se candidatos a candidatos. Isto ainda no período de pré-selecção. Todo o mundo teve que ligar para Nampula, para saber quem eram os candidatos, afinal. Eu próprio tive que ligar para o João, meu amigo de longa data que lá trabalha e bem posicionado. Ele confirmou o que andava nos documentos oficiais, que os candidatos a cabeças de listas eram aqueles que vinham nas listas e que tinham sido divulgados. No entanto, o parto estava a ser à cesariana… depois, confirmou-se: aos candidatos das bases, a direcção tinha imposto um nome, o do actual governador, eleito em sufrágio universal. E, quando parecia estar tudo encerrado e fechado, eis-nos diante daquilo que começou por ser o segundo boato… também vindo do norte, claro!
O eleito com 100 por cento dos votos não queria/quer ser o candidato! A princípio, como na primeira situação, quase ninguém tinha a informação; depois, pouca gente conhecia. Ninguém a assumia, muito menos confirmar, mas também ninguém a desmentia… até que um jornal ousou colocar a informação em manchete: Manuel Rodrigues não quer ser o candidato do seu Partido na cidade de Nampula. E citava as “tradicionais fontes anónimas”. O que credibilizava aquela informação é que o referido jornal tinha abordado dirigentes de proa que não desmentiam, embora também não a confirmassem!
Mas mesmo depois de ser pública, a informação continuou órfã de fonte assumida e de confirmador! E no seio do partido reinou e reina, até hoje, uma incredulidade de bradar aos céus. Ninguém acreditou e há os que continuam sem acreditar. No entanto, continuou-se em surdina a trabalhar-se afincadamente, entenda-se, a buscar-se sorrateiramente um outro candidato para a substituição forçada pelo jogador. Em surdina também se preparou a segunda conferência electiva, até que… ela se realizou e outro nome foi consagrado. Digamos que a notícia sobre a indisponibilidade de Manuel Rodrigues para cabeça de lista na capital provincial nampulense foi uma notícia sem fonte, sem confirmação e muito menos objecto de comunicação oficial.
Esta ausência de comunicação oficial mostra claramente o quão melindrosa é/foi internamente a questão. Em surdina também, vai-se mandando recados a Manuel Rodrigues e a outros membros internamente: ora que na nossa gloriosa ninguém recusa tarefas, ora que ninguém é mais forte do que o partido; ora que a disciplina partidária foi beliscada, que é o prelúdio da indisciplina… ora, ora, ora!
Pode, sim, a disciplina partidária interna ter sido quebrada. Mas, há um valor humano supremo que deve (ou devia) falar, sempre e sempre, mais alto: a consciência própria do indivíduo. O que a nossa consciência nos diz sobre um determinado facto, fenômeno ou realidade. Eu sou apóstolo de que a consciência do indivíduo deve falar mais alto do que tudo em que nos envolvemos.
Desconheço em absoluto as razões que leva(ra)m Manuel Rodrigues a abdicar da posição de cabeça de lista - e sejam quais forem, não vêm ao caso -, acredito que a sua própria consciência falou mais alto. Assim sendo, sou de tomar boa nota da atitude do nosso compatriota. Considero esta ser uma lição a ter em conta na nossa vida moçambicana! Na nossa cidadania e no nosso dia-a-dia. Se assim procedêssemos, obedecêssemos às nossas consciências, teríamos, de certeza, um Moçambique diferente!
Milhentas de vezes, vemos compatriotas a aceitarem realidades inaceitáveis, a aceitarem tarefas inaceitáveis, a aceitarem responsabilidades inaceitáveis. Outrossim, e não menos vezes, a aceitarem e assumirem tarefas, responsabilidades e incumbências para as quais NÃO estão preparados, NÃO se acham capazes. Sabendo que não têm competências, nem capacidades para uma certa tarefa, as pessoas assumem… escudando-se na teoria de disciplina partidária e ou irrecusabilidade de tarefas recebidas.
E esta atitude tem tido as consequências que todos nós conhecemos: fracassos atrás de fracassos, maus desempenhos atrás de maus desempenhos. Perde o compatriota que aceitou o cargo/tarefa para o qual não está capaz, correndo o risco de sair pela porta pequena e com a sua carreira, honra e prestígio beliscados, perde o país, perdemos todos nós.
Julgo esta ser uma boa lição de Manuel Rodrigues. Ele começou! Vamos aprender com ela. O que nos dita a nossa consciência… é o que deve prevalecer: sagrado isso. Não podemos/devemos ir contra as nossas consciências, assumir tarefas para as quais não sentimos capazes, sob o risco de morrermos vivos - e matarmos a nossa sociedade, retardando o seu desenvolvimento!
ME Mabunda
Depois da última visita ocasional ao mercado no passado dia 14 de Fevereiro do ano corrente, contada aqui https://www.cartamz.com/~cartamzc/index.php/opiniao/carta-de-opiniao/item/12973-estou-aqui-amor, voltei ao mesmo no dia da victória, 7 de Setembro, feriado nacional. Desta vez para a compra de fruta da época.
A visita fora na companhia da Luma, a minha filha de uma década. Depois de algumas turísticas voltas a apreciar o mercado e o que este oferecia aos seus visitantes, a par da pressão da companhia, tive que apressar a ida ao sector das frutas.
Ainda o calor não se fazia sentir com intensidade, no lugar o calor melódico de vozes femininas que entre versos e estrofes com rimas sensuais investiam cantadas para atrair a sardinha para a brasa de cada uma.
De repente, e diante da minha calculada surdez, uma voz, na contramão, solta suave, focada e demolidora: “ Amor, a minha é doce!”
Para quem tenha observado o momento certamente que se imaginou num autódromo ao ouvir o chiar de uma brusca travagem. Confesso que não fora tão brusca, mas de que houve uma travagem não tenho dúvida alguma.
- Como vais pagar, amor? A pergunta fazia sentido. Um dos operadores de transações móveis estava temporariamente fora do ar. Enquanto se executava as démarches alternativas para o pagamento da compra feita, que fora acima do planificado, sublinhe-se, a vendedeira foi falando da doçura da sua fruta e de que não me arrependeria.
No protocolo da despedida e solene retirada, a vendedeira oferece uma caixa de morangos a minha filha que se mostrara com sinais de alguma impaciência e irritabilidade. No momento da oferta a vendedeira diz: “Amorzinho estes morangos são para ti. Diga a mãe que foi a tia do mercado que deu”.
A recepcção da oferta não foi nada calorosa. Exigi explicações pelo comportamento e a resposta não tardou: “Não sou sobrinha dessa “tia assanhada”!”
Nando Menete publica às segundas-feiras.
Joaquim Chissano reagiu à actual onda golpista em África condenando-a, dizendo mesmo que era um retrocesso anti-democrático. Mas afinal o que é mais democrático: um governo autocrático e corrupto, sustentado por eleições ciclicamente fraudulentas ou um golpe militar com amplo suporte popular?
A onda golpista é um ataque à hegemonia do ocidente no concerto internacional das nações, que perpetua relações de dominação colonial, sob novos termos, mas sempre com conluio interno como na escravatura, com a inerente pilhagem de recursos do nosso continente.
Os jovens golpistas da África Ocidental estão a dizer basta a essa pilhagem dos nossos recursos com a cumplicidade dos líderes africanos.
Moçambique deve aprender com isso e reformar o actual quadro fiscal com as multinacionais que cá operam. A percepção de que estamos a ser roubados, com a cumplicidade e benefícios para uma elite política minoritária, está cada vez mais generalizada entre a juventude pauperizada: o paraíso da Mozal, o acumulado desmando da Sasol, os “subsídios” estatais à Jindal (a HCB vai lhe reabilitar a estrada que destruiu), os lucros fabulosos da Ruby Mining de Montepuez e a fiscalidade complacente entre Moatize e Benga.
A percepção da expropriação é maior. Incluindo os receios de que a nova narrativa da transição energética pode esconder novas formas de expropriação à população campesina, por via de grandes projectos de uso de terra sob pretexto de economia verde.
O golpismo vigente é um alerta para nós, para as elites políticas de Moçambique. O discurso e a acção política devem mudar. Nyusi foi legitimar o crocodilo fraudulento de Harare, a maioria dos líderes da região não caíram na ladainha da Zanu!
Nyusi foi à cimeira africana do clima; mas Museveni gazetou porque o principal orador era John Kerry, que foi lá debitar umas lições americanas para os líderes mentecaptos de África, que não entendem nada de clima.
Na semana passada, o Governador do Banco de Moçambique, Rogério Zandamela, entre erros gravosos de perspectiva histórica, foi ler (e muito mal lido) o habitual clichê de receitas do FMI, queixando-se do despesismo governamental, mas sem apresentar uma proposta de soluções que confronte a caixa fechada com que o Fundo olha para Moçambique, perpetuando a pobreza. Afinal, para que serve o Banco de Moçambique se não consegue pensar?
Enfim…
Uma leitura magistral sobre o que significa a onda golpista para África e para as relações internacionais pode ser vista neste “Bottom Line” da Al Jazeera.
Chamo também a atenção para a leitura do mais recente ensaio de Severino Ngoenha et all (2023), que discute justamente a questão da disrupção das relações de dependência coloniais no quadro dos BRICS e a proposta subjante de uma nova multipolaridade.
Eis uma questão problematizadora do texto em referência:
“O que é interessante nos BRICS é a busca de uma alternativa aos 700 anos de hegemonia desumana do Ocidente feita lei e imperativo de relações entre nações e povos. Não se trata só da desdolarização da economia-mundo, mas também da revisão do estatuto das instituições globais (Nações Unidas, Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial…), que desde o fim da Segunda Guerra regem, tutelam e garantem o status quo: as assimetrias das relações económicas e de poder entre as potências vencedoras da guerra e o resto do mundo.
A questão que se nos põe, como país e como região, é como participar neste esforço de mudança de paradigma, participar para prevenir que não seja uma ulterior partilha do mundo, desta vez entre os antigos ricos e os ricos emergentes. Aliás, se não estivermos atentos, se não anteciparmos a direcção dos ventos, os BRICS (potenciais novos-ricos) não vão representar simplesmente uma subida em flecha de uma nova força económica global, eles vão confrontar-se, como já acontece hoje no Sudão, Etiópia, Sahel (…), com as velhas forças de dominação (EUA e a Europa) em conflitos económicos e até bélicos, com os nossos países e continente a servirem de campo de batalha”.
MM
O remetente chegou ao principal terminal de “Chapas” nas proximidades do mercado de Morrumbala. Eram por volta das 15h00, o alvoroço típico do lugar era intenso como todos os dias de semana, excepto ao domingo.
Procurou o cobrador do primeiro machimbombo que partiria de madrugada para a cidade de Quelimane, mostrou a mala que precisava enviar e este depois de um golpe de vista deduziu o preço que o expedidor devia pagar, este resmungou e entraram em negociações até finalmente acertarem.
A mala tinha 54 cm de cumprimento e 37 cm de largura, pesava 25 kg, era de madeira devidamente esculpida por um exímio artesão e estava devidamente polida, tinha um pequeno fecho no meio, da altura central, era de cor preta e estava amarrada no seu cumprimento e largura com uma corda de sisal.
Quando o cobrador segurou a mala para arrumar sentiu uma vibração emanada por esta, então firmou maior destreza no seu manuseamento, guardou-a para posteriormente arrumar, solicitou e registou os contactos do remetente e do recebedor e por sua vez o expedidor registou o número da matrícula e o contacto do cobrador.
O lusco-fusco vespertino emprestava uma temperatura agradável, os raios do sol cessante incidiam ali e acolá no pequeno vilarejo.
Os passageiros ou os seus enviados iam chegando e adquirindo bilhete, a bagagem avolumava-se.
Uma hora depois, os lugares no pequeno autocarro já haviam esgotado, então o cobrador alertava aos passageiros que o autocarro partiria as 04h30 do dia seguinte. Os passageiros que vinham de lugares distantes iriam pernoitar no autocarro.
O cobrador dedicou-se a arrumar a bagagem no atrelado, os volumes maiores e pesados em baixo, os médios no nível intermédio e os mais pequenos em cima.
Coube a mala preta de madeira ficar por cima de uma pequena trouxa, posteriormente procedeu a cobertura do atrelado com uma lona.
A partida iniciou quando eram 04h45, os lugares estavam quase todos ocupados excepto dois reservados aos passageiros que embarcariam numa das paragens. O pequeno machimbombo evoluía na sua jornada e o som do motor propagava-se ao longo da via despertando ou alertando este e aquele animal. A luz dos pirilampos extinguia-se com o rompimento dos raios solares.
O autocarro sulcava nas ondas da estrada de terra batida, ora mergulhando nos buracos ora se elevando nas lombas, de repente o carro atinge uma lomba e o atrelado fica empinado com as duas rodas no ar.
A corda que prendia a lona soltou-se e alguma bagagem voou pelo ar e aterrou no solo. Gritos de pedido de paragem dos passageiros soaram quase que uníssono.
O veículo imobilizou-se abruptamente, o cobrador desembarcou para recolher a bagagem que havia caído; percebeu que a mala preta não estava no atrelado, procurou em lugares distintos, mas não a encontrou, reparou para uma pequena ravina e viu um pequeno feixe de luz, desceu e encontrou a mala.
Ficou completamente estupefacto com a posição que a mala se encontrava, olhou demoradamente para esta que estava assente numa dos vértices inferiores numa pedra e na parte superior apoiada num pequeno arbusto. Segurou a mala e levou-a para o atrelado, prende-a devidamente e retomam a viagem.
Uma hora depois o chapa alcançou o cruzamento de “zero”, entraram os dois passageiros e ocuparam os lugares vagos, a jornada continuou.
O machimbombo ziguezagueava para fintar os buracos que surgiam agora na estrada meio asfaltada, mas sempre esburacada.
Uma hora depois chegavam a sede do posto administrativo de Nicoadala, desembarcaram uns e embarcaram outros, a viagem continuou.
O pequeno veículo circulava agora velozmente na estrada de asfalto isenta de buracos em direcção a cidade de Quelimane.
Da planície densamente esverdeada via-se o arrozal que se extinguia para lá do horizonte.
O som produzido pelos passageiros que conversavam entre si ou então falavam nos seus telemóveis combinado com o ressonar de uns e o ronco do motor do carro criava uma melodia que parecia balançar o coqueiral que se estendia a berma da estrada.
Tempos depois o “chapa” alcançava a principal terminal rodoviária da cidade de Quelimane, passageiros desembarcavam e recolhiam as suas bagagens e partiam para os seus destinos finais.
Quando o azafama finalmente cessou, um homem franzino e calvo aproximou-se do cobrador.
- Bom dia, vim buscar a minha encomenda.
- Qual é a sua encomenda? – perguntou o cobrador.
- Uma mala preta. – respondeu prontamente o homem.
O cobrador, lembrou-se da mala pela sua peculiaridade e dispôs-se a buscá-la.
Depois de uma busca de mais de trinta minutos, o cobrador apareceu sem a mala.
- Não estou a encontrar! – disse apreensivo. – voltarei a procurar com mais calma, peço para voltar no final do dia. – propôs o cobrador.
O recebedor perambulou pelas artérias da cidade que há muito não visitava num compasso que fazia para resgatar a sua encomenda.
Quando o cobrador reviu o buscador, um baque sacudiu-lhe o peito deixando-o desconfortado.
- Não encontrei a sua mala, desculpa-me! – balbuciou entristecido.
- Não te preocupes. – afirmou serenamente o homem.
O produto surripiado descansava em cima de um comodo e o seu autor recuperava-se do cansaço da viagem na cama mirando gulosamente o troféu da sua acção.
Tinha a mente capturada pela vontade avassaladora de descobrir o conteúdo da mala, então soergueu-se da cama, encontrou uma faca e cortou as cordas. Agora precisava livrar-se do cadeado meio enferrujado que constituía o último empecilho antes de alcançar o que almejava, buscou um alicate e iniciou a operação de o quebrar, depois de mais de vinte minutos sem sucesso acabou por desistir, o cadeado continuava intacto.
Entretanto, do outro lado, o proprietário da mala, a cada vez que o larapio tentava cortar o cadeado a chave que guardava por trás da porta de seu quarto tilintavam. E então ele sorria, imaginando a tentativa frustrada do gatuno.
Não se sentido derrotado pelos empecilhos de abrir a mala, o jovem larápio infligiu uma machadada no tampo da mala, sem causar nenhum arranhão. Deu-se por vencido, talvez o cansaço causado pela viagem não lhe permitiam executar a operação com melhor discernimento.
Já passavam das 20h00, optou por recolher a cama e descansar, pela manhã veria como abrir a mala.
Não demorou a adormecer, duas horas depois acordava sobressaltado e aos gritos que ninguém ouvia, escutava uma voz indistinta, correu para o interruptor de luz, sem encontrar fugiu para fora, mas a voz prevalecia.
“Leva-me para o meu dono” – soava a voz gutural.
Distanciou-se quanto pode para escapar da voz sobrenatural, mas esta o seguia, tapou os ouvidos, mas a implacável voz continuava a ressoar.
Passou a noite no quintal da casa acompanhado pela voz da mala, a manhã nasceu depois de uma insuportável espera.
Armou-se de coragem e entrou para o quarto, a imponente mala continuava a sua fala.
Socorreu-se de um vizinho para ajudá-lo a compreender a aberração que o deixava inquieto.
- Estas a ouvir o que a mala está a dizer? – inquiriu atabalhoadamente.
- Não escuto nada. – disse, sem perceber a aflição do seu vizinho.” Talvez o rapaz estava a ser vítima de algum estupefaciente que ingerira”.
“Tinha que se livrar da mala” - cogitou.
Catapultado por uma energia desconhecida, aprontou-se, segurou a mala e foi caminhando estrada adentro até dar no terminal de chapas de Nicoadala. Eram já 6h00 da manhã.
Procurou embarcar num chapa que ia a Quelimane, quando segurou a mala para entrar esta não se desprendia do chão, forçou sem lograr o seu intento, procurou disfarçar a sua acção para não o acharem louco. Então decidiu abandonar a mala na paragem e continuar com a sua vida.
Quando se predispunha a caminhar, os seus passos estavam grudados no solo, encetou um outro disfarce para não chamar atenção dos transeuntes, passageiros e mujeiros que circulavam perto de si.
Nunca na sua vida, de afamado larapio, havia-lhe acontecido algo semelhante, o seu feiticeiro havia-o garantido sucesso absoluto nas suas empreitadas. Algo de muito estranho estava a acontecer.
Voltou a segurar a mala; levantou uma perna, a esquerda e esta obedeceu, levantou outra e iniciou a marcha, levava a mala consigo, foi caminhando sem saber para onde ia, completamente hipnotizado pela voz que comandava a mala.
Depois de calcorrear mais de cinco horas deu consigo completamente estafado; parou, socorreu-se da água de um riacho do afluente do rio domela, descansou por breves minutos e reiniciou a marcha.
Quando o sol já começava a pôr-se, alcançou o bairro de Manhaua na periferia da cidade de Quelimane.
Sons metalizados que advinham do portão de latão mesclado com uma voz de timbre débil de pedido de licença faziam-se ouvir, um homem franzino e calvo assomou ao portão, esboçou um sorriso, recebeu a mala e agradeceu o entregador.