No início das conversações do desfecho da II Guerra Mundial (1939-1945), o líder soviético, Joseph Stalin, respondendo ao líder americano, Franklin Roosevelt, quanto ao futuro da Alemanha, perguntara “Alemanha? Qual Alemanha?”, pois, para ele, a Alemanha do final da guerra era apenas uma noção geográfica.
No final, e para o bem das conversações, as partes acordaram que seria a Alemanha do dia anterior à data do início da II Guerra Mundial (data da invasão alemã à Polónia).
E se a mesma pergunta de Stalin tivesse que ser feita nas conversações sobre o futuro da Ucrânia pós-guerra da invasão russa?
No mínimo, seguramente que Vladimir Putin, presidente russo, responderia a Joe Biden, presidente americano, de que se trata da Ucrânia do dia anterior à sua invasão (a dita operação especial militar): sem o domínio da Crimeia (sob controle da Rússia desde 2014) e também das duas repúblicas separatistas, ora autoproclamadas independentes e reconhecidas pela própria Rússia nas vésperas da invasão.
Por outro lado, é certeiro que os aliados ocidentais da Ucrânia, concretamente os Estados Unidos da América e a União Europeia, respondessem de que seria a Ucrânia desde o dia da sua independência em 1991.
De toda a maneira, e seja qual for o entendimento de cada uma das partes, será por aqui - de que Ucrânia se trata – que Putin, durante as conversações sobre o futuro da Ucrânia no pós-guerra de invasão russa, empreenderá a sua última batalha por Kiev (capital ucraniana).
E até que se chegue a fase destas conversações é expectável (conjecturo) que o historiador que inspira as aspirações de Putin lembre a este que para o consenso entre Stalin e Roosevelt, fora determinante a clareza sobre quem invadira a soberania de outros.
Passa um ano que uma das mentes hodiernas das artes, letras e caneta calou fisicamente para sempre, deixando para trás um eterno vazio no seio dos moçambicanos. Juma Aiuba foi jornalista, activista e cronista cuja escrita e voz ainda penetram pelas nossas consciências, clamando por um texto seu face aos diversos fenómenos sociais que ultimamente assolam a Pérola do Índico. Com seu estilo humorístico e iluminante, deixou-nos no dia 24 de Fevereiro de 2021, instalando para sempre um enorme vazio nesta sociedade carente de mentes iluminadas e íntegras.
Há dias, acompanhava a audiência do ex-presidente da República, Armando Guebuza, e atentamente ia anotando as suas declarações e a dado momento parei e comecei a folhear o livro Co’ licença, tendo chegado à conclusão que estamos diante de um profeta que muitos não percebiam. Na rápida releitura do livro, dois textos chamaram-me atenção: "o calote da dívida": afinal, este filme tem ou não o "Chefe dos Bandidos"? e o texto o "boato patriótico".
Naquele momento, pensei na possibilidade de os mortos terem um espaço para interagirem com os vivos que sentem saudades deles. Imaginei que o mundo à tua volta terá conspirado contra ti e os moçambicanos que seguiam a tua agradável reflexão e escrita, por não teres tido a oportunidade de viver até que completasses a tabela periódica do Nhangumele. Por não teres acompanhado o cota Guebas a confirmar suas reflexões. Por não poderes escrever sobre este filme que parece de facto, até aqui não ter um chefe dos bandidos assumido – até alguns parece terem sido removidos os cérebros daquilo que defenderam entre 2013 até a detenção de Chopstick!
Naquele momento percebi que o destino foi injusto contigo e com os teus admiradores, porque precisavas terminar a sua obra, entre elas um livro sobre o julgamento das dívidas ocultas. Só tu, Juma, nos poderias ajudar a entender aquela tragicomédia que se vive naquela "tenda dos sem vergonha", embora parte dos teus textos respondam sobre várias questões do julgamento. Tuas crónicas ainda nos explicam sobre como Moçambique está a ser gerido em textos como "um país que não processa” e "Sua Excelência Indivíduo-Quê". Lendo os trechos destes textos, percebe-se que Juma era um Aristóteles africano e com conhecimento aprofundado sobre o seu povo.
Acredito que muitos que te desdenhavam naquela altura devem estar a sentir saudades de ti e vontade de lerem algo escrito por ti sobre toda "cagada" que somos obrigados a consumir diariamente. Fico imaginando entre os botões como seria a tua análise sobre o assunto dos conteúdos da sexualidade e da homossexualidade no livro da 7ª classe de Ciências Naturais.
Sobre o pedido do boss em Bruxelas para que os antigos colonizadores financiem a educação dos africanos. Acerca do barulho da Expo-Dubai. Sobre o suposto carro roubado nas terras do rand que o SERNIC diz ter encontrado no quintal do "boss da CTA". Sobre o fight de Xinavane. O impedimento do mano Mané pedalar na cidade que o viu nascer e que gere – só tu Juma poderias explicar isso e ajudar-nos a rir desta desgraça que nos persegue.
Infelizmente, o mundo é um lugar passageiro, onde temos de obedecer a lógica do destino e dos mandatos divinos e naturais, mas como escreveu Mia Couto a seu respeito – Juma Aiuba cumpriu com coragem uma missão espinhosa: criticar a hipocrisia viciada de muitos dos nossos costumes. Precisamos de ter mais Jumas!
Descanse em paz, Maitololo!
As notícias, sobretudo as da televisão, são dominadas hoje pela tragédia da Ucrânia. Quando vi o atlas do musculado ataque russo divisei, entre outras regiões, Odessa, uma cidade ucraniana às margens do Mar Negro e um ponto estratégico neste conflito. O meu defeito de formação levou-me ao jornalista e escritor Isaac Babel, que eu lia na juventude e cuja história, igualmente trágica, terminou numa execução, aos 45 anos, em 1940, às mãos de Stalin e da Grande Purga. Ainda hoje tenho a memória vívida dos seus “Contos de Odessa”.
A despeito, a minha memória de Isaac Babel não sobreviveu à lembrança da saga de Isabel Bapalpeme, uma jovem guineense, de 29 anos, que viveu sozinha em Portugal durante anos, à espera de um transplante de pulmão, triste por estar apartada da mãe, desde 2014, a quem a embaixada portuguesa em Bissau lhe recusara visto apesar dos veementes apelos médicos.
Quando um jornal de grande influência denunciou a situação, as autoridades apressaram-se a conceder o visto à mãe de Isabel e aos irmãos menores e uma onda de solidariedade preencheu-lhe finalmente o vazio da casa em que vivia. Que tem a ver o destino desta guineense com aqueles que, no rigoroso frio da Ucrânia, se veem agora na situação de se transformarem em exilados? Aparentemente nada.
Acontece que Portugal fez uma declaração exuberante e o governo instruiu as embaixadas para conceder vistos a ucranianos e considerou-os bem-vindos ao país desde que o queiram. O gesto não merece censura, antes pelo contrário. No entanto, este altruísmo lusitano denuncia o desprimor ou a desestima com que o mesmo país lida com os africanos de quem declara serem de países irmãos. Perante as nossas tragédias, que incluem guerras e outros colossais infortúnios, nunca vi semelhante gesto dadivoso ou prodigalizador.
Há mais de um quarto de século redigi, para o jornal “Público”, um artigo intitulado “A cooperação pelintra”, onde mapeava as misérias desta nossa equívoca relação. Reitero o que então disse. Não me apetece voltar aos argumentos nem sequer alvitrar quem quer que seja. Anoto, neste dia em que a comoção ocidental é unânime sobre o desfortúnio da Ucrânia, a dissimulação ou a insinceridade que está na base das relações entre países.
A história dramática de Isabel é a metáfora de como Portugal trata (ou melhor: destrata) os cidadãos oriundos dos nossos países ou aqueles que deles são progênitos, para não falar dos nascidos em território português, párias ainda hoje e nunca verdadeiramente integrados. É isto resquício desse racismo iniludível, continuamente impugnado oficialmente, ou é produto da hipocrisia que domina a realpolitik?
Fica a pergunta retórica e uma convicção inabalável:
Brancos sim, pretos não!
Maputo, 24 de Fevereiro de 2022
Há duas semanas, em Bruxelas, o Presidente Filipe Nyusi desferiu um profundo golpe na “mouche” dos que pretendem protelar a exploração do nosso gás do Rovuma. (Ele regressou, na semana passada, a Bruxelas para a cimeira União África/Europa). Há duas semanas, Nyusi reclamou o direito soberano de Moçambique decidir explorar o recurso, hoje e já. Foi um grande momento de lucidez do Presidente.
O terrorismo de armas em punho em Cabo Delgado é o grande empecilho contra o gás. O ataque a Palma no ano passado desvendou o objectivo terrorista de paralisar a exploração do gás em terra. A Total zarpou e todas as suas contratadas também. O consórcio MRVP (joint venture a ENI e Exxon) começa a despedir colaboradores e a Decisão Final de Investimento da Exxon adiada "sine die".
A TotalEnergies só regressará quando estiver tudo normalizado. Isso vai levar tempo. Ninguém sabe quando é que as armas se calarao em Cabo Delgado e a população deslocada reassentada de novo em suas terras.
Apesar do “Think Thank” ocidental enfatizar a natureza endógena do terrorismo de Cabo Delgado, ele tem uma forte carga ideológica externa, incluindo seu financiamento. Em Bruxelas, Nyusi teve encontros ao mais alto nível. E, no final de tudo, o Presidente lançou a tirada da soberania do gás. Para quem era o recado? Eis a questão.
A declaração de Nyusi em Bruxelas surgiu no actual contexto de debate sobre a neutralidade do carbono. A ladainha da energia limpa ganhou relevância na recente COP 26 de Glasgow, a Cimeira do Clima da ONU. Os arautos da emergência climática e da erradicação dos combustíveis fósseis barricaram-se contra o gás e o carvão. Se sua narrativa radical tivesse vingado no documento final, Moçambique seria um dos principais prejudicados.
Mas na COP de Glasgow acabou vingando uma moratória (a conferência adaptou a linguagem “redução gradual” (phasing down) em vez da radical “eliminação gradual” (phasing out), o que dá-nos alguns anos para continuarmos a explorar o carvão e o gás.
Ainda bem! Alias, abandonar os fósseis não será num piscar de olhos. E a TotalEnergies já demonstrou, logo depois da COP, compromissos crescentes nos fósseis, incluindo o Rovuma. Seja como for, no ocidente, o pensamento “mainstream” do debate ecológico mostra-se cada vez mais contra os fósseis e surgem, de vez em quando, “lobbies” contra a exploração do gás do Rovuma. Não sei se Nyusi esbarrou com isso em Bruxelas, mas em Glasgow foi patente uma clara demonstração de activismo anti-progresso, protagonizado pela organização Friends of Earth.
Com mentalidade colonial e prática demagógica, esta organização está lutando contra a exploração do gás do Rovuma. Intentou um processo judicial contra a decisão do Reino Unido de ajudar a financiar um projeto de gás de US$ 20 bilhões (S$ 27,3 bilhões), depois da agência UK Export Finance (UKEF) ter concordado em financiar mais de mil milhões de dólares dos 24 mil milhões de Gás Natural Líquido de Moçambique (GNL), da Total.
A acção já está a causar danos “reputacionais” ao Governo. É provável que altere alguma coisa nessa perspectiva de financiamento.
Esta corrente que se barrica contra o gás moçambicano não tem vergonha na cara. Durante décadas, a Europa teve o gás como a sua principal fonte de combustíveis e hoje continua à espera que o gigantesco gasoduto Nord Stream 2, que liga a Rússia e a Alemanha, seja concluído.
Nunca ninguém se opôs ao Nord Stream 2, a não ser no quadro de eventuais sanções à Rússia no caso de uma invasão à Ucrânia. Nunca ninguém se opôs no quadro da neutralidade do carbono. A própria NGO, Friends of the Earth, nunca se opôs ao gás russo. Nunca! Ou seja, no ocidente estão todos quites! E, agora com a iminência da guerra, começam a fazer contas à vida, e o gás entra na equação. Sem o gás russo, a Europa mergulha numa crise profunda.
Ou seja, o gás russo é vital para a Europa e o gás do Rovuma não pode ser explorado por causa da neutralidade do carbono!
Não pode ser! Moçambique tem de lutar pela sua autodeterminação na exploração do seu gás. A declaração do Presidente Nyusi, há duas semanas, em Bruxelas, teve o tom enfático de como essa luta deve ser feita, pelo menos no plano discurso. Com garra e perspicácia!
Em Doha, ontem, Nyusi retomou a toada, agora enfatizando a ideia de "energia de transição" e a exploração como factor de desenvolvimento, paz e estabilidade. Valeu! (Marcelo Mosse)
Declaração de interesse: autor é um dos membros fundadores da Justiça Ambiental (JA), organização parceira da Friends of the Earth. A JA partilha da visão da Friends of the Earth. O autor não!
Seguindo a lógica do fabuloso texto poético do destacado poeta alemão Eugen Bertholt Friedrich Brecht (1898 – 1956) intitulado "intertexto", onde reflecte sobre a falta de empatia ao sofrimento do outrem, fico me questionando quem será o próximo da lista? Da lista dos corruptos que nos irão dirigir e mentir sem piedade para o povo. Quem será o próximo da lista que irá anunciar os resultados eleitorais. Da lista das instituições que irão revelar mais rombo. Da lista dos generais viciados em guerra que a paz não lhes interessa. Da lista dos esquadrões da morte e porque não da lista do negócio da moda, a indústria do sequestro.
As famílias dos empresários que pertencem às comunidades que mais tem sido vítimas deste mal devem estar assustadas porque não sabem qual é a sua posição na lista dos sequestradores. Estes últimos devem estar a discutir entre eles como pegar a sua próxima presa. A polícia deve estar com a página contendo a lista no word aberta para arrolar a próxima vítima. Todos querem saber quem será o próximo da lista. De tanto o problema ser complexo, os políticos andam com o piripiri no bolso para logo que o próximo da lista ser raptado, poderem se atirar nos olhos e fingirem preocupação com o fenómeno, lançando lágrimas em plenas câmaras televisivas.
Quem será a próxima família da lista dos sequestradores que será colocada no desespero durante dias por ter um parente raptado e que terá que pagar um chorudo resgate e, no final do dia, vir o comandante ou porta-voz dizer que houve um sério trabalho de inteligência para poder tirar-lhe do cativeiro. Quem será a próxima vítima da mídia que será transformada num dos maiores sequestradores pela preguiçosa imprensa? Quem será a próxima brigada operativa que realizará uma operação de risco, sem colete de prova de bala e a ser coordenado com uma Directora com sapatos de salto alto e pico fino?
Quem será a próxima vítima a ser raptada nas barbas de uma esquadra? Quem será o próximo a ser arrastado na sua frente e gritando por socorro e todos se mantendo indiferentes? Quem será o próximo a ser espancado e o nosso Maximus vir dizer que se trata de um assunto social? Quem será o próximo a ser morto no modo paquistanês e o caso ficar a vegetar no cacifo do Procurador? Quem será o próximo da lista? Pode ser eu ou você! Ninguém se irá interessar, porque o assunto apenas diz respeito a ti e sua família, porque o bom nome do país já não interessa para quem foi confiado a dirigir esta casa!
Aqui não é lugar para heróis de causas sociais. Porque estás proibido de te indignares. Estás proibido de exigir qualquer coisa. Aqui um simples homem fardado tem coragem de dizer em frente do povo que a esquadra é dele e não do povo que paga impostos e de lá sai o seu salário. Aqui, se decides armar-te em Martin Luther King Jr. levam-te para as masmorras e te acusam de ter rasgado a farda do oficial dia e passas à lista dos detidos injustamente.
A lista já está aberta e é só esperar ser o próximo a ser registado pelas organizações de luta de direitos civis como mais um que passou pela prática do kungu fu dos agentes daquele dia e no final ninguém será responsabilizado. Aqui a lista das empresas que vão receber o dinheiro para construir estradas e pontes que só levaram quatro dias para desmoronar já está feita, aliás, os nomes vencedores andam de maletas do tipo James Bond com altos funcionários do Estado, a questão é só esperar a sua vez para comer e limpar a boca, porque ninguém irá ousar em te levar à barra da justiça, porque quem deveria fazê-lo transforma-se em seu advogado, porque vive daquilo, receber comissões.
Aqui, a sua esposa morre na maternidade e passa para a lista de mais uma das várias pessoas que teve o triste fim, de calhar com uma equipa, naquele dia enquanto haviam combinado uma contribuição monetária de mil Meticais para cada um e a sua amada teve o azar de calhar na vez da enfermeira em questão, e na capulana dela tinha apenas 200 meticais. O importante são as estatísticas negativas e não o valor supremo da vida.
O dirigente inflaciona o número de pessoas afectadas por um determinado fenómeno com o intuito de produzir listas e facturar com elas, através do apoio das organizações internacionais. As organizações gostam das listas para que o relatório seja robusto e tu como vítima ficas te questionando se serás o próximo? Porque não podemos mudar este cenário? Porque gostamos de viver apenas enumerando pessoas, sem interesse pela vida delas? Será pelo capitalismo selvagem e o hipnotizante cheiro das verdinhas no bolso?
Quem inverte esta pirâmide? Talvez eu, porque não você. Quem sabe todos nós, juntos podemos estancar este desejo agudo pelas listas do mal! Vamos dizer NÃO AOS RAPTOS. Não espere que chegue a sua vez para ver o tamanho da barbaridade deste mal que está a destruir vidas! Não deixe que ele seja o próximo da lista!!!