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segunda-feira, 11 abril 2022 07:06

De novo aos beijos com o FMI

NandoMeneteNovo

Em 1983, à saída do local do evento em que Moçambique fora admitido como membro do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, a comitiva moçambicana, a que negociara a adesão, deu de caras com uma manifestação internacional da sociedade civil contra estas instituições.  

 

Diante da situação, e visivelmente estupefacto, um dos membros da comitiva moçambicana, por sinal o actual Edil de Maputo, o economista Eneas Comiche, olhou para um colega como quem perguntasse se teriam feito uma boa coisa, designadamente o de terem pedido a entrada de Moçambique nestas instituições internacionais. 

 

Este episódio foi contado pelo próprio Eneas Comiche numa palestra sobre o impacto desta adesão. E já agora, tenho fé de que Comiche tenha ficado aliviado quando, há dias, o Presidente da República (PR) anunciou uma grande vitória do seu executivo: a retoma da relação de Moçambique com o FMI depois de seis anos de separação.

 

O PR ainda deu uma outra novidade: nestes seis anos até a China – que se propala que não condiciona o acesso aos seus empréstimos – respondia negativamente ao constante assédio de Moçambique enquanto o país não reatasse a sua relação com o FMI. A resposta chinesa era do tipo: eu só ando com damas casadas (com o FMI).

 

Foram duas novidades dadas pelo PR - a da retoma com o FMI, e a do condicionalismo do apoio da China - que possivelmente o leitor, quanto eu, ache-as estranhas, pois, que se saiba - andar aos beijos com o FMI - não é boa coisa.

 

Enfim, e a terminar, referir que a retoma da relação com o FMI e, por tabela, o reatamento de outras relações afins exigi dos moçambicanos que esmerem e fortaleçam os beiços sob o risco de voltarem a estalar em plena actividade. Ainda, dita a experiência e é vital, recomenda-se que não se feche os olhos na hora dos suculentos beijos. 

 

PS: Em caso de alguma dúvida sobre relacionamentos com o FMI, os portugueses que o digam, particularmente sobre a mais recente quanto dolorosa relação com uma “TROIKA” do FMI. Aliás, e é uma dica: numa audiência para a concessão de visto de viagem simples a Portugal, ameace chamar a “TROIKA” que o cônsul, na hora, concede-lhe até um “Visto Gold”.

quarta-feira, 06 abril 2022 14:25

A mola da Covid-19: também lamberam?

Somos famosos internacionalmente como um país da corrupção, subtracção, subfacturação, superfacturamento e da ladroagem - isto o nosso "empregado do povo" viveu na pele conforme suas declarações que são públicas. E como era de esperar a "mão leve" de sempre dos nossos representantes governamentais não aguentaram gerir a mola que os doadores "caridosamente" canalizaram para o famigerado Fundo de resposta à  Covid-19 para atender ao impacto desta pandemia que assola o mundo e o país em específico. Eis que os parceiros, atendendo os choros que se faziam sentir na altura colocaram nas nossas mãos estendidas mais de 678 milhões de USD dos 700 milhões de USD pretendidos para fazer face a pandemia, mas como a "ocasião faz o ladrão", os homens de sempre lamberam parte da mola no estilo sexual das lésbicas!

 

Esta moda de lamber tudo que aparece, está custar caro aos "cidadãos honestos" da Pérola do Índico, principalmente numa altura em que os magnatas das instituições financeiras de Bretton Woods querem voltar a dar mais mola e oportunidades para animar está economia esfolada pela ganância dos cabritos amarrados em todos os departamentos, direcções e ministérios que compõem este "paraíso dos corruptos e dos cidadãos empobrecidos".

 

A revelação do Tribunal Administrativo (TA) embora já fosse expectável vem reforçar que de facto que a corrupção e neocabritismo devem ser imediatamente declaradas como calamidades, embora humanas e públicas, mas já não resta dúvidas de que o vampirismo económico e administrativo vai levar décadas para que seja eliminado - olhem para as adjudicações directas, quem vai parar este mamanso? Se o TA, que é auditor das contas do Estado e com pujança diz não ter balas na Makarov para imobilizar este animal selvagem e infeccioso (desvio de fundos) que dia-a-dia está a destruir nossas culturas, residências e o futuro de uma nação que tem "tudo para dar certo" - palavras do Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi.

 

Em relação a mola do fundo mamada, era visível a forma como está a ser gerido - tudo feito no estilo de quem quer ficar com o saco contendo o pão dado para distribuir aos pobres que tanto precisam. Os homens criavam "confusão para dividir" e depois davam migalhas alguns e alistavam os outros e nunca mas colocavam os pés naquele local - e o relatório este vinha que apoiamos tantos moçambicanos dos bairros X, Y e Z, enquanto na verdade não passavam de um simples amostra ou experimentos laboratoriais que seriam compilados no relatório final junto com as listas em anexo - a informação que pairava era de que o povo está a ser ajudado, mas na verdade, era mais um roubo titânico e danificador da já pálida imagem do país e dos moçambicanos no seu todo perante os parceiros internacionais e as organizações estrangeiras que trabalham em certos projectos humanitários e de "desenvolvimento"! 

 

Lamberam mesmo a mola da Covid-19, usando por mais uma vez o argumento - "pobreza" do povo? O engraçado é que na altura quando pediam os rostos dos governantes estavam que nem de uma criança que quer uma moeda para comprar doce na banca do vizinho - e hoje todos ficamos a saber que lamberam mesmo a mola sem dó e nem piedade! Até quando, vamos continuar a ser lambidos deste jeito, por quem deveria nos cuidar, proteger e permitir a nossa felicidade?

As últimas bebedeiras de sura que apanhei na vida, remontam dos finais da década de noventa, altura em que eu e o Caido Zubaida, de quem aprendi a amar a música que entretanto já morava dentro de mim desde o útero da minha mãe, vagueávamos pela cidade e pelos bairros suburbanos sem outro propósito que não fosse o cumprimento de uma missão guiada pelas claves. Éramos livres, e não sabíamos que o nosso cheiro dava alegria a muitos, incluindo os cépticos e nem nos importavamos com isso, o que queriamos era viver, e para viver precisavamos de cantar, e na verdade foi isso que passamos a fazer quando as metáforas se decifraram elas mesmas, fazendo-nos compreender que estávamos no nosso caminho. E o nosso caminho estava certo.

 

A sura não era propriamente o nosso catalisador, mas será um elemento importante no sentido de que se tornou a ponte, cuja plataforma vai levar-nos à outras pessoas, das quais buscaremos as forças necessárias para  hastear uma bandeira que nunca mais desceu até hoje, que nos sentimos cada vez mais jovens, apesar dos pulmões apodrecidos pelo fumo. Somos também grãos desta areia vibrante que nos segura os pés para dar equilíbrio a todo o esqueleto que irá oscilar ante a penetração dessa bebida, no interior dos neuróneos.

 

A sura que bebíamos a potes, dava-nos a sensação de segurança, mesmo sabendo da depressão que nos vai criar no dia seguinte. Cantávamos – depois da pinga – sem nos importarmos com as falhas. Se até os músicos de grandes patamares falham, quem somos nós para não falhar! Então deixem-nos cantar sem  as amarras da escala. Deixem que o sangue do nosso coração se esvaia até sobrar a alma que se manterá de pé por todo o sempre, lutando contra as verrumas do diabo.

 

Ainda bem que o nosso objectivo, naquilo tudo que faziamos, não era a sura. O que nos movia era a música e as paródias. Sempre que amanhecesse, queriamos amanhecer também, eu e o Caido Zubaida. Sabiamos que tinhamos em nós a pele de Agostinho Agostinho Neto, que dizia, eu já não espero, sou aquele por quem se espera. Nós também éramos esperados, como se fôssemos o sol que vai dar a luz aos viventes. Mas claro que a nossa percepção podia ser uma ilusão. E se é verdade que era uma ilusão, então éramos felizes vivendo nessa ilusão.

 

Caido Zubaida foi conquistado pelo ritmo muthimba, que nem faz parte dos seus antepassados, e eu entrei no blues, sem saber nada de blues. Se amo a minha mulher, não me perguntes porquê a amo, não sei. O importante é que você se deixe levar pelo belo, e a beleza de tudo aquilo que faziamos, estava na profundeza dos nossos sentimentos. Éramos cães vadios, que passavam a vida na gandaia das músicas, muitas delas do tempo que não nos pertence. Éramos ovacionados, e perguntavamo-nos perante os aplausos: afinal os cães também são aplaudidos?

 

Hoje ainda sou esse cão vadio. O Caido Zubaida, ainda é esse cão vadio.  Por isso continuamos felizes, como sempre fomos.

 

*Realiza-se no dia 9 de Abril na cidade de Inhambane, o 1º Festival de Sura

quarta-feira, 06 abril 2022 08:43

O SUBMUNDO DE MAPUTO - A Marginalização Urbana

Hoje, começo com um conto, para depois elucidar a problemática da criminalística e o conformismo de uma criminalidade que se instalou neste modo vivendo do analfabetismo urbano de Maputo. 
 
Acordei em meio a um estrondo, em circunstância menos peculiar em meio a madrugada, arrepio-me o âmago, e treme o esqueleto, ferviam de nervos, com os dentes frontais amordaçando a língua! Devido a maneira brusca e frontal com que foi arrancado o sono, foi inóspito e desagradável tentar retira-me da cama em um salto alarmante e com o coração em brasa. Motivo para chorar e dar uma infinita gargalhada, porque a história deveras amarguram-te e caótica, deixou o corpo em brasa e o estado de espirito falido, com isso adveio um mijo sereno e incontrolável.  Enquanto dormia, a morte auto convidou-se para espreitar a nossa vizinhança. Os ângulos interior da minha humilde casa arrendada na baixa da cidade de Maputo, a janela do quarto convida-me a uma vertiginosa parábola quem morreu desta vez? Em equilíbrio da minha ilusão de óptica, tentando compreender a penetração do primeiro projéctil na concavidade da minha janela, visto que a minha residência e r/c chão. 
- Estou louco?
- Alucinado ou viajando para um mundo sóbrio!? 
 
Já fora de cama, Busco transparecer a minha visão com alguma clareza, apalpou a parede procurando o disjuntor de luz, coloco a mão directa no disjuntor que ficava no recanto esquerdo da cama, a luz imediatamente sufoca-me os olhos que é forçado a obter nitidez da violenta luminosidade que teima e não cede clareza espontânea, ardia as vistas, também pulava o coração de receios que um segundo projéctil venha a visitar-me provavelmente instalando-se no meu corpo. Era o medo que domava uma narrativa pavorosa que acabava de se suceder de fronte a minha residência, afinal não foi som um projéctil foram 2, e a vítima tombou no passeio! Ajuste de contas? Através do buraco da janela causada pelo projéctil, miro em uma vida sem alma, na rua dois homens vestidos a negro e encapuzados, munidos de igual número de armas AK 47. Puseram-se em fuga numa viatura Corolla Escova. Em meio a curiosidade, espanto, vejo como a alma se debate com a aflição e agonia quando a morte está se consumando. A malevolência do meu atrito psicológico denunciava a suavidade e pasividez de quem assistiu aquele cenário todo do outro lado da rua, sem mungir e nem piar, mesmo fazendo guarnição dos estabelecimentos que ali estavam, alguns guardas até com porte de arma, na possibilidade de poder responder, mas nada fizeram. 
 
À superfície dos problemas de Maputo vista por alguém que pela primeira vez põe os pês em Moçambique é preocupante! É a forma pacifica, na tônica da vida da capital Moçambicana, assim vários entendem e normalizam um modo vivendo que os turistas quando sentam para suas confraternizações dizem-nos: olhai a violência desta gente, sem dúvida que esta gente é violenta e vive de forma desregrada!
 
Devemos negociar com o futuro e buscar as proezas do passado para que não abortemos uma geração inteira que ade vir, encontrando este analfabetismo urbano, onde se vive influenciada pelo medo e incapacitada de travar o mal. Estamos em crise, isto está pior, a sociedade está doente, vivem encarando as tensões, as crises sócias, a criminalidade etc., como fenómenos normais. Recordo-me porem que, o escritor Carlos Serra sempre questionava, Quais são as condições sociais que geram a violência? 
 
Estes malefícios submete-me a seguinte analise: A educação para a cidadania moçambicana não se devia reduzir a uma educação de valores? Muito embora a implique, somos forçados ao exercício da reflexão sobre a aplicação dos seus próprios valores e os efeitos sobre a sociedade, bem como a capacidade de avaliação da construção do homem Moçambicano, enquanto pessoa. O comum de nós, não analisa o poder político, aceita-o como algo natural enquanto poder comer ou respirar, porem o povo não é contra o poder político mas sim contra a sua gestão. O que germina os desaires da criminalidade doméstica e organizada da capital, que vai desde os grupos de esquadrões da morte, raptores, ajustes de conta, roubos a mão armada e burlas qualificadas, na maioria promovida pelas máfias da cidade. 
 
O fenômeno presenciado na noite anterior que levou o texto a ser redigido, onde, à pobre alma que por ajuste de contas viu-se agoniada e tendo que morrer feito animal abatido sem remorso nem dom e piedade dos executores. É característico da nova sociedade civilizada da cidade, onde os raptores carregam infelizes cidadãos para suas tocas no arrepio da luz do dia mesmo sobre o olhar impávido da população e do corpo policial disfuncional. 
 
Isso é igualmente uma narrativa que começa pela observação do contexto dos raptos, se eticamente, o conceito da justiça social faria algum sentido para mudança da narrativa ou redução exponencial dos raptos na capital e que tem se alastrado para outras partes do país! Pelo sim ou pelo não, penso que o conceito da justiça social não deve fazer sentido em uma sociedade liberal. Embora as classes mais altas ou economicamente estáveis são chamadas a ajudar aqueles que não “consegue ajudar-se a si mesmo” notabiliza-se um acumulo desleal de riquezas e marginalização das classes mais baixas em uma cidade capital desordeira. Os efeitos da marginalização das classes mais baixas propiciam o crescimento da criminalidade nas ruas da cidade de Maputo, elevados pelo alto consumo de drogas, assim como a sua venda e distribuição. 
 
Aceitar o efeito da neutralidade em que o rico paga o mesmo imposto que a classe baixa, contribui para uma tendência crescente do novo dogma urbano de vida fácil, fase às crescentes desigualdades sócias e elevado êxodo rural, no âmbito de uma comunidade desorganizada. Conclui-se então que, se é possível prever que numa ordem do mercado irão surgir periodicamente situações de miséria extrema e exposição ostensiva de bem-estar em meio a um povo pobre, tendo a corrupção como um flagelo. A legitimidade do enriquecimento ilícito e promovida a vários níveis começando pelas redes sócias e televisões. 
 
Em uma análise franca e aberta, o estado das coisas podres de Maputo, se revelam no resultado da oscilação do mercado, das perseguições diabólicas, das matanças, das injustiças sócias, da natureza política e administrativa. Que à distorção destes componentes, levam ao surgimento dos baleados, os raptados, os assaltados, “as vítimas e os vitimados”! Temos o dever moral de criar e melhorar procedimentos susceptíveis de minimizar o sofrimento humano na capital inerente a essas situações.  
 
Se este dever moral poderá ou não dar origem a um direto social correspondente, é necessário avaliar e determinar as circunstâncias em que um dever pode dar origem a um direito, e as centralidades políticas e sócias hipoteticamente empregues. Todavia, a redução ou o combate aos vários tipos de criminalidade que compõe o submundo de Maputo, passa pela emergência de investimento em meios tecnológicos e libertação do sistema de ensino das ideologias políticas e a necessidade da ampla e complexa formação do homem. Consequentemente, a objectiva desta transcendência habita em nós e não poderá se encerrar em nos. Assim, a construção do homem enquanto pessoa no existencial, a liberdade é um valor fundamental, é precisamente esta liberdade e o fator absoluto dela que pode ser usada para a formação de uma sociedade mais civilizada e que empregue praticas saudáveis para o turismo urbano, ambiente de negócio, bem estar social da sociedade etc. 
 
A um horizonte em particular que compõe a ginástica criminalística que é a incapacidade de obter os resultados da perícia e a falta dados ou componentes que gesticulem a real razão do crime ou os padrões com que foram executados, a formação do polícia devia ser meticulosa e técnica, devendo aprimorar componentes psicológicas de estudo do crime e os comportamentos futuros da mesma natureza do crime.
 
Admitamos, que a nossa polícia trabalha pouco ou simplesmente não trabalham quando o crime não lhe diz coisa alguma ou não desperta interesse de algum provedor financeiro. Para alguns é “intolerável” compreender esta dinâmica. O vector deste problema centra-se nas dinâmicas do mundo do negócio instalado na própria polícia e a marginalização do pobre cidadão. Quando a polícia passa a ser “bolandeira” haverá sempre incongruência nas suas funções e atividade! Porém, a falta de responsabilidades criminais dos autores criminais confessos, por razões políticas ou de corrupção elevada permitem a continuidade de um pragmatismo que alimenta a criminalidade.  Por isso que urge compreender a necessidade de capitalização de novos saberes na polícia e formatação das fileiras com melhorias dos componentes educacionais no geral em Moçambique.
 
Alguns estudos levados a cabo pelo Instituto de Camões no âmbito de cooperação bilateral com o ministério do interior para melhoria da Acipol e formação de novos recrutas, assim como apoio em equipamentos entre outros, pode-se encontrar uma visão eloquente das fragilidades do da nossa PRM e as razões crescentes do crime em Moçambique. 
 
Denota-se que a falta de estudo e preparação do polícia com novos conhecimentos para combate ao crime moderno e do futuro, criam brechas para a maleficência vivida, e os modelos de formação analógica contribui na fraqueza da nossa polícia abrindo brechas para a corrupção e crescimento dos crimes no meio urbano.
terça-feira, 05 abril 2022 07:50

Um terror chamado viagem a Inhambane

 

  1. O PROBLEMA

 

Nos últimos anos, Moçambique tem sido palco de actos regulares que atentam conta o Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado, seja através do recurso abusivo da força policial para limitar o exercício da cidadania, sobretudo, por parte dos activistas sociais e/ou de direitos humanos, bem como de determinados académicos e organizações da sociedade civil que tendem a ser críticos dos maus comportamentos da Administração Pública na gestão da coisa pública e no respeito pelos direitos humanos.

 

O Princípio do Estado de Direito Democrático está plasmado no artigo 3 da Constituição da República de Moçambique (CRM) nos seguintes termos: “A República de Moçambique é um Estado de Direito, baseado no pluralismo de expressão, na organização política democrática, no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais…”

 

No mesmo sentido e como corolário do princípio do Estado de Direito, a CRM consagra como objectivos fundamentais do Estado, de entre outros, os seguintes:

 

“A edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos”; (Cfr. alínea c) do artigo 11 da CRM).

 

“A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei”; (Cfr. alínea e) do artigo 11 da CRM).

 

“O reforço da democracia, da liberdade, da estabilidade social e da harmonia social e individual”; (Cfr. alínea f) do artigo 11 da CRM).

 

“A promoção de uma sociedade de pluralismo, tolerância e cultura de paz”; (Cfr. alínea g) do artigo 11 da CRM).

 

A administração pública e quaisquer instituições em Moçambique devem agir no pleno respeito ao sentido, alcance e espírito do princípio do Estado de Direito Democrático.

 

No entanto, há muito que é notória a prática da arbitrariedade pelas autoridades, na medida em que não permitem que os cidadãos exerçam, pacífica e livremente, o direito fundamental à liberdade de manifestação, sobretudo a manifestação do tipo marcha na via pública, em respeito à CRM, a Lei n.º 9/91, de 18 de Julho (Lei das Manifestações) e a Lei n.º 2/2001, de 7 de Julho que altera alguns artigos da Lei da Manifestações.

 

Os que se atrevem a exercer direito à liberdade de manifestação, no campo do exercício da cidadania para reivindicar outros direitos e interesses legítimos, ou ainda para denunciar as práticas da má governação, violações de direitos humanos e má gestão do bem público, são arbitrariamente detidos ou agredidos fisicamente ou submetidos a maus tratos. Actualmente, em Moçambique quase que só são permitidas as manifestações na via pública que visam exaltar o Presidente da República ou o Governo do dia e isto é muito grave por violar as liberdades dos cidadãos.

 

O n.º 3 do artigo 2 da Lei das Manifestações estabelece que: “A manifestação tem por finalidade a expressão pública de uma vontade sobre assuntos políticos e sociais, de interesse público ou outros.” É, pois, uma forma de exercício da cidadania e da permanente participação democrática dos cidadãos na vida pública, no contexto do Estado de Direito Democrático que caracteriza Moçambique.

 

Mais grave ainda sobre os sinais de ameaça ao Estado de Direito Democrático é o facto de em certos casos de aparente manifestação, mas que se trata de mero exercício do direito fundamental à liberdade de circulação, as autoridades policiais serem chamadas a intervir no sentido de interpelar os cidadãos, pela intimidação, para não exercício de tal direito. Ora, foi o que aconteceu em Novembro de 2021 na Cidade de Quelimane quando a Polícia da República de Moçambique (PRM) tentou, por via de uma acção infundada e vergonhosa para o Estado de Direito Democrático, impedir um passeio de bicicleta do Presidente do Conselho Municipal da Cidade de Quelimane, Manuel de Araújo, juntamente com alguns diplomatas que visitavam esta cidade.

 

Outrossim, mostra-se demasiadamente limitado o direito à liberdade de expressão em Moçambique, principalmente pela intensificação do discurso de ódio contra os activistas sociais e/ou de direitos humanos, contra determinadas organizações da sociedade civil críticos da governação e contra alguma imprensa independente, o que chega a ferir a liberdade de imprensa. A concessão à sociedade civil de direitos ou possibilidade de acesso à informação e participação nos processos de tomada de decisão é problemática e deveras violada para um País que se pretende de facto e de jure um Estado de Direito Democrático.

 

Não menos importante, senão a situação mais crítica e preocupante é que a questão da independência do judiciário e o seu compromisso na protecção dos direitos humanos e respeito pelo Estado de Direito Democrático mostra-se precária, num contexto em que está cada vez mais evidente a influência do poder político sobre o judiciário e praticamente um caminhar para a morte do princípio da separação de poderes. Tanto o poder judicial como o pode legislativo estão a subordinar-se ao poder executivo.

 

Afinal quem garante a salvaguarda do Estado de Direito Democrático em Moçambique que se mostra ameaçada, conforme supra demonstrado? O Estado de Direito é respeitado quando as leis são postas em prática de forma consistente em circunstâncias relevantes e quando o poder arbitrário dá lugar à supremacia da lei e da justiça. O Estado de Direito também implica igualdade perante a lei no sentido de que casos semelhantes são tratados da mesma forma.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos