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quarta-feira, 13 abril 2022 08:19

Abril, Mês da Desintoxicação das Mentes

7 de Abril é o dia da mulher moçambicana. Por isso, escolhi defender a ideia segundo a qual, o mês Abril simboliza, na nossa historicidade moçambicana, o início da luta contra mentes ensombradas pelo machismo (ou masculinidade) e feminismo (ou feminidade) tóxicos. Mas, por razões óbvias e em respeito à data, vou limitar-me ao que este mês representa a luta contra uma masculinidade tóxica.

 

Nascido numa família onde maioritariamente são mulheres, aprendi logo cedo neste meio cultural e tradicional, que nós, irmãos, e homens no geral, temos como missão proteger e cuidar as nossas irmãs, mães, tias e de qualquer mulher. Não é por acaso que, na perspectiva ubuntu, todas as mulheres mais velhas, e em alguns casos as mais novas da família e aldeia, sobrinhas ou netas como exemplos, são chamadas “mãe”. Digo “são” com a consciência de que alguns intelectuais distraídos do meu tempo preferem usar o passado “eram” quando falam do seu meio cultural de origem, esquecendo que passado não é o mesmo que ultrapassado.

 

O que depois, pela sociologia, veio a ser chamado “bastidores”, e, pela ciência política “espaço subalterno” ocupado pelas mulheres nas culturas africanas, era para mim apenas valores tradicionais: respeito e cuidado pelo “sexo fraco”. Esta era uma masculinidade básica, por outra culturalmente originária e não toxicada. Trata-se da masculinidade segundo a qual qualquer “mãe” da aldeia tem por missão educar a todos os filhos. Não sei quem terá dito que uma aldeia africana é composta por dois tipos de pessoas: mulheres e seus filhos e filhas, incluindo em ambos grupos os “ainda-vivos” e “morto-vivos” se falarmos com filósofo queniano John Mbiti.

 

Mas, à medida que eu crescia, ia tropeçando perante um outro tipo de masculinidade. Já no contexto mais amplo da sociedade colonial capitalista, a masculinidade já não aparece sob a mesma forma original e tradicional que aprendi, senão forma “tóxica” – como classifica a filósofa brasileira Djamila Ribeiro. Isto é, segundo esta filósofa, ligada ao músculo, à violência e ao machismo. Enquanto culturalmente original a masculinidade se apresenta em forma de uma educação para assumir o papel social de responsabilidade, protecção e segurança da mulher e família, como sustentava o sage Viegas, a masculinidade tóxica, por seu lado, tomada de uma narrativa da cultura patriarcal-colonial capitalista, empurrava-nos, a assumir comportamentos socialmente sexistas, discriminatórios baseados no género e mesmo violentos. Estes resultavam nocivas para o próprio homem e com consequências graves para a sociedade moçambicana, por esta, durante muito tempo, privar-se do uso da força, inteligência e estética da “capulana”, como afirma a intelectual moçambicana Dulce Passades.

 

Por isso, o 7 de Abril representa o dia em que as mulheres moçambicanas decidiram dizer basta e lutar pela desintoxicação das mentes machistas dos tempos da luta armada pela libertação e, mais tarde, nas estruturas culturais, políticas, sociais e económicas da sociedade.

 

Quais são, então, as armas que as mulheres, representadas e simbolizadas pelo então Destacamento Feminino da Frente de Libertação de Moçambique, teriam usado na sua longa marcha pela desintoxicação das mentes machistas, escondidas sob capa de masculinidade? Elas foram três: a força física, a inteligência (adicionalmente a emocional) e a estética simbolizada na capulana.

 

O primeiro grupo de mulheres que aceitou receber treinos militares para a frente de combate, incluía a Marina Pachinuapa, cuja retórica sucinta e profunda me deixa sempre admirado quando disserta sobre esta data e momentos da nossa história recente. Elas, naquelas circunstâncias, ao aceitarem o que até então se considerava tarefa dos homens, desafiaram a ideia, segundo a qual, pertenciam ao “sexo fraco”, com a qual todos nós, africanos e europeus, crescemos com sendo o “normal”. Aquelas meninas demonstraram que o dito sexo fraco possuía, na verdade, a mesma força física que o companheiro e o camarada detinha, dependendo apenas da capacidade e vontade política de educação e adequado treino.

 

Como poderíamos continuar a chamar fraca à uma mulher que carregava material e alimentos à cabeça e nas suas costas por longas distâncias? A propósito, mesmo hoje, quando se trata de deslocar-se das zonas afectadas pelas guerras no Centro e no Norte, para zonas mais seguras devido aos desastres naturais, a mulher demonstra a mesma força. Esta teoria de sexo fraco, demonstraram as mulheres do Destacamento na prática, era, de facto, uma grande aberração, uma grande narrativa enganosa. Na verdade foi criada no quadro de uma sociedade patriarcal tóxica machista – refiro-me à sociedade colonial – e projectada às tradições africanas como se fosse um comportamento natural, não desviante para o dito negro.

 

O facto de as mulheres se terem mostrado mais fortes no carregamento do n´tolo à cabeça (os homens, por natureza, usam mais os braços) serve-me de uma ponte simbólica para a segunda “arma” de luta feminina contra a masculinidade tóxica – e inteligência. Também nos foi imputada a ideia que ela é a menos inteligente que o homem. Daí que não se lhe tenham sido desde reservado papéis de liderança na família e na direcção política. Numa sociedade que se organiza de forma de luta e competição, e não por cooperação, para a conquista de lugares na estrutura do poder, interessava construir uma narrativa de uma mulher menos inteligente. No entanto, a experiência que fomos tendo enquanto sociedade política moçambicana em crescimento – e aqui refiro-me à criação da OMM, das Ligas Femininas dos partidos políticos, dos gabinetes e associações femininas operárias e camponesas, funcionárias públicas, fóruns mulheres parlamentares, grupos de pesquisas sobre o gênero, o seu desempenho na educação, no ensino superior em particular, etc. – a mulher moçambicana tem demonstrado uma dupla vantagem.

 

Pois, ela não apenas demonstra possuir uma inteligência “normal” e igual ao homem em termos de percepção, entendimento, ciência e acção, como sobretudo e adicionalmente, a inteligência emocional. E esta lhe dá vantagens competitivas em relação ao homem em lidar com situações de crises familiares, de guerra, calamidades, deslocamentos forçados, tensões sociais, crises institucionais, etc. O seu amor e carinho naturalizado coloca freios à tendência masculina, também naturalizada, do uso da força e violência brutas. Ela nos convida sempre a um “segundo olhar”, antes do uso da força. Nos recorda sempre ao “o que diria a nossa mãe”, antes de enveredarmos pelo caminho violento. Porém, não devemos naturalizar esta característica emocional feminina. Devemos perceber que ela foi conquistada a partir do seu lugar de resistência contra a masculinidade tóxica tradicional e machista das sociedades tanto europeias como africanas.

 

Durante muito tempo, o mundo e as sociedades, desviados pela masculinidade tóxica, perderam a oportunidade de se deixarem aconselhar por esta inteligência emocional. Até porque o sucesso do que chamamos hoje inteligência artificial, aproveita-se muito da inteligência emocional da mulher. Por isso, podemos dizer que, em certa medida, o mês Abril, simboliza, com a inclusão da inteligência emocional, para além da sua inteligência natural, um grau acrescentado na humanização nas várias frentes do movimento de libertação moçambicano. E também das lutas que ainda travamos para o desenvolvimento, sobretudo pela reconciliação. A não inclusão e consideração da mulher moçambicana em todas estas frentes, seria declarar uma derrota antecipada. O respeitar a “mãe” da aldeia, deve transformar-se em “ouvir” e “seguir” a voz feminina e no feminino. Este aconselhamento naturalizado feminino deve transformar-se num dos elementos fundacionais de uma ética de reconciliação com o Outro, algo muito ausente na nossa (des)convivência política, sobretudo no período das eleições, no parlamento e afins.

 

A terceira “arma” de Abril contra a masculinidade tóxica – a estética – me parece ter sido a mais forte, embora até agora com menos narrativas feministas moçambicanas. A masculinidade tóxica olha para a mulher com sexismo e na perspectiva do sexo belo. A Marina Pachinuapa, numa palestra na Universidade Pedagógica de Maputo, relativamente ao papel do Destacamento Feminino, denunciava o que alguns homens integrantes do movimento de libertação, em particular os progenitores, chamaram por “mulheres desviadas”. Consideravam estes que, indo as jovens participar nos treinos militares ao lado do homem, seriam consideradas “mulheres de má vida”, temendo, sobretudo os pais, elas depois não serem aptas depois para construir um lar “normal”.

 

Ainda recentemente, tenho reparado que, quando uma mulher é nomeada ministra, administradora, ou para um outro cargo público, o sexismo volta à carga. Os camera men, apesar do respeito que tenho por eles, não escapam, muitas vezes a este impulso sexista: mostram a “corpo” inteiro no pequeno ecrã, começando dos pés à cabeça, sugerindo motivos adicionais para a sua nomeação, que não tenham sido a sua formação, capacidade e inteligência. A tal pergunta não falta – por que “outros” motivos ela teria sido nomeada? Teremos que combater esta “mulher boleia” do homem, pela mulher-competência.

 

“Mas não se enganem” – diria o historiador Carlos Machili – “a qualidade vem da quantidade; querendo dizer com isso da inclusão”. Pois, não existe o númeno sem o número.

 

Defendo que, enquanto sociedade moçambicana, encontramo-nos num ponto de inflexão de confundirmos a beleza com o sexismo: as cores, a elegância, a graça, enfim a estética, com a qual as mulheres moçambicanas emprestam a nossa vida pública, cultural, política e institucional não se deve reduzir ao sexo belo. A mulher africana impôs, nas últimas décadas, uma estética própria. E a mulher moçambicana tem somado vitórias nesta luta contra a toxidade machista. A mulher está a conduzir, por via da estética africana simbolizada aqui pela capulana, repetindo Passades, a revolução mais inteligente de todos os tempos na história da humanidade.

 

Para o caso de Moçambique, para mim, Abril simboliza o início formal da luta contra o sexismo e pela desintoxicação da mente machista. Pois, a maior revolução foi normatização desta imagem: uma mulher com um lenço na cabeça e com uma arma nas mãos. Não uma arma para matar, mas para libertar a terra e libertar-se do machismo. O lenço e a capulana, proibidos no tempo colonial e nos primeiros momentos do fervor revolucionário, passaram a hoje a embelezar qualquer espaço público. Uma conquista e vitória feminina sobre o sexismo e masculinidade tóxica despercebida, cuja a “arma” fundamental foi a estética do belo.

 

Não tenho a certeza se aquelas meninas do Destacamento Feminino foram admitidas a levarem os lenços na cabeça para os treinos militares – perguntarei isso à “mamã” Marina Pachinuapa um dia. Todavia, tenho certeza que, quando esta veio falar aos intelectuais da universidade sobre suas lutas, trajava um lenço que condizia com o vestido de capulana. O triunfo da revolução estética feminina – a mais inteligente revolução a que já testemunhei nestes últimos tempos da nossa historicidade. E considerem-se vitoriosas, porque a  juventude moçambicana, sejam rapazes ou raparigas, continua a revolução estética africana hoje, seja por via de penteados afros, seja nos diferentes Mozambique Fashion Weeks, somente para dar alguns exemplos.

 

Naturalmente que haverá assuntos menos vitoriosos nestas narrativas de lutas feministas moçambicanas. É o caso, por exemplo, a inclusão do papel das diversas “ligas femininas” e de outras mulheres revolucionárias do “outro lado”, como o caso da Joana Simeão, por exemplo. Estas deveriam sair das notas-de-roda-pé a que se encontram destinados na nossa narrativa oficializada, para o texto principal da nossa historicidade colectiva. Mas fico, por hoje, pela celebração do símbolo da desintoxicação.

 

Viva Abril, mês em que, para nós moçambicanas moçambicanos, iniciou a revolução feminina contra a masculinidade tóxica. E ainda bem que há cada vez mais homens que embarcam nesta batalha, “ao lado”, como tratou de frisar Mariza Mendonça no dia 7 de Abril.

Por Jorge Ferrão e José P. Castiano

 

Talento é quando um atirador atinge um alvo que os outros não conseguem. Génio é quando um atirador atinge um alvo que os outros não vêem. Nyerere pode não ter sido nem um génio, nem uma pessoa extraordinária, porém, foi uma notável figura da África pós-colonial e um sábio, no sentido ancestral da sociedade africana.

 

Existe um fascínio exacerbado quando retractamos líderes africanos que marcaram o continente, na década 60. E nesse sentido, Julius Nyerere converte-se em referência obrigatória e consensual. Nyerere será, continuamente, recordado como um homem de grande sabedoria, que evitou o derramamento de sangue e confrontos violentos, no seu período político mais activo. Isto foi graças a essa sabedoria e ao seu alto sentido de humor, onde colocava a sua luta pela independência, sem guerrilha, e com uma apologia permanente sobre a paz.

 

Nyerere, conhecido pelo seu nome suaíli, Mwalimu, que significa professor, tinha uma paixão incessante por uma África unida que contrapunha, até a Nkrumah, do Gana. Ele traduziu William Shakespeare para suaíli e assumiu a sua política Ujamaa, que nem por isso foi bem-sucedida na mudança do panorama económico da Tanzânia. Ujamaa revelava a sua experiência como filho de uma grande família e toda a sua imersão no pensamento socialista da sociedade.

 

Apesar dos erros, que esta política económica representou, dois factores fundamentais marcaram o perfil de Nyerere enquanto dirigente da Tanzânia. Em primeiro lugar, o seu não alinhamento, expresso no seu bem elaborado discurso, de Outubro de 1967, na conferência da União Nacional Africana do Tanganica (TANU), onde afirmou que ele jamais seria anti-ocidental e, muito menos, anti-leste. O segundo factor esta relacionado à sua capacidade de articular as negociações; procurar privilegiar os valores africanos e assumir os valores do humanismo e do africanismo. O facto de nunca ter constituído uma fortuna pessoal e de se ter retirado do poder, em 1985, por livre vontade, fizeram dele um líder diferente cuja preocupação centrava-se apenas no seu povo.

 

No dia 13 de Abril celebraremos 100 anos de Julius Kambarage Nyerere, se ele estivesse ainda vivo. Nascido em Butiana, este homem marcou e atravessou todo um século libertário da África, com o seu pensamento e acção, e viria a morrer, ironicamente, em hospitais de Londres, a 14 de Outubro de 1999.

 

Presidente, escritor, sábio e intelectual, Nyerere usou a política para difundir os seus ideais. Poucos, que o viveram como Presidente da República da Tanzânia, sabem que ele foi um prolífico escritor do seu pensamento político[1], mas, sobretudo, um homem de acção política, de uma visão estratégica que ia para além do seu tempo. O Mwalimu dizia o que pensava e pensava, profundamente, no que dizia; também agia segundo o seu pensamento e pensava, profundamente, também nas suas posições e acções políticas.

 

No centro do seu pensamento esteve sempre a busca da Paz e não-violência, mesmo que admitisse uma fase de “violência organizada”, na luta pela liberdade. Por isso, recebeu, ainda em vida, condecorações e prémios tanto do Ocidente (Canadá, Suécia, etc.), como do Leste (Prémio Lenin da Paz, Prémio Gandhi da Paz).

 

Para Moçambique, a mais marcante acção de Nyerere foi o seu apoio à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) (também apoiou as lutas da África do Sul, Uganda, Angola, Guiné-Bissau e Namíbia), permitindo que o seu país albergasse bases militares. E este apoio à violência armada organizada aos países vizinhos, não foi sem conflitos morais que precisavam de ser reflectidos: Como um pacifista, que sem dúvidas ele era, pôde apoiar grupos armados de libertadores, tanto mais que, na altura, eram conotados com o terrorismo.

 

Numa palestra sob o tema Stability and Change in Africa, em 1969, na Universidade de Toronto, convidado para a recepção de um doutoramento honorário, Nyerere reflecte sobre o sentido e significado da liberdade para os povos africanos, em particular na África Austral. Primeiro, preocupava-lhe a questão sobre como alcançar a liberdade (by peace or violence?) e, segundo, preocupava-lhe estabelecer uma clareza teórica sobre a dialéctica entre liberdade e desenvolvimento. De uma forma mais pronunciada, o livro Uhuru na Maendeleo (Liberdade e Desenvolvimento, 1974) é uma confrontação teórica sobre ambos dilemas.

 

Reflectindo sobre se a liberdade deveria ser alcançada por meios pacíficos ou violentos, Nyerere deixa claro, numa argumentação ímpar, a seguinte posição: primeiro, a batalha de todos os africanos é de alcançarem a Independência (que tinha o sentido na sua profunda convicção, da liberdade colectiva dos povos em decidirem por si mesmo o modelo de desenvolvimento a seguir).

 

É neste contexto que ele cria a teoria das portas para o diálogo. “Há muitas pessoas” – dizia ele – “que parecem acreditar que há uma virtude (heróica) na violência e que somente se a luta pela liberdade for conduzida em forma de uma Guerra e derrame de sangue pode conduzir à uma (verdadeira) liberdade”.

 

E acrescentava Nyerere, logo de seguida: “Eu não sou uma dessas pessoas” que pautam pela violência, porque nutria um respeito profundo pelas formas pacíficas de transferência de poderes, daí se explique o Prémio da Paz Gandhi.

 

A partir daqui, Nyerere desenvolve a sua teoria de portas abertas e entreabertas para um diálogo pacífico entre o colonizado e o colonialista, ou racista, em torno dos caminhos para a Liberdade. Se a porta para as negociações pacíficas estiver fechada, os movimentos de libertação deveriam, primeiro, no seu entender, fazer esforços para a abrir. Se, em contrapartida, a porta estiver entreaberta, ela deveria ser empurrada de tal modo que fique completamente escancarada. E acrescenta: “Em nenhum dos casos a porta deveria ser explodida à custa dos que estão do lado de dentro[2].

 

Entretanto, Nyerere continuava dizendo que se a porta, em contrapartida, estiver fechada à chave e, ainda, por cima disso, aparafusada (ou gradeada), e os porteiros se recusarem abrir a fechadura e a retirar os parafusos, então, a nossa escolha deve ser clara: ou aceitamos continuar a viver na opressão ou arrebentamos com a porta. Portugal era um desses gate keepers, que não aceitava abrir a porta para um diálogo civilizado[3]. Não restava mais nada à Tanzânia, senão apoiar aos movimentos de libertação que lutavam contra os teimosos colonialistas. Mas, esse apoio da Tanzânia era bem específico e à medida das suas possibilidades: “nenhum tanzaniano vai participar directamente nesta Guerra. Também reconhecemos que não poderemos fornecer armas aos freedom fighters. Mas, nós não podemos chamar atenção (ao Mundo) para a necessidade da libertação na África Austral e ao mesmo tempo negar a assistência (…) sabendo que as portas para as negociações estão fechadas e aparafusadas”.

 

O segundo significado de Liberdade, que Nyerere tratava de sublinhar, denominava-o por Principle of Self-determination and of National Freedom. Cada país faz ou decide fazer o que bem achar com a Liberdade alcançada. Nyerere tratava de sublinhar que, uma vez independente, a escolha do modelo de desenvolvimento é um affair dos povos que habitam os mesmos países, e não de potências ocidentais e de outros países africanos. Pois, escolher se cada país africano independente devia seguir a via socialista, comunista ou capitalista de desenvolvimento não competia aos países europeus, nem americanos, nem asiáticos. Portanto, sublinha-se, aqui, a ideia da Liberdade enquanto opção para o desenvolvimento. (Mais tarde, Amartya Sen e num plano mais teórico, viria a vincar uma tese complementar à de Nyerere, nomeadamente Development as Freedom de 1999).

 

É na sequência desta última ideia que devemos ler o sentido e o significado da luta de Nyerere, no plano internacional, por consolidar a ideia da União Africana e do não-alinhamento. Ele foi muito activo na luta pelas relações comerciais Sul-Sul, membro-fundador da OUA e organizador acérrimo das conferências internacionais dos países não-alinhados.

 

O seu colega e amigo, do movimento pan-africanista, Nkrumah, presidente do Ghana, viria, talvez, resumir melhor este pensamento de Nyerere quando dizia que “em questões de desenvolvimento não nos interessa se a direcção é o Este ou o Oeste: caminhamos para a frente[4]. O “para frente” significava, para Nkrumah, duas frentes de luta: internamente, um investimento massivo na educação e formação, na construção de infra-estruturas e de um Estado nacionalista independente; externamente, entretanto, o “para frente” significava um trabalho alinhado de todos os povos e nações africanas com os objectivos da organização continental, a OUA.

 

Para Nyerere, em contrapartida, a frente imediata, antes da OUA, era, por um lado, mais concentrada na concepção de uma agenda endógena e nacional de desenvolvimento (neste quadro ele desenvolve a teoria e a prática do Ujamaa e education for self-reliance); e, por outro, no plano regional, a consolidação da SADCC, sem com isto querermos dizer que Nyerere era menos pan-africanista do que Nkrumah.

 

Neste ano das celebrações do seu centenário, não seria despropositado celebrar este filho prominente da nossa África no seu pensamento e na sua acção. Como pensador, ele preocupava-se por fundamentar as condições e possibilidades para não se fecharem as portas do Diálogo, da Paz e da Reconciliação; todavia, quando se tratasse de conquistar e defender a Liberdade, ele admitia a “violência organizada”. E, mesmo já nos anos 70, Nyerere alertava para o perigo de Guerras posteriores às independências na região Austral da África devido à acumulação de armas na zona.

 

Se o Ocidente continuasse a fornecer armas a Portugal, África do Sul e Rodésia do Sul, na escalada que fazia, então não haveria outra chance de os Movimentos de Libertação para prosseguirem, senão também pedirem armas à China, União Soviética e outros países do Leste. Dizia Nyerere: Not even the most skilled guerilla movement can fight machine guns with bows and arrows, or dig elephant traps across surfaced roads. Tivemos que recorrer às armas do Bloco do Leste.

 

E assim foi escalando o nível de violência armada na nossa zona. E isto acontece, como diz, e não se cansou de ensinar-nos Nyerere, quando as portas para o diálogo e negociações estão não somente trancadas à chave, se não também gradeadas e aparafusadas.

 

No seu próprio país, em 1977, ele quis dar um exemplo de concórdia e de “portas abertas ao diálogo” que tanto pregava. Por isso unificou os partidos Tanganyika African National Union (TANU) e o Afro-Shirazi Party do Zanzibar para formar o Chama cha Mapinduzi (Partido da Revolução). Pensava, assim, alcançar uma maior harmonia, paz e reconciliação social na República que liderava. 

 

Um homem de paz, sabedoria e acção que foi Mwalimu a quem vale a pena celebrarmos o seu centenário (X).

 

[1]    1968: Freedom and Socialism; 1974: Freedom & Development, Uhuru na Maendeleo; 1977: Ujamaa-Essays on Socialism; 1979: Crusade for Liberation; 1978: Development is for Man, by Man, and of Man.

[2]    In neither case should the door be blown up at the expense of those inside (Cfr. Stability and Change in Africa. In: Nyerere, J. (1973): Freedom and Development/Uhuru na Maendeleo. A Selection from Writings and Speeches 1968-1973. Oxford University Press, Nairobi, London, New York. (pp108-125). Os que estão por dentro e não queriam abrir a porta são, na altura (1969), os regimes racistas da RSA, Rodésia do Sul e o regime colonialista português. Mas, a todos Nyerere chama por racialists.

[3]    No mesmo tom, mais tarde, e durante os Acordos de Lusaka e perante a proposta portuguêsa de se fazer um referendum para aferir a Independência, Samora Machel viria a radicalizar esta tese dizendo que não se pergunta a um escravo se quer ser livre ou não.

[4]   We face neither East nor West; we face Forward.

terça-feira, 12 abril 2022 10:00

Um dia "negro" em Xitaxi, Muidumbe

Segunda-feira, 06 de Abril de 2020, as pessoas estavam agitadas em toda a aldeia de Xitaxi, no distrito de Muidumbe, província de Cabo Delgado. Ninguém imaginava que seria um dia negro para os populares nativos, para os moçambicanos e o mundo. As aldeias circunvizinhas estavam em chamas. O som da pólvora poluía o distrito. As pernas da população tremiam. Ninguém conseguia beber pelo menos um copo de água. Os terroristas estavam nas proximidades da aldeia.

 

Os ponteiros dos relógios produziam ecos. As balas intensificaram o desespero da população. Horas depois, homens trajados de malaias caminhavam pelas aldeias, cantando, dançando e exibindo bandeiras do Estado Islâmico. A aldeia estava desprotegida. Os bravos militares destacados para garantir a segurança em Xitaxi haviam zarpado pelos relatos que chegavam e os horrores causados pelos terroristas em outras aldeias. Os que restavam eram poucos e terão ficado não pela coragem, mas pela falta de condições financeiras para escapulir-se.

 

Contra todas as vontades, os homens armados entraram na aldeia, dirigiram-se à casa do líder tradicional local, onde comunicaram que pretendiam ter uma reunião com a população local – a informação foi rapidamente transmitida – todos aqueles que estavam no cativeiro saíram. Militares trajados a civil fizeram parte da reunião. Começou o encontro. Os terroristas trajados de vestimentas islâmicas e empunhando armas de fogo começam por separar os presentes em função da religião que praticavam…

 

Alguns acataram a ordem dos terroristas e outros recusaram aderir. Repentinamente, começou uma agitação no seio da multidão. Eis que os terroristas foram recolhendo um por um e exigindo que passassem a frente, alegadamente, para amainar a confusão. Disparos para o ar e para as pernas dos revoltados. De repente o silêncio, lágrimas nos olhos e choros ofegantes faziam-se sentir. Começou o processo de recrutamento – quem seguia e quem não seguia com o grupo terrorista – o caos instalou-se no local.

 

Foram escolhidos 53 jovens e obrigados  a recitar o Kalimah da aceitação do Islamismo – a shahada - "La ilaha illa Allah, Muhammad Rasul Allah"  que traduzido para a língua portuguesa significa  "não há outro Deus senão Alá e Maomé é seu servo e mensageiro." Os jovens negaram veementemente. Mesmo diante de chumbo grosso e baionetas no pescoço. A multidão implorava. Os anciões ajoelhavam pedindo misericórdia. Mas os terroristas não ouviram as súplicas dos presentes – pelo contrário, viram o acto como falta de respeito – o comandante dos terroristas deu a ordem para que os sanguinários começassem a actuar.

 

Insistiram por mais uma vez, se os jovens pretendiam aderir ao grupo ou à bárbara morte. Começaram as decapitações como forma de intimidar os restantes, mas estes estavam determinados – em não ceder! Aguentaram a agonia da morte e a crueldade humana foi visível, todos os presentes estavam inconformados com o acto. Era inacreditável que humanos feitos de sangue e pele igual pudessem agir de tal modo! Assassinaram os 53 jovens sem piedade, simplesmente por dizerem que louvavam um outro Deus e que não podiam aderir a uma guerra contra o próprio povo.

 

06 de Abril de 2020, o dia negro para a população da aldeia Xitaxi, Muidumbe, e a prova nítida da barbárie do terrorismo que aconteceu em Cabo Delgado - Moçambique …!  

opi

A exploração de recurso naturais deve ter sempre como prioridade proporcionar o bem-estar das populações e promover o desenvolvimento sustentável do país. Foi com este pressuposto que o Governo de Moçambique definiu a área de hidrocarbonetos por estratégica para a viabilização da exploração sustentável das reservas de gás natural de que o país dispõe, criando alicerces para o desenvolvimento industrial, criação de oportunidades de emprego e geração de renda em escala, bem como uma exploração dos recursos naturais que minimize o impacto negativo sobre o ambiente e sobre as comunidades. Nesse sentido, é imperioso que a gestão destes recursos seja prudente e transparente garantindo que as populações estejam informadas sobre as valências dos mesmos na melhoria da qualidade de vida dos moçambicanos.

 

Neste contexto, o anúncio do lançamento do programa “DÁ + GÁS Moçambique” representa a materialização da estratégia de desenvolvimento nacional e a resposta proactiva por parte do Governo de Moçambique às necessidades das populações, promovendo o acesso ao Gás de Cozinha como fonte primária de energia para cozinhar. A perspectiva que se tem com a campanha “DÁ + GÁS MOÇAMBIQUE” é de inverter o cenário apresentado pelo IOF (2019/2020), segundo o qual 95% da população é usuária de biomassa (lenha e carvão) para cozinhar, priorizando o Gás de Cozinha enquanto fonte de energia limpa na equação da gestão familiar. Por outro lado, o Gás de Cozinha vai permitir às populações reduzir os gastos mensais na cozinha, proporcionar mais conforto e diminuir o tempo gasto no processo de cozinhar.

 

Para tal, o Governo perspectiva colocar o Gás ao serviço de todas as comunidades moçambicanas, diminuindo os custos logísticos de distribuição, aumentando a disponibilidade nas zonas anteriormente não abastecidas, reduzindo as barreiras de acesso e estabelecendo um mecanismo de preços favoráveis a todos os intervenientes. A primeira etapa para o cumprimento deste objectivo passa pelo desenvolvimento da infraestrutura como é exemplo a recém-inaugurada a unidade de enchimento das botijas, construída pela Petromoc ou a nova linha de enchimento de GPL inaugurado no final do ano passado pela Galp na Matola. Estamos perante excelentes exemplos de verdadeira parceria entre o sector público e privados com benefícios evidentes para a sociedade e retorno financeiro para os investidores.

 

Parece-nos justo aceitar que o programa “DÁ + GÁS MOÇAMBIQUE” representa, de facto, a materialização da estratégia de desenvolvimento sustentável integrado e dos compromissos assumidos no âmbito da agenda 2030 das Nações Unidas e no Acordo de Paris e nos convém assumir que estamos no rumo certo à transição energética em Moçambique.

 

Apolinário Malauene

(Docente Universitário, Faculdade de Ciências da Terra e Ambiente – UP MAPUTO)

segunda-feira, 11 abril 2022 07:46

O edil de Pemba merece o benefício da dúvida

Na semana antepassada, o Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, reuniu-se com os militantes em Pemba, nos momentos vagos daquelas suas viagens presidenciais pagas pelo erário público. A reunião serviu para debater pessoas...não ideias. Uma das pessoas mais visadas foi o edil de Pemba, Florete Simba Moturua. Sua cabeça foi pedida. Entre os edis da Frelimo agora em exercício, Simba parece o mais crucificado.

 

Minhas fontes dizem que ele mostrou, durante estes anos, poucas simpatias para interesses mesquinhos de militantes e empresários locais, que achavam que tinham luz verde para satisfazerem seus apetites nos terrenos municipais. Mas, Simba não foi na cantiga. E criou inimigos figadais.

 

A nosso ver, o Edil de Pemba merece uma segunda oportunidade. Porque ele está a gerir a cidade mais pressionada em Moçambique por eventos extremos, incluindo o terrorismo. A pressão demográfica sobre a cidade é enorme.

 

De acordo com o Censo de 2017, Pemba tinha 204.872 habitantes. Em 2020, por causa do terrorismo, a cidade recebeu quase que uma outra cidade: 227.393 deslocados de Mocímboa da Praia, Palma e Muidumbe. Depois teve o ciclone Keneth...mas Pemba não se desestruturou. Mantém-se mais ou menos saudável, com uma melhoria visível nas suas infra-estruturas escolares, de saúde e estradas, para além da transferência da antiga lixeira.

 

A pressão sobre Pemba é enorme que faria cair qualquer Edil que se prese. Simba merece uma segunda oportunidade.(Marcelo Mosse)

segunda-feira, 11 abril 2022 07:43

O edil de Pemba merece o benefício da dúvida

Marcelo Mosse 0319

Na semana antepassada, o Presidente da Frelimo, Filipe Nyusi, reuniu-se com os militantes em Pemba, nos momentos vagos daquelas suas viagens presidenciais pagas pelo erário público. A reunião serviu para debater pessoas...não ideias. Uma das pessoas mais visadas foi o edil de Pemba, Florete Simba Moturua. Sua cabeça foi pedida. Entre os edis da Frelimo agora em exercício, Simba parece o mais crucificado.

 

Minhas fontes dizem que ele mostrou, durante estes anos, poucas simpatias para interesses mesquinhos de militantes e empresários locais, que achavam que tinham luz verde para satisfazerem seus apetites nos terrenos municipais. Mas, Simba não foi na cantiga. E criou inimigos figadais.

 

A nosso ver, o Edil de Pemba merece uma segunda oportunidade. Porque ele está a gerir a cidade mais pressionada em Moçambique por eventos extremos, incluindo o terrorismo. A pressão demográfica sobre a cidade é enorme.

 

De acordo com o Censo de 2017, Pemba tinha 204.872 habitantes. Em 2020, por causa do terrorismo, a cidade recebeu quase que uma outra cidade: 227.393 deslocados de Mocímboa da Praia, Palma e Muidumbe. Depois teve o ciclone Keneth...mas Pemba não se desestruturou. Mantém-se mais ou menos saudável, com uma melhoria visível nas suas infra-estruturas escolares, de saúde e estradas, para além da transferência da antiga lixeira.

 

A pressão sobre Pemba é enorme que faria cair qualquer Edil que se prese. Simba merece uma segunda oportunidade.

Marcelo Mosse