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 O momento que se avizinha é turbulento, haverá disparos e mortes como nos tem sido habitual, alguns candidatos chegaram a presidência das autarquias, através do derramamento de sangue inocente, e perseguições malévolas, em gíria popular “jogo sujo” pelo sim ou não, existem formas deliberadas de fazer política em Moçambique. 
 
2023 ano eleitoral é visto com semblante de esquizofrenia pelo eleitorado, nas redes sociais moçambicanas é visível uma onda de ataques a vários edis, como o caso do ancião Enéias Comiche da Capital Moçambicana Maputo, de Pemba maior baia de Moçambique e terceira maior do mundo, Matola um dos municípios altamente industrializado que faz fronteira com a Capital, Moatize, a cidade do Ouro Preto pela imensidão de carvão mineral, Macia, Tete, Quelimane não são exceção. Assim, As fragilidades subversivas no processo de governação de qualquer autarquia podem ser normais ou anormal dependendo da situação que ela se encontra, estágio de actividade, desenvolvimento, e arrecadação de receitas!  Porque o ano eleitoral se avizinha, entre nervosismo e céptismo começam a ressoar as comparações das fragilidades nas lideranças autárquicas e as mais notáveis autarquias em desenvolvimento.
 
Debate-se o pesadelo da incompetência dos presidentes das autarquias que ambicionam voltar à candidatar-se: “O Analfabetismo Urbano, Crime, a Prostituição, a degradação das vias de acesso, o lixo, o desordenamento territorial, problemas de agua e taxas absurdas” etc. É visível que, o povo está cansado, confuso, frustrado, e revoltado! Esta carência de bem estar, que se parece à uma endemia, é alarmante, para melhorar a qualidade de vida e de saúde psicológica dos munícipes aconselho a leitura e apreciação deste artigo a quem de direito. 
 
 
Proponho aqui uma formula de reflexão e actuação que poderá ajudar a melhorar o estágio de governação das autarquias. Não são teorias ambulatórias que visam dissuadir o caro leitor a um imaginário e ridicularizar alguns edis, quero esclarecer que este e outro artigo de opinião publicado pelo Jornal A Carta de Moçambique, foram produzidos em contexto de trabalho como consultor para desenvolvimento institucional e assessor de comunicação e cultura, em uma visita guiada nos 53 autarquias deste solo pátrio, além de ter trabalhado com 15% delas.
 
Por tudo que referi, há múltiplos factores que condicionam o desenvolvimento local, sendo que, existem ritmos de desenvolvimento local de acordo com a natureza e realidade de cada autarquia, desde à localização geográfica, para o caso de Quelimane e Beira construída por cima do pantanal, reduz o tempo de vida útil das vias de acesso e infraestruturas, sobre tudo no meio urbano e na faixa litoral. Além,  dos fracos níveis de rendimento _per capita_ associados aos índices de baixa produtividade e de qualificação profissional, e também relacionados com o sector econômico tradicional do qual alguns municípios continuam a ter como fonte de receita principal! Como é o caso de Macia, Gorongosa, Milange, Moatize etc.. Que refletem esta realidade, e as práticas sócios politicas municipais espelham este ritmo devido a não inexistência de múltiplas realidades de desenvolvimento local.  
   
Embora, a maioria das Autarquias debatem-se com os mesmos problemas no contexto das fragilidades económicas e dependência ao estado, notabiliza-se que certas lideranças não dominam as ferramentas de gestão e mobilização de recurso para sustentabilidade própria. A parábola que agita a centralidade da crise no meio urbano é da negligência consciencializada pela Assembleia  Municipal como órgão fiscalizador, assim como pela edilidade constituída pela falta de actividades especificas, através das quais o município, composto por um aparelho político ou administrativo, devia se sentir obrigado a explicar/justificar a sua acção no meio urbano na remoção de qualquer infraestrutura e vendedores ambulantes, expropriação de espaços além aumento de taxas. Notabilizando-se à ausência de sensibilização dos munícipes para concretização de determinados objectivos dos dirigentes municipais.  Assim, mostram menor prestigio no que tange a sua notoriedade e das suas realizações, comprieende-se que se estabelece uma barreira entre o povo e a administração municipal enquanto em exercício de poder.
 
Os possíveis caminhos para mudança e melhorias para os municípios que referencie e não só, seria: a concepção de um conjunto global, coerente e continuo de acções de gestão, fiscalidade e  e reforço de todas componentes comunicacionais em todas as actividades realizadas concretizadas pela estrutura institucional do município, Conselho Municipal, Assembleia Municipal ou o Presidente do Municipio, e que seja, uma atividade corrente e coerente que venham a responder aplicabilidade dos fundos e recursos usados, porque assume-se como recursos provenientes dos impostos do munícipe, e o município enquanto instituição sócio local utiliza para selecionar problemas e atingir objectivos concretos.
 
Por sua vez, deve ser uma acção continua, na medida em que as actividades impactam diretamente na vida pública e privada dos munícipes, a concretização das actividades das autarquias em Moçambique deviam passar pelo rigor na arrecadação de receitas, controle das mesmas para evitar a dependência dos órgãos do Estado, concretizando de forma permanente as necessidades e expetativas político administrativas que satisfaçam e se façam sentir quotidianamente na vidas dos munícipes.        
 
Às longas horas de fila para obter audiências, despacho de documentos incoerente, demora na tramitação de expedientes, conflitos de interesse entre dirigentes autárquicos e munícipes  e a falta de publicidade dos objectos aprovados pela assembleia que são legal e deliberativos, que visam implementar ou modificar determinados actos e hábitos de vida local, são razões que contribuem para os conflitos crescente entre a administração autárquica e o munícipe.  
 
O mais preocupante é a falta de produção e publicação ou divulgação de políticas que visam educar o munícipe para um convívio pacifico e nobre com o meio urbano. Onde a implementação de uma comunicação municipal que apresente uma vertente de publicidade legal, seja na vertente política ou administrativa com uma amplitude exclusivamente local, tendo por objectivo a legitimação dos critérios subjacentes as opções administrativas. Normalmente, o estabelecimento deste modelo de campanhas está relacionado com os objectivos a serem concretizados pela estrutura administrativa dos municípios, (Conselho Autárquico), é o caso das campanhas de poupança de água, higiene e separação do lixo, manutenção dos prédios no meio urbano, enceramento e abertura dos serviços públicos e pontos de atendimento, comunicação sobre uso dos equipamentos locais, crateras "buracos" nas vias de acesso e avaria de equipamentos de sinalização de transito entre outros. 
 
No contexto de dar resposta aos principais problemas do munícipe, a realidade Moçambicana é igual à de vários países africanos, na centralidade do pensamento optimista moçambicano, pelo qual à culpa recai sempre ao governo do dia, as vezes é por si só “confusa”. Devemos dar um olhar sereno sobre o papel dos órgãos autônomos do estado na melhoria das autarquias na actual descentralização das províncias que considero serem grávidas de si mesmas. Os edis governam prenhes e limitados pelo poder central de poder lidar com certos males que apoquentam o meio urbano devido as políticas de centralidade económica e do combate à criminalidade, da prostituição, consumo de drogas e da saúde primaria congestionadas nas barbas dos governos províncias e seus departamentos sobre tutela dos ministérios. Assim, os municípios funcionam como absorvente de problemas que os ministérios deixam acontecer, pela falta de eficácia e metas reais dos ministérios em lidar com as problemáticas locais, ajudando a elevar a fraca qualidade de vida no meio urbano, em meio ao drama da inexistência de Secretária do Estado e do Governador como figura política autónoma, sem poder deliberativo e administrativo na pratica. 
 
O virar da página levanta certos receios em meio de um país anestesiado em que viver em uma cidade antes seria sinônimo de tranquilidade e bem estar, hoje é convencionalmente fruto de várias ocasionalidades desagradáveis, onde apregoa-se há prostituição em demanda, à marginalidade, desordem e imundice. Deve-se porem, assumir que à convivência entre imundície e o civismo, centralizam-se, e é caracterizada pela alienação da mentalidade da sociedade moçambicano no espaço urbano, o que se assumi como sendo “um novo normal”. 
 
Nesta dinâmica da vida quotidiana das cidades Moçambicanas, a um muro entre a sociedade civilizada da vida urbana e dos subúrbios. Esta diferença, difere da nostalgia dos ângulos para onde se olha, pela visão da sociedade incongruente ou o inconformismo, mas no meio, está a desigualdades e o crime, este mal antigo! Que assola a todas as classes sociais sem distinção de raça e cor. Assim, assumi-se que, à polícia municipal não dispondo de formação adequada e meios para combater nenhum tipo de crime, a responsabilidade e repassada para a polícia estatal, está por sua vez, se esquiva das suas obrigações não procura cooperar com as autoridades municipais de forma activa, no ciclo de tendência de obediência a  outras esferas, política e administrativa do governo do dia.   Agravando o quadro de governação dos edis que prometem em seus manifesto maior colaboração para combate ao crime nas comunidades.  
 
Tal situação implica, e resulta das fracas relações que se estabelecem entre os órgãos do estado e as autarquias, pior quando esta é governado pela oposição, as fronteiras jurídicas e legais especificas são cortadas, qualquer tipo de relação entre o governo municipal e a comunidade pode ser frustrada em subjectividade especifica. À problemática entre as instituições estatais vai mais longe, na falta de coordenação e subida de taxas, assim como reembolso dos fundos da taxa de lixo receita cobrada pela “EDM” Eletricidade de Moçambique, mensalmente ao munícipe que devia ser canalizada ao município de forma pratica e realista, que não é procedida na sua totalidade e legalidade no âmbito do memorando estabelecido. Este acto, limita ou impõe barreiras à administração municipal no procedimento de colheita do lixo em zonas recônditas até mesmo no meio urbano, a desonestidade por parte dos gestores da EDM coloca a maior parte dos municípios em “Xeque-Mate com o eleitorado”.  
 
De salientar, todavia, que um dos maiores problemas que fragiliza a execução das obras nas autarquias é tardia disponibilização dos fundos de estrada, e o reembolso do “FIA” esta situação que devia ser utópica na vertente de progressão de uma nação jovem, deixa os municípios mais frágeis administrativamente e em decadência governativa. Assim, à exiguidade dos fundos, também propicia a contratação de mão de obra barata e aquisição de material sem qualidade para remendos de estradas, manutenção de infraestruturas públicas e monumentos.  
 
Neste contexto considero que as dimensões simbólicas de deferentes relações de comunicação e gestão entre os municípios, direções províncias, nacionais e ministérios devia ser revista estabelecendo-se uma acção de natureza corporativa, cujo o sentido, se traduz, essencialmente, sobre o tipo de atividade e responsabilidades que recai sobre o executor, pessoa ou instituição. Com isso, a implementação desta culta “dinâmica”, contribui para a institucionalização e perpetuação de uma cultura de bem servir, na perspectiva corporativa, que legitime os órgãos municipais enquanto estruturas políticas administrativas.   
 
Por sua vez, a vertente, simbólica entre as instituições do estado para dar vazão as necessidades do munícipe, deve ser precisa e proeminente, como forma de responder as interrogações dos munícipes, geralmente em relação à concretização de um serviço, e a difusão de uma deliberação que impacta diretamente na vida dos munícipes.  Por outra, Os municípios precisam conceber uma perspectiva democrática local, que permita conhecer as aspirações e as necessidades locais, enquanto opiniões, e estabelecer não só um mero sistema técnico de auscultações públicas, difusão de informações das actividades e deliberações.
 
Não como nos tem sido habitual com fraco impacto e sem objectividade real para além de política, mas também, afirmar-se como um meio que permita aos cidadãos, responderem, reagirem, e participarem nelas;
 
Isso requer uma mentalidade político- administrativa diferentes por parte dos representantes eleitos pelos munícipes, e os autarcas passem por uma delegação de atribuições e por uma postura que privilegie o planeamento estratégico a médio e logo prazo, mas significa, também, a extinção de uma certa cultura político patriarcal que resulta do percurso social, econômico, sócio-cultural e simbólico do autarca enquanto elite local. Tal mentalidade por parte do autarca implica uma atitude que não passe só pela delegação de competência, mas, por uma aptidão para discutir e defender as suas opções políticas e administrativas como também compreendendo a necessidade de saber ouvir e se dispor para ouvir, entender e negociar propostas complementares, ou diferentes a sua. 
 
Termino acreditando que tal postura leva ao abandono do clientelismo, uma fragilidade evidente nas pressões sócio económicas e partidárias locais e extra locais que levam muitos edis ao buraco. Este comportamento legitimaria por exemplo, ao autarca de Pemba nas suas opções políticas económicas   em relação ao nível de desenvolvimento local, de forma a poder explorar com coerência e racionalidade os recursos públicos que estão ou não municipalmente disponíveis, sem interferência política ou de um grupo local. 
 
Paralelamente a esta iniciativa, a dependência do FIA, (Fundo de Investimento Autárquico) e do FCA, (Fundo de Compensação Autárquica) pode ser cortada através do financiamento entre municípios, através de acordos de gemelagem, onde as expectativas coletivas dos munícipes podem ser satisfeitas, de  âmbito e amplitude extra-municipais, quer para apelar o investimento financeiro, quer para atrair as populações a fixar residência nos concelhos, a que ressalva que estes acordos não tem sido lineares só para o nosso país, mas que se pode fazer com municípios além fronteiras como os que Quelimane tem levado na vanguarda.

Como para muitas crianças das zonas rurais de então - não sei se digo e de agora também… muita coisa já mudou! - o futebol foi o meu maior divertimento. Jogávamos o nosso xingufu fosse qual fosse o número de jogadores, quatro, seis, oito e por aí… raramente chegávamos a onze onze cada equipa. Campo, não era problema. A Escola Primária de Munhangane tinha pátio bastante. Mas não eram todos os jogos que ocorriam na escola. Muitas vezes, qualquer espaço disponível transformávamos em campo. Um pequeno espaço aberto algures, um caminho mais ou menos largo serviam de campo; e se não tivéssemos isso, inventávamos - tirávamos os arbustos, depois o capim e ficava um espaço baldio; de seguida era só colocar dois caniços ou paus em posições opostas… eram as balizas. Muitas vezes, nem delimitávamos o tamanho do campo, mas não chegava a ser tão grande assim.

 

Depois, era só o esférico a rolar, cada um mostrar as suas abilidades. Ao contrário de outros “esportes”, que precisam de equipamentos especiais, ou condições especiais; o “nosso” futebol era bem mais fácil e prático. Não precisávamos - nem tínhamos - sapatilhas ou botas, os nossos pézinhos serviam de botas;  guarda-redes, depende, se alguém não gostasse de jogar com os pés… e se não houvesse dois, um da equipa contrária tinha que fazer o papel de jogador-guarda-resdes. Árbitro… nada… não havia árbitro ali! Todos nós éramos árbitros, com toda a confusão que isso dava. E o nosso jogo não tinha apenas 90 minutos. Tinha, sim, o nosso tempo disponível. Podia ser uma hora, ou uma manhã inteira, ou mesmo o dia inteiro. Muitas vezes, até sermos chamados em casa para realizarmos alguma tarefa…

 

É assim como em muitos de nós o futebol se tornou “ópio”! Dali, continuamos a jogar em muitas das escolas por onde passamos: Malehice, Xai-Xai, Chókwè e Maputo (Manyanga e Munhuana). Ainda cheguei a federado, mas tive que optar; em Chókwè, pelo CAIL - Complexo Agro Industrial do Limpopo. O CAIL fez furor em Gaza nos princípios dos anos oitenta (1981, 82 e 83), não tendo ganho campeonato provincial porque o Clube de Gaza e o Ferroviário local eram os dominadores. Mas acabou conseguindo o segundo lugar! Chegado a Maputo, ainda tentei ensaiar uma carreira de futebolista… mas não deu. No internato onde ficávamos, Munhuana, a hora de recolha era 18:30, mais tardar 19. Depois disso, fechavam-se as portas. Pus-me ao fresco: desisti do futebol profissional, não tive coragem de ir dizer ao pai que deixara a escola e abraçara o futebol… algo que ele não queria - e eu já sabia que o velho não queria nada com futebóis…!

 

A paixão pelo futebol empurrou a que tivesse uma equipa favorita. Não há nenhum adepto que não tenha uma equipa favorita. Pode omitir, mas no seu íntimo tem uma equipa pela qual torce. E eu acabei torcedor do Sporting Clube de Portugal. Como? Nos principios dos anos setenta, a partir de Munhangane mesmo, algures no distrito de Chibuto. Meu pai não era de futebol. Certo sábado, no seu aparelho de rádio de marca National, no princípio da noite, dão relato de um jogo do Sporting. Aquele devia ser o primeiro relato que eu ouvia já em alguma consciência. Gostei de ouvir o relato do jogo e do Sporting, fiquei maravilhado com o guarda-redes Vítor Damas. E assim ficou a paixão pelo Sporting.

 

Como apreciadores de futebol, ou de qualquer outra modalidade, gostamos de futebol de nível. De muito bom futebol. É assim em todas as modalidades. Gostamos de ver um bom jogo. Polêmica à parte, o futebol europeu é dos mais desenvolvidos que há neste planeta. E assim temos estado a nos deliciar com o futebol europeu ao longo de todos estes tempos, quatro a cinco décadas.

 

Não somos dos tempos em que Eusébio, Coluna, Matateu e outros poucos brilharam nos palcos europeus de futebol. As nossas referências são os nossos hinos Calton Banze, Artur Semedo, Chiquinho Conde, Sergito e Aly. Grandes jogadores que são, não chegaram, no entanto, a grandes emblemas do velho continente. Não tiveram o brilho que Eusėbio, Coluna e Matateu tiveram. Não se lhes proporcionaram oportunidades para exibir todos os seus talentos! Foi pena.

 

E eis que agora nos aparece Reinildo Mandava! Uma bênção. Os jogos da “Champion” eram/são muito apetitosos, víamo-los (vemo-los) com todo o gosto e prazer. Mas os deste ano tiveram um sabor muito especial. Um sabor moçambicano!

 

Obrigado Reinildo Mandava por nos ter feito sentir parte da “Champion Europeu”!

 

Continue a elevar o nome do seu Moçambique!

segunda-feira, 18 abril 2022 08:56

Os "ratos da town"

FotoOmarnova

Não sei donde vinham. Mas estavam em tudo que era canto da town. Nas residências locais, as famílias tinham que pôr cerca de três pares de peúgas para dormir, luvas de boxe e goro na cabeça para não ser vacinado! Não era em vão. É que os animais eram muito agressivos – roíam tudo que lhes viesse pela frente. As casas locais, feitas de material de baixo custo e maticadas, estavam infestadas de buracos. A situação era sinistra e tenebrosa. A town que "anima", Quelimane, era um universo dos roedores, até parecia que os humanos é que haviam invadido o espaço deles, mas não, existiam razões administrativas e de gestão municipal espinhosas!

 

Consultores foram contratados. Munícipes influentes auscultados. A assembleia municipal reuniu-se e chegou-se à conclusão de que a melhor solução era que cada munícipe caçasse quantos ratos pudesse e vendesse à edilidade. A informação correu à velocidade da luz. Nos comícios, o edil anunciava a medida como a única forma de resolver o caótico problema – tinha que se exterminar os ratos que não deixavam as pessoas em paz! 

 

Em certos bairros, os ratos chegavam a mergulhar em panelas de feijoada preparada para um almoço familiar, em pleno domingo – era um autêntico caos!

 

Com a medida em curso. Determinou-se que cada rato custaria 1 Metical. Nos bairros foram criadas equipas de extermínio dos ratos. A ideia era encher sacos para poder ter mais dinheiro. Nas noites, a caçada era agressiva. Nos mercados, o negócio do ratex explodiu e a ratoeira (armadilha) vendia-se por tudo que era canto da cidade. Confesso que foi um dos momentos da história da cidade de Quelimane em que as pessoas se uniram para combater um inimigo comum – a praga dos roedores!

 

Ninguém sabia para onde o município levava os ratos. Alguns diziam que eram queimados! Os políticos justificavam o atraso ou a não execução dos projectos de desenvolvimento da autarquia com aquela situação. Nada se fazia e culpava-se a situação de higiene e saneamento de meio deficitário que a urbe enfrentava. Na altura, os relatórios das autoridades municipais eram tão extensos e com único tópico, a campanha de combate aos ratos! 

 

A guerra contra os roedores levou seu tempo, deixando os citadinos traumatizados com o que viviam e os desempregados, por sua vez, rezavam para que aquilo nunca acabasse, uma vez que, através do dinheiro da venda, conseguiam alimentar o seu apetite pelo alambique e a cabanga de pólvora da vendendeira do mercado FAE e na famosa "Ilha" no bairro Brandão. 

 

- Foi um momento calamitoso na cidade de Quelimane. Uma situação que viria a criar problemas psicológicos a alguns responsáveis governamentais, tendo inclusive abandonado o poder e deixado como recordação para os munícipes "o sinistro negócio de compra de ratos pela edilidade". Na banda, as velhas diziam que os ratos eram de alguém e, como retaliação pelo seu extermínio, mandaram uma matshinga (feitiço) para o edil, deixando-o fora de si e, por consequência, abandonando o posto!   

 

– Naquele momento, o nosso activismo ambiental não tinha figuras carismáticas e abnegadas como o Professor Carlos Serra Jr., a incansável ambientalista Regina Charumar ou mesmo o persistente Vasco Achá, para proporem outras saídas sustentáveis para aquela situação cinematográfica! 

 

- O que os munícipes e os poucos entendidos na matéria da urbe sabiam fazer era envenenar a comida com ratex para conseguir encher o saco e ir vender. Naquele tempo, alguns chegavam a conseguir levar ao Conselho Municipal dez sacos de 100 quilos de ratos mortos para vender, carregados numa bicicleta de marca "Hero". Estava-se diante de novos empreendedores e na town ninguém ficava sem um tostão no bolso, uma vez que todas as casas estavam infestadas por ratos!

 

Entretanto, nunca se chegou a explicar a origem do dinheiro com que se pagava aos vendedores dos roedores, pelo menos a nível público. Ninguém chegou a questionar se havia sido criado um fundo para tal ou se uma organização filantrópica, daquelas que tudo apoiam, havia doado alguma verba para o efeito. Nem mesmo se o dinheiro era retirado do bolso do edil. O facto é que havia sempre moedas para pagar e, com o tempo, surgiram sucursais, porque o cheiro nauseabundo dos roedores no quintal do edifício da autarquia já irritava os chefes que vinham gravatados para atender vendedores de ratos!

 

O tempo passou e parece que se venceu o problema com entrada de novos actores políticos na urbe! Campanhas de limpeza foram organizadas. Drenagens construídas. Estradas esquecidas pela então administração municipal e central foram reabilitadas e a consciência ambiental dos munícipes cresceu! Isso fez com que os donos da town acreditassem que o problema era mesmo sinistro e com contornos espirituais, coisas da martirizada Zambézia, no estilo da "cidade subterrânea", perfeitamente escrita, descrita e reflectida pelo psicólogo e escritor Élio Martins Mudender!

 

Diante deste episódio nebuloso da "cidade que anima", espero que não deixem que os novos comandantes do reino dos roedores venham retaliar! Aquela "guerra civil" foi muito violenta e ainda paira na mente dos que supostamente perdoaram, mas nunca chegaram a esquecer o passado. Não quero imaginar a cidade de Quelimane infestada de roedores – protejam a town deles!

quinta-feira, 14 abril 2022 08:01

Não sujem o nome do "boss" desse jeito!

FotoOmarnova

Virou moda nos últimos tempos na Pérola do Índico que qualquer "Django" que pratique um determinado crime aponte o boss como sendo alguém que sabe ou o terá encomendado o mesmo. A situação está a ganhar contornos preocupantes, uma vez que o nome do boss devia ser imaculado. Devia ser como um pano branco que uma simples nodoa acaba alterando a beleza daquele tecido!

 

Aliado à situação, está o silêncio dos homens do boss que deixam que as narrativas do género ganhem razão. Se os tais homens citassem o nome do boss para coisas louváveis, mas não, citam-no em assuntos cabeludos. Num país com a CSI (Crime Sob Investigação) ou FBI já teriam pegado no cangote do boss e levado para aquelas sessões de psicologia criminal e social para de facto apurarem se o homem tem ou não participação nestas todas macacadas que lhe têm apontado!

 

O nome do homem aparece em tudo que é problema. Até em brigas de crianças no bairro – o boss é que disse para fazer isso! – Quando o meu vizinho Emakwa dá sova na mulher em plena madrugada, também cita o nome do boss na discussão – será que este boss é tão mau assim? Ele mexe em tudo deste jeito?

 

- Falam que o boss tem alguns amigos traficantes com passaportes diplomáticos e que sempre que chegam hospedam-se nas suas fazendas – sabe, eu tento não acreditar nestas historietas, mas já é demais. E como diz um adágio popular: "não há fumo, sem fogo!" Mas mesmo assim, questiono-me, porque fazem isso com ele? O que o boss tem feito de mau para vocês?

 

- O nome do boss é referenciado nos grandes e pequenos negócios. Nos bons e maus investimentos – até há quem cite o boss em conspirações de abate de indivíduos cadastrados e que vivem na linha do tiro à espera de um culpado – não façam isso com o boss, pensem que ele tem família e concubinas que o vêem como um representante divino na terra – deixem o boss respirar aquele ar puro de Mossuril e do Gúruè!

 

Se é ele, como dizem no Sistema Central Decisório (SCD) porque não procuram um pseudónimo, pelo menos para nos fintarem e não ficaremos a saber, porque há quem ama o boss – há quem acredita secamente e entraria no fogo para defender o boss -   Não sujem o nome do "boss" desse jeito!

quarta-feira, 13 abril 2022 10:45

Minhas mãos perderam o tacto

É muito provável que tenha chegado ao fim da estrada, porque se assim não fosse, sentiria pelo entusiasmo que me tem faltado nos últimos tempos, ao ponto de sair de casa com a camisa amarrotada. Já abdiquei das minhas próprias mãos, que deixaram de me convocar ao encontro do corpo da minha mulher que também ficou insensível de mim, se me sentisse havia de perceber pelo olhar ora com gotas ardentes de amor. Tenho a sensação de ter despejado toda a areia da minha báscula, e nem a pouca poeira que resta consegue levantar ao sopro do vento que igualmente perdeu o impulso.

 

Está a acontecer algo desesperado no meu ecossistema emocional, a minha mulher já não me acorda com as maõs leves nas manhãs para dizer bom dia. Então todo esse choque quer dizer que estou na mó de baixo, meu coração está frio como o mármore.  Nem que a vontade de articular  palavras ao acaso me invada, sinto que sou incapaz e o melhor que devo fazer é manter-me no mutismo, sob risco de sair desta penumbra que ainda me mantém com alguma luz, e cair definitivamente para o lado do escuro.

 

Mas as nuvens do meu espaço estão cada vez mais densas, nunca senti tanto medo. O pior é que cada vez que vou à cama, a minha solidão fica mais pesada. A mulher que está ao meu lado vergasta-me com o silêncio das costas flácidas, eu também tenho as mãos flácidas, incapazes de despertar o pólen. Tremo no centro de mim ao pensar que nesta casa onde tudo gravitava a à minha volta e da minha mulher, quem vibra agora são as vespas espalhadas em todos os cantos, incluindo nas minhas mãos que perderam o tacto.

 

Fiz anos ontem e a minha mulher nem sequer se lembrou de me oferecer uma flor, como sempre. Eu disse-lhe assim, amor, hoje é dia do meu aniversário, ela nem sequer olhou para mim. Continuou sentada na varanda olhando para o vácuo, com a mão tremendo por sobre o braço da cadeira de madeira que  trouxe de São Tomé. Ignorou-me absolutamente, e, naquelas condições, senti-me desdenhado. Voltei à sala onde nunca gostei de estar por me sentir enclausurado.

 

Seja como for, ainda acredito no indulto, como os condenados que ficam longos anos no corredor da morte à espera da execução, eu também estou à espera da execução, com essa esperança de que um dia poderá abrir-se uma nova luz e ser chamado outra vez para a liberdade. Porém, enquanto esse dia não chega, continuarei aqui a ser incentivado ao castigo,  pelas esporas do tempo. Sinto com dor o tilintar dos copos e das grandes canecas de cerveja nos bares que frequetava,  e não posso sair daqui, as minhas pernas vacilam.

 

Estou à caminho dos noventa e pensava que o meu beco tivesse saída. Sim, tem saída! Para o aterro onde estou prestes a ir sem nada nas mãos, a não ser as memórias. As lembranças dos amigos. As saudades da liberdade. As músicas. E os agradecimentos todos à minha mulher, que deixou de falar comigo como se não me conhecesse. Recusa que as minhas mãos a toquem para despertar as melodias como noutros tempos em que éramos dois passarinhos desejosos de amor. Então, é essa a azagaia que levarei espetada no peito, por alguém que me acolheu durante toda a vida no coração, e que agora não me sente mais.

quarta-feira, 13 abril 2022 09:30

A Josina que as suas irmãs fingem conhecer

“Quem exagera o argumento prejudica a causa.” (Friedrich Hegel, 1770-1831, Filósofo Alemão, considerado um dos mais influentes da História)

 

QUATRO ANOS MAIS TARDE…

 

Era 07 de Abril de 2021, uma aclarada e movimentada Quarta-feira que fluía como as moléculas nos vasos sanguíneos de gente activa. Nas bermas das estradas da Cidade das Acácias, viam-se milhares de mulheres, as irmãs da Josina. Grande parte delas fingia conhecê-la e reclamava por coloridas peças de capulana para celebrar aquela memorável data!

 

Olhando para as filas de vozes femininas espalhadas na baixa da Cidade, as quais procuravam por peças de capulana para celebrar o 07 de Abril, alusivo à Josina Machel, o Jota, Jornalista-Estagiário no Mídia Lab (ML), entre 2017 e 2018, que se fazia acompanhar pelos seus dois amigos e uma amiga, ambos de qualidade, membros honorários do Sistema Nervoso Central[1], que eles fundaram enquanto estagiários no ML, questionou:

 

― Afinal de contas, o que realmente as irmãs da Josina, pintadas de peças de capulana, celebram no dia 07 de Abril?

 

Imediatamente, sem exercer muito esforço hermenêutico, o Omardine, jovem arrojado, soltou a sua voz e respondeu:

 

― Jota, a Josina Machel, que hoje elas celebram, iniciou, aos 7 anos, os seus estudos, a 1.ª Classe, em Mocímboa da Praia, local onde se ouviram os primeiros tiros dos insurgentes, a 05 de Outubro de 2017. Lá, naquele Cabo do Norte da nossa Pérola queimada, hoje, crianças, jovens, mulheres e homens clamam por socorro, mesmo assim, as irmãs da Josina estão aqui, todas emocionadas, à procura de peças de capulana para celebrar.

 

Comovido com a colocação do Omardine, na sequência, o Cornélio, que também era um Jornalista-Estagiário altamente informado e com qualidades firmes e autenticadas, sustentou:

 

― A Josina, que hoje elas celebram, juntou-se ao Núcleo dos Estudantes Africanos Secundários de Moçambique (NESAM)[2], onde desenvolveu a sua consciência político-cultural para lutar por Moçambique e libertar o País do jugo colonial português. Foi essa entrega que a fez abandonar os prazeres de vestir peças de capulana coloridas e rumar para as terras de Julius Nyerere, onde se treinou para defender a Pátria Amada. E hoje, lá, onde a Josina teve a sua primeira educação formal, sofre ataques violentos de estranhos e, por isso, muitas irmãs e suas filhas têm sido atacadas e abertamente vitimadas. Porém, estas irmãs, em vez de juntarem as suas vozes e lutarem para libertar as suas irmãs queimadas no Cabo do Norte sangrento, batalham por meras capulanas. Que cenário triste!

 

― Olha, aos 18 anos, a Josina abandou o solo pátrio para Tanzânia e Zâmbia. Pelo caminho, foi presa, e, em seguida, malandramente deportada; ainda jovem, ela era espionada por Polícias Coloniais, por causa das suas aventuras político-culturais movidas pela então Frelimo de todos contra a opressão portuguesa. ― Afirmou a Cátia Mangue, outra Jornalista-Estagiária brilhante, que se mostrava visivelmente revoltada. Ela sentia, na epiderme da sua iluminada pele, a dor das suas irmãs de Cabo Delgado, violenta e barbaramente maltratadas.

 

Minutos depois, aproximou-se o Sérgio Nhambi, outro Jornalista-Estagiário, excelente comunicador, que se juntou à conversa. De imediato, como que tivesse recebido, profeticamente, uma revelação divina, como alguém que conhecia os pormenores daquela conversação juvenil jornalisticamente bem nutrida, interveio:

 

― Presumo que estejam a falar da mãe das Mulheres Moçambicanas, a nossa Josina Machel. Dava para entender o baloiçar dos vossos lábios. Os ventos segredaram-me a vossa efervescente interacção. É isso, né? ― Interrogou o Nhambi.

 

O Jota, logo a seguir, correspondeu à solicitação do seu amigo de qualidade e disse:

 

― É verdade! Você sabia que Josina Machel, aos 19 anos, abandonou Moçambique e rumou para Suazilândia, onde foi acantonada num centro de refugiados? E pouco tempo depois, com a ajuda de um Pastor Presbiteriano, ela refugiou-se na África do Sul, e depois em Botswana, onde foi considerada visitante indesejada e, pelo governo Britânico, deportada. Sabia, Nhambi?

 

― Como não, meu amigo de qualidade. Graças a Eduardo Mondlane, nosso arquitecto-mor, construtor da Nação e visionário da nossa libertação do jugo colonial português, que convenceu os Britânicos, Josina foi enviada à Zâmbia e, seguidamente, para Tanzânia, o seu centro de formação político-militar, onde se tornou Mulher Moçambicana, mesmo fora de Moçambique… Tudo tendo em vista a nossa total e completa libertação, para ela, na altura, seu escravizado povo. ― Acrescentou o Nhambi, cheio de confiança.

 

― Aos 20 anos, Josina Machel assistiu a Janet Mondlane, esposa de Eduardo Mondlane, no Instituto de Moçambique, para treinar os seus irmãos e as suas irmãs, a fim de lutar e alcançar a Independência Nacional. ― Referiu o Omardine.

 

― Parece que estamos todos em sintonia aqui. Que sincronia! ― Conferenciou a Cátia que, em seguida, acrescentou:

 

― Aos 21 anos, Josina Machel abandonou uma Bolsa de Estudos para Suíça e livremente se juntou ao Destacamento Feminino, onde teve formação político-militar, com vista a melhorar o seu enquadramento na Luta de Libertação Nacional.

 

Em tempos de guerra, Josina Machel cuidava dos feridos, órfãos e de crianças abandonados; ela fazia de tudo para lhes fornecer apoio de natureza médica, moral, educacional e social. As suas mãos estavam treinadas não apenas para pegar na arma e lutar pela libertação do País, mas, também, para cuidar dos filhos das suas irmãs e dos mais desfavorecidos, hoje esquecidos.

 

― Aos 23 anos, a Josina advogava pela inclusão de raparigas e mulheres em todos os aspectos da Luta de Libertação. Nessa altura, ela tornou-se Representante das Relações Internacionais do Destacamento Feminino na então Frelimo de todos. ― Afirmou o Cornélio ― E, virando os seus olhos para as largas e compridas filas de mulheres que lutavam por coloridas peças de capulana, questionou aos seus companheiros:

 

― Afinal, onde aquelas irmãs buscaram tamanha inspiração para celebrar a Josina com peças de capulana?

 

Em seguida, fez-se um silêncio ensurdecedor. Naquele momento, os jovens Jornalistas fizeram viajar as suas mentes em profundas meditações. Pensavam Moçambique! Segundos depois, a conversa continuou. E o Jota, de súbito, adicionou:

 

― Com 24 anos, Josina já viajava para eventos internacionais, onde partilhava a sua experiência e de outras Jovens e Mulheres Moçambicanas e não só, advogando pela igualdade de participação em todos os aspectos de desenvolvimento ao nível local, regional e internacional. Foi com ela que o sonho das Mulheres Moçambicanas teve raízes profundas e sólidas, que, gradualmente, foram brotando até aos nossos dias. Será que aquelas irmãs da Josina sabem disso ou apenas querem celebrá-la, confortavelmente inconscientes?

 

Hummm… Será?! Ainda aos 24 anos, a Josina já liderava o Departamento de Assuntos Sociais, na então Frelimo de todos e trabalhava, extensivamente, para prover cuidados de saúde e educação às crianças no Norte de Moçambique e, naquela altura, instava para a necessidade de formação de raparigas e mulheres. Vê-se, aqui, que ela tinha os olhos fitos no futuro não somente do País como, também, das suas irmãs, muitas das quais viriam a esquecer-se dos seus feitos. Mesmo assim, entregar-se-iam em comemorações nos futuros setes de Abril. ― Asseverou, com um ar carregado de profunda indignação, o valente Omardine.

 

Em meio à guerra, Josina Machel lutou por Moçambique. Após a morte de Eduardo Mondlane, ela juntou-se à Janet Mondlane para a consolar por aquele ataque que, igualmente, era um golpe para Moçambique e todos os Moçambicanos. Aliás, aquele golpe ao patrono da Nação, até hoje, permanece uma incógnita reservada aos deuses da Luta de Libertação Nacional.

 

Naquele instante, algumas vozes, que passavam próximas à Avenida que carregava o nome daquela heroína quase esquecida, Av. Josina Machel, onde começava a fila das mulheres que batalhavam por peças de capulana, interromperam a conversa daqueles jovens Jornalistas. Um jovem ambulante, com o corpo abatido pelas correrias da vida, aproximando-se à Cátia, única mulher naquela conversa juvenil, de viva voz, tentando granjear mais clientes, perguntou:

 

― Moça, não queres esta capulana para celebrar o dia de hoje, 07 de Abril? Viste como ela é bonita e combina contigo? Posso dar-te um bom desconto, se quiseres. Experimenta só esta capulana aqui. Eu juro que vais gostar. Experimenta lá!

 

A Cátia, boquiaberta, olhando para os seus colegas, soltou um sorriso radiante, e respondeu ao jovem ambulante, que atentamente recolhia a atenção de todas as mulheres que desfilavam nos corredores daquele pátio da baixa da Cidade:

 

― Desculpa lá, mano. Eu já estou a celebrar, e muito bem, com os meus colegas. ― E, olhando para os seus amigos, fazendo desabraçar as gêmeas fileiras de dentes alimpados que compõem a sua cavidade bucal, soltando um par de sorriso, ruçou-se.

 

No entanto, o jovem ambulante tentou convencer aquela jovem mulher para adquirir uma peça de roupa colorida que ele e os seus amigos traziam. Todavia, ele não foi capaz de persuadir aquela Jornalista de firmes qualidades.

 

Em seguida, esquecendo-se daquela interrupção, o Jota, ressuscitando a conversa sobre Josina, interveio e disse:

 

― Eu penso que aqueles jovens não sabem que, aos 25 anos, Josina Machel foi diagnosticada cancro do fígado. Mesmo assim, ela continuou a lutar por Moçambique exercendo, incansavelmente, as suas funções na então Frelimo de todos. Ainda que à beira da morte, a sua garra pela libertação do seu povo falava mais alto, por isso tudo fazia para o ver libertado do jugo colonial português.

 

― Nessa época, Josina Machel deixou o seu filho, o Samito – que, já adulto, se viu forçado a abandonar a corrida às Eleições Autárquicas de 2019, como Cabeça-de-Lista de um partido fundado com urgência para desafiar a hegemonia da antiga Frelimo de todos, seu partido de nascimento, e colocá-lo na Presidência do Município da Cidade de Maputo – quando tinha apenas 1 ano de idade, em Tanzânia, e viajou à Niassa para tratar de assuntos sociais e ajudar raparigas e mulheres naquele período de guerra, que matava o sonho de muitos homens e mulheres Moçambicanos. ― Revelou, abertamente, o Omardine.

 

― Ainda aos 25 anos, Josina Machel viajou a Cabo Delgado, onde começou a sua trajectória educacional, para verificar o progresso de programas sociais naquela Província. Naquela altura, ela sofria de graves problemas de saúde, e o cansaço e a perda de peso, gradualmente, tiravam a vida desta mulher lutadora pela causa nacional moçambicana.

 

― Acrescentou o Nhambi, com uma voz cheia de saúde.

 

― Infelizmente, já com a saúde totalmente debilitada, e de regresso à Tanzânia, a Josina foi internada, e no dia 07 de Abril de 1971, deixando para trás o seu sonho de ver Moçambique liberto da opressão colonial crónica, ela morre e os seus restos mortais foram no subsolo das terras do Pan-Africanista Julius Nyerere, entornados. ― Sublinhou o Jota, meneando a cabeça para os lados, enquanto vigiava o seu redor movimentado.

 

Entretanto, as irmãs da Josina Machel, naquele dia em que conversavam, não estavam a pensar em tudo isso. Elas só e tão somente queriam celebrar, com peças de capulana!

 

― Mesmo depois da sua morte, hoje, nós lembramos o sonho de Josina: “Camaradas, já não posso mais continuar a lutar; levem a minha arma e entregam-na ao Comandante Militar para contribuir para a salvação do Povo Moçambicano.” ― Revelou a Cátia.

 

― Foi assim que, um ano após a morte de Josina, a então Frelimo de todos declarou o 07 de Abril como Dia Nacional das Mulheres e, em Março de 1973, estabeleceu-se a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), enquanto movimento social e político inspirado nos ideais de emancipação defendidos por Josina Machel, hoje quase todos simbolicamente trocados por simples peças de capulana enroladas em corpos que, igualmente, clamam por total libertação. ― Decretou o Cornélio.

 

― Hoje, a Mocímboa da Praia, que ensinou Josina Machel a ler e escrever, está em chamas. As suas irmãs Palma, Macomia, Muidumbe, Mueda, também, choram lágrimas amargas de guerra e assalto à soberania nacional. Mesmo assim, as irmãs da Josina fingem conhecê-la e reclamam por peças de capulana para a celebrar. Estranho, né! ― Acrescentou o Jota.

 

Os grandes problemas crónicos da pobreza generalizada, as famosas Dívidas Ocultas, os ignorados conflitos armados no Cabo do Norte queimado e a crise humanitária, os casamentos prematuros – hoje uniões prematuras –, as violações dos Direitos Humanos, o abuso de menores e a violência doméstica, as grávidas de Matalane e as negociações promíscuas de Ndlavela, os assaltos aos produtos das mamanas[3] nos mercados, protagonizados por Polícias Municipais, entre tantos outros problemas que assolam a nossa extensa Pátria Amada, as irmãs da Josina Machel que fingem conhecê-la, desconhecem-nos, e, contudo, reclamam por coloridas peças de capulana para celebrar a mesma Josina Machel que se entregou pela libertação do Povo Moçambicano.

 

― Afinal, o que realmente as irmãs da Josina Machel celebram a cada dia 07 de Abril que passa? ― Questionou, preocupada, a jovem Cátia.

 

Em seguida, respondendo a uma chamada telefónica, com qualidades de urgência, a Cátia desapareceu do meio daqueles jovens Jornalistas. E, por conseguinte, os quatro jovens separaram-se e continuaram com as suas agendas editoriais e de trabalho da semana.

 

Autor: Janato I. Janato

 

Texto extraído do livro “Contratado para ser Presidente do Município” (2022), págs. 53-61.

 

[1] Sistema Nervoso Central (SNC) é o nome atribuído pelo Jota ao grupo composto por 7 Jornalistas-Estagiários que faziam parte da Edição do Jornal semanal produzido pelos Estagiários. Os membros do SNC eram responsáveis por filmar e editar as peças jornalísticas, montar o jornal principal, rever e assistir ao jornal, anotar os possíveis erros e corrigi-los. Todas as Sextas-feiras, após as verificações, o líder do SNC deveria levar o jornal, num flash ou HD, e submetê-lo à STV para ser veiculado às 11h30 do dia seguinte. Às vezes, os membros deste grupo saiam da redacção às 23h ou mesmo à meia-noite.

[2] O Núcleo dos Estudantes Secundários de Moçambique (NESAM) foi uma associação estudantil moçambicana nacionalista, estabelecido nos princípios de 1949, na então Lourenço Marques, actual Cidade de Maputo, com cerca de 20 membros, que funcionava no Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique (CANCM). O NESAM tinha como objectivo fomentar a unidade e camaradagem entre os jovens africanos, através do desenvolvimento da sua capacidade intelectual, espiritual e física, para melhor servir a sociedade. Nos primeiros anos da sua existência, as autoridades coloniais portuguesas consideravam-no uma organização nacionalista embrionária, pelo que os seus membros eram considerados inimigos ao regime português, sendo, por isso, perseguidos pelas tropas coloniais.

[3] Mães – Forma popular de dizer.