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terça-feira, 11 abril 2023 07:22

Já não se fazem bolos de sura

AlexandreChauqueNova

Os bolos de sura que se faziam aqui eram únicos. De entre os temperos que podiam ser incorporados havia o cardamomo, leve aromatizante que conquistava os paladares mais delicados. Todo o carinho das mãos era convocado no confecionamento desse alimento delicioso que faz parte da nossa culinária e da nossa cultura. Nem era preciso dar-lhe uma pitada de manteiga depois de pronto para o chá como muitos gostam, os bolos de sura por si só, quando feitos com esmero, cumprindo com todos os requisitos recomedados, serão uma iguaria irresistível.

 

Hoje já não se fazem bolos de sura como se fazia antigamente. Dói dizer isto mas é a verdade. Há-os em todo o lado, nos mercados e nas ruas e nas praças. Nas paragens dos autocarros de longo curso os jovens vão a correr com sacos de plástico nas mãos gritando “bolos de sura, bolos de sura”, e os passageiros compram, muitos deles não para comer ao longo da viagem, mas para presentear aos que os esperam no destino, sem saberem que o produto adquirido é falso.

 

O que temos sentido é que a oferta que nos fazem é constituída por massa de trigo, água, açucar e uma leverina qualquer para o bolo “levantar”. De sura não há nada na maioria das vezes, nem cheiro dela, então estamos a ser enganados. Porém, ainda aparece um e outro que nos vende os verdadeiros bolos de sura, mas essa qualidade, regra geral, consegue-se quando o confecionamento é feito por encomenda. O resto é uma burla, salvo raríssimas excepções.

 

O problema é que todos querem vender qualquer coisa, mas os bolos de sura não podem ser qualquer coisa, são peças especiais da nossa existência como bitongas. Então porquê que nos enganam? Se calhar algumas  pessoas que hoje fazem isso nunca saborearam um produto bem feito como se fazia nos tempos. Ser calhar pensam que o bolo de sura é assim mesmo como eles fazem, sem a dose adequada da seiva e sem os temperos dos quais se destaca o cardamomo e a erva doce. Seja como for, estamos perante um cenário triste, que se pode explicar pela necessidade urgente de sobrevivência num panorama de dolorosa pobreza.

 

É como as badjias, já não são as mesmas daquele tempo. As que se vendem por aí, em particular na cidade de Inhambane, não levam cebola em folhas verdes, nem piri-piri. Não têm cheiro, mas os jovens devoram-nas com gula, sem saberem que a verdadeira badjia carece de condimentos que farão dela um petisco da primeira linha. E é com muita saudade e pena que estejamos hoje sem a possibilidade de desfrutarmos de uma boa badjia, em  Inhambane já não tem essa qualidade, nem nas badjias, nem nos bolos de sura (excepto em raríssimas excepções).

 

Mas esta questão faz-se lembrar um episódio em que digo a um perdreiro que construía um muro de vedação: “mestre, não acha que aqui há um pequeno desalinhamento?”. E ele respondeu-me: amigo, o que é que não está desalinhado neste país?

quinta-feira, 06 abril 2023 10:38

Devolver a LAM a proveniência

NandoMeneteNovo

Por algum motivo existe o ditado “o bom filho a casa retorna” que Magala, o titular do Ministério dos Transportes e Comunicações, esqueceu de recorrer - devolvendo as Linhas Aéreas de Moçambique (LAM), antiga DETA, Divisão de Exploração do Transporte Aéreo, aos legítimos pais, os Caminhos de Ferro de Moçambique (CFM) – como a alternativa para inverter a situação ruim em que se encontra a LAM.

 

Depois de mais de 40 anos fora de casa (como saiu não interessa) e a vida a não correr de feição, não surpreenderia a ninguém que um filho, passando por uma situação crónica de apuros, regressasse a casa dos pais. Aliás, os pais até fariam questão no lugar de o ver sofrer.  Uma vez em casa dos pais, estes certamente que fariam (e sabem como fazer) de tudo e do bom para repor a dignidade do seu filho.

 

Não sei por que razão o ministro Magala não optou por esta via – devolvendo a LAM aos CFM - no lugar da medida anunciada ontem: a concessão a uma entidade internacional. Aliás, se o método de concessão é que é a saída estratégica até que joga a favor para a devolução, pois na proveniência esse método é o prato forte e, pelos vistos, com bons resultados.

 

Um outro factor para a sua devolução prende-se com um dos problemas-mor que apoquenta a LAM: o excesso de trabalhadores que sobrecarrega a massa salarial. Mesmo sobre isto, a proveniência tem uma experiência brutal, lembrando que ela é a líder nacional, quiçá regional, da maior reforma ou racionalização histórica de recursos humanos, sobretudo a operária.   

 

Não menos importante e a favor da devolução diz respeito a capacidade da proveniência em lidar ou gerir o modus operandi dos “Donos Disto Tudo” e do próprio Estado. Certamente um arcaboiço estomacal que eventualmente não era apanágio da LAM. 

 

De toda a maneira, ainda acredito que o ministro Magala tenha posto à mesa a possibilidade de devolução da LAM a proveniência. Caso não: acredito que ainda haja tempo.

quinta-feira, 06 abril 2023 08:05

Luisa para presidenta?

MMNOVA22

Ontem de manhã, com uma das salas das Torres Radisson abarrotada e rasgando-se pelas costuras, a antiga Primeira Ministra Luísa Diogo (actual CEO do ABSA em Moçambique), aproveitou um evento de carácter motivacional para testar sua... motivação presidencialista...ou, invertendo a equação, verificar se ela consegue motivar as mulheres moçambicanas das elites políticas e burocráticas de Maputo o suficiente para dar corpo a uma putativa candidatura presidencial pela onda vermelha. 

 

Ela passou nesse teste, diga-se. Se aquela plateia de mais de 200 mulheres fosse o conclave do partido, Luísa Diogo teria passado vitoriosamente pelo crivo dos seus pares.

 

Mas tratava-se de um simpósio de mulheres, organizado por Augusto Pelembe. Chamaram-lhe de Executive Master Classe. A ideia era uma plateia de mulheres executivas, muitas delas nadas e feitas no respaldo da Frelimo, nos percursos ascendentes da burocracia entre partido e o Estado. Nada das mamanas da OMM. Uma adesão em massa, fazendo jus à semana da mulher. A partir das 9 horas.

 

No púlpito há três mulheres que se encaixam bem nesse perfil, escolhidas a dedo para darem seu testemunho. Mody Maleiane, filha de Adriano Maleiane; e Esperança Mandlaze, mulher Mário Mangaze, durante largos anos Presidente do Tribunal Supremo (ainda continua lá como assessor) e...a incontornavel Luisa Diogo, que hoje dirige o ABSA, anos depois ter arbitrado a reprivatização do antigo Banco Austral a favor do...ABSA.

 

Nada das Ivones Soares desta vida! Tudo gente da "situação", do politicamente correcto.

 

A intervenção de Luísa era a mais esperada. Ela discorreu sua espiral de inspiração para o sucesso ao longo dos anos, seu percurso triunfante, onde a disciplina e foco foram a marca d'água duma personalidade lutadora, que nunca deu o braço a torcer. 

 

Falou da escadaria dessa caminhada e seus espinhos, mostrando que não queimou etapas, que subiu degrau a degrau até chegar a Primeira Ministra. (Desde o Banco Mundial até à entrada para o Governo como Ministra do Plano e Finanças entre 1999 e 2005 e, a partir de fevereiro de 2004 com a saída Pascoal Mucumbi, acumulando com a pasta de Primeira Ministra, donde do saiu em Janeiro de 2010, quando Guebuza, reeleito, a substituiu por Aires Ali).

 

Um percurso que inspira muitas mulheres, como se viu hoje. Luísa Diogo mostrou que era possível. E a plateia, que escutava atentamente, vibrou. Mas vibrou mais quando Luísa, já como remate final, declarou: já fiz tudo desde baixo até o topo, já assumi as funções de Primeira Ministra, o que é que me falta?

 

Em uníssono, a plateia devolveu: ser Presidente da República. 

 

E depois veio um aplauso de minutos, ininterruptos, que encerraram o evento já depois das 12 horas. Na tez, nas mentes, no imaginário de todos, a imagem de uma Luísa Diogo na Ponta Vermelha.

 

E houve quem mesmo lhe perguntasse: É isso? 

 

Ela não abriu o jogo, deixando no ar as dúvidas sobre quem, de vez em quando, vem testando sua aceitação pública (urbana, entre as elites) para Presidência da República de Moçambique. 

 

Luisa, Presidenta? A ver vamos!

quarta-feira, 05 abril 2023 07:18

Taxa de Rodagem, Cultura e Outras Contribuições

Belarmino Lovane

Havendo a necessidade de regulamentar as actividades audiovisuais e cinematográficas em Moçambique, em conformidade com o disposto no artigo 37 da Lei n.º 1/2017, de 6 de Janeiro, o Conselho de Ministros, através do Decreto n.º 41/2017, de 4 de Agosto, aprovou o Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema. Trata-se, pois, de um instrumento que estabelece os mecanismos de aplicação da referida lei.

 

Com efeito, o espírito de criação deste instrumento legal materializa, de forma fiel, o conceito das indústrias culturais e criativas institucionalizado no País. Ora, se assumirmos que a cultura tem a potencialidade de contribuir para o desenvolvimento económico nacional, logo, é necessário instituir mecanismos que possibilitem aos fazedores das artes e cultura a contribuírem para o crescimento económico do País, fazendo jus ao pressuposto institucionalizado.

 

Aliás, o n.º 1 do artigo 63 (do supracitado decreto) indica, por exemplo, que 60% do valor das taxas fixadas no Regulamento da Lei do Audiovisual e do Cinema se destinam ao Orçamento do Estado; 25% ao Fundo para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC) – organismo de apoio artístico-cultural no País; e 15% para o Instituto Nacional Audiovisual e Cinema (INAC). Estes valores, em primeira análise, revertem-se em benefício do desenvolvimento do sector e contribuem para o crescimento da economia nacional. 

 

Mas onde reside o problema? 

 

  1. No artigo 54 da lei supra, lê-se: “A autorização de rodagem e pesquisa de produção nacional incide sobre o orçamento da produção, desde que não seja inferior ao salário mínimo em vigor na Função Pública.” 

 

Ao que se pode depreender, provavelmente, o problema não seja usar como base o salário mínimo para definir a taxa, mas a sua universalização. Assim, este dispositivo legal, além de não ser razoável, peca justamente por não criar categorias de pagamentos, pois, no nosso entender, não parece o mais acertado colocar no mesmo nível de pagamento um artista conceituado e um iniciante. Este, geralmente, usa recursos próprios para produzir a sua obra, e enfrenta diversas dificuldades, principalmente para a promover. A sua esperança, para uma projecção nacional, é ver a sua obra promovida na televisão. Por isso, parece-nos contraproducente que, num contexto de apoio cultural público e privado deficitário, ainda se tenha que cobrar a este novo talento uma taxa desta natureza. Aqui, o legislador é chamado a categorizar e/ou criar níveis de pagamentos, usando qualificadores que melhor se ajustem à nossa realidade sócio-económica.

 

Não obstante, é preciso reconhecer que há artistas estabelecidos. Para estes, parece-nos prudente que se cobre uma taxa de acordo com os níveis de crescimento económico do País, sendo o salário mínimo um dos indicadores. Em outros contextos, em que os artistas possuem uma “Carteira”, as taxas são cobradas baseando-se na classe da “Carteira do Artista”, ou seja, o artista de Classe A não paga a mesma taxa que o artista de Classe B, e assim sucessivamente. Portanto, este método evitaria o que estamos a assistir no País: a universalização das taxas e as suas inevitáveis consequências.

 

  1. O actual contexto: Para o Governo de Moçambique (GM), a economia Moçambicana tem sido afectada por sucessivos choques internos e externos, com destaque para os efeitos das mudanças climáticas, as acções terroristas em Cabo Delgado, a Pandemia do Covid-19 e, mais recentemente, o conflito na Ucrânia”.

 

Segundo o posicionamento do Governo, o País está numa situação crítica, pelo que, para reverter este cenário, anunciou o lançamento do Pacote de Medidas de Aceleração Económica (PAE), através do qual indicou 20 medidas para a retoma do crescimento económico. Porém, nenhuma destas faz menção directa ao sector cultural. Desta feita, é dissonante que, num contexto em que vendemos uma narrativa segundo a qual a cultura contribui para a economia nacional, esta não seja um dos beneficiários directo do PAE e de outras medidas de alívio económico.

 

Em contextos de Covid-19, para conter a propagação desta pandemia e salvaguardar a saúde pública no País, os artistas viram-se obrigados a ficar muito tempo em casa. Como resultado, alguns perderam contratos, os promotores de eventos ficaram estagnados, e as produtoras sem alternativas. E hoje, apesar de estar previsto na lei, não nos parece acertado, olhando para o actual contexto, cobrar taxas de rodagem nestes níveis. Ao proceder-se deste modo, ao invés de se fortalecer uma economia cultural, estaremos a matar a pouca esperança que a classe tem na estabilização das suas carreiras artísticas.

 

Por conseguinte, no nosso entender, a solução para este problema não passa necessariamente pela revisão da lei, pois os seus procedimentos levam tempo. Infelizmente, perdemos a oportunidade, no âmbito do PAE e de outras medidas anunciadas pelo Governo, de propor o não pagamento desta e de outras taxas num determinado período, enquanto o sector procura criar mecanismos para se estabelecer. 

 

Portanto, o Ministério da Cultura e Turismo (MCT) deve pensar num dispositivo legal de alívio ao sector cultural e criativo, apresentando argumentos plausíveis junto ao Governo central sobre a necessidade de se criar facilidades aos trabalhadores das artes e cultura, considerando o actual contexto económico do País. Alternativamente, com o apoio do sector privado, de financiadores nacionais e internacionais, o Governo pode pensar num programa de apoio cultural, subsidiando os artistas no pagamento de algumas taxas, usando como justificativa a mitigação dos efeitos da Covid-19 (como acontece nos transportes públicos e em outros sectores). Enquanto isso, continuamos a sonhar com um “Programa SUSTENTA” na cultura; um “Programa EMPREGA” na cultura; entre outras iniciativas de financiamento que o Governo institui para os outros sectores. Why not?

terça-feira, 04 abril 2023 10:02

Mwali *

AlexandreChauqueNova

Enquanto lá fora a chuva cai em liberdade, tamborilando por sobre as chapas de zinco, Mwali está absorta em pensamentos que a levam aos tempos em que, com o marido, partilhava a vida intensa que ressurgia em cada precalço, trazendo mais labaredas de fogo ao amor dos dois, como se tudo o mais não importasse. Ela está deitada de costas por debaixo dos lençóis que a cobrem até à cintura, com as pernas flectidas, na enorme cama que agora, após o companheiro ter morrido enquanto dormia, depois da esbórnia, perdeu o conforto. Toda a casa está despojada de graça, até o relógio de pêndulo, dependurado na parede da sala já não a diz nada, quem dava valor ao tempo e às horas da Mwali era Mbata que, terminadas as caminhadas que fez na terra, deu o último suspiro numa madrugada de domingo abraçado à mulher que dormia profundamente como ele.

 

Chove desde a noite e já são nove da manhã. Os céus paráram de ribombar nos seus insuperáveis sons, mas a chuva não! Chove intermitentemente ora em silêncio, ora em rajadas, despertando na mulher as lindas lembranças da cumplicidade com o companheiro, que se tornam muito mais lindas hoje, mesmo estando sòzinha sem o homem que dava todo o sentido à sua vida. Mas se esta – diz Mwali apertando no peito o livro aberto – é a minha história, então deixa-me vivê-la no cume, onde o meu marido gostava de estar comigo. Recuso-me a desvanecer pois, se assim o fizesse, estaria a espetar a lança da dor na alma do Mbata, que será para sempre o meu baluarte.

 

Mbata era um bom homem, muito embora fosse negligente no que diz respeito aos cuidados com a sua saúde. Fumava de forma inveterada, e provavelmente terá sido ele mesmo a influenciar a mulher a enveredar por esse vício. Mwali fuma demais. Muito demais, e quando está em órbita no eixo do fumo e da bebida, liberta as palavras em cascata para uma plateia constituída quase sempre pelas mesmas pessoas, que a escutam com avidez nas barracas espalhadas pelo bairro Chalambe onde mora, palavras eivadas de poesia, assim como falava o marido, sempre pronto a meter flores mesmo naquilo que parecia um vaso partido, sem condições de preservar a humidade. Só assim, pintando  as palavras com as cores da imaginação, como ele próprio dizia à companheira, é que vale a pena conversar. Se não fizeres isso, não é conversa. É demagogia.

 

Mwali ficou com esses ensinamentos de uma pessoa que partiu sem lhe deixar filhos, Não importa, Mbata passou-me, como testemunho, a imensa luz do candelabro que ele era, e será para sempre. Estes livros todos arrumados meticolosamente na estante, e outros encaixotados,  embora nunca os tenha lido, sinto-os como se os tivesse devorado. Conheço a história contida de cada um deles, tornei-me uma fonte que não pára de borbulhar água fresca para o leito dos rios, mas na verdade essa fonte foi construída dentro de mim pelo meu marido. Ele lia, e a  única pessoa que tinha de imediato para contar todo o enredo, era eu, sem ele saber que estava fazendo de mim um fiel depositário da sua doce loucura. É esse, o elo mais forte que me prendia ao Mbata.

 

*Excerto do livro “Mwali”, de Alexandre Chaúque, no prelo

Adelino Buqueeeee min

“Ódio mortal ou ódio figadal. Sentimento de ódio muito intenso e leva uma pessoa a desejar a morte de outra. (sentimento de profunda inimizade, aversão instintiva direccionada a; antipatia, repugnância)”

 

In Dicionário Online

 

A morte do músico Azagaia despertou, na sociedade moçambicana, um dos sentimentos mais perigosos da existência humana, o Ódio. A ideia com que fico, posso estar errado, é de que muitos estão interpretando erradamente aquilo que foi o pensamento do próprio músico Azagaia em termos de políticas internas nacionais. O pensamento do músico Azagaia, na minha opinião, é fruto da primeira República de Moçambique, proclamada e dirigida por Samora Moisés Machel, a denominada República Popular de Moçambique.

 

Uma das frases de que é lembrado o músico Azagaia é “Povo no Poder” e Samora Moisés Machel teria em seu tempo dito: “façamos da escola, a base para o povo tomar o poder” e esta frase era como que palavra de ordem, podia ser vista em estabelecimentos escolares e outros lugares de interesse público e repetia, “Povo no Poder”. Depois de Samora Moisés Machel, quem teve sempre em mente esta palavra de ordem é também o saudoso Marcelino dos Santos, que, em quase todas as suas intervenções, colocava a ideia de que o povo deve estar acima de qualquer pensamento e filosofia partidária.

 

Dito isto, quero chamar a atenção daqueles que, hoje, falam do músico Azagaia como sendo o cidadão que esteve contra a Frelimo, não! Azagaia nunca esteve contra a Frelimo, esteve, isso sim, contra o “desvio” político que a Frelimo teve e creio contínua, com a morte de Samora Machel e a entrada da economia do mercado acompanhado do multipartidarismo. Pode parecer curiosa esta reflexão, quando me refiro ao multipartidarismo, mas é pura verdade, a ideia do povo no poder não é, no meu pensamento, aplicável numa economia do mercado, onde o poder é por excelência dominado pelo capital!

 

O músico Azagaia nunca foi simpatizante da Renamo e nem do MDM. Para Azagaia, todos os partidos políticos eram “farinha do mesmo saco” cujo interesse é chegar ao poder para se apropriar do bem comum e o testemunho disso é que a nossa Assembleia da República, constituída por três Bancadas, quando se trata de benefícios para eles, são unânimes e “Fingem” discordância quando se trata de legislar no interesse público. veja-se as últimas manifestações do partido Renamo na Assembleia da República, veja-se o abandono do partido MDM da sala de sessões. Mostra que, efectivamente, não há interesse de debate do que pode beneficiar o público.

 

Pessoalmente, sempre tenho escrito e defendido que, se quisermos continuar como um País “uno e indivisível”, devemos rever a oportunidade das eleições Distritais que, pessoalmente, penso que será um fim da República e a criação de pequenos “Batustões” à semelhança da África do Sul do Apartheid. A ideia não é que não se venha implementar as Autarquias Distritais, a questão é a oportunidade da sua implementação e o impacto Sócio-político e Económico que isso trará. Interessa-nos ou não a questão é lutar pelo poder a qualquer custo!

 

Virão os legalistas dizer: “a Constituição da República é de cumprimento obrigatório” e eu retrucaria questionando: mesmo que nos estejamos precipitando ao abismo!? Não creio que seja assim, é verdade que a Frelimo tem e continuará tendo seus próprios “pecados” de que resulta a falta de confiança entre as partes, mas não creio, certamente, que seja este caso: pensar no terceiro mandato de Filipe Nyusi!? Creio que essa parte cabe ao partido Frelimo decidir, nenhuma sociedade civil poderá impedir, legalmente, se a Frelimo assim o desejar, pois, usará as armas de que dispõe, quer na Assembleia da República, quer no processo de Governação. Por isso não é por aí, na minha opinião, aliás, a aprovação, pela Bancada Parlamentar da Frelimo, da Lei que altera o período da convocação das eleições gerais, das Assembleias Provinciais e da República é disso testemunha.

 

O caro leitor questionará: então a sociedade civil deve manter-se calada e impávida perante esse comportamento? A resposta é que não, a sociedade civil deve, de forma estruturada e organizada, interpelar os partidos políticos, para persuadi-los sobre o mal que determinadas decisões podem acarretar. A sociedade civil deve, na minha opinião, sensibilizar a sociedade para o despertar sobre determinadas matérias e seu alcance para que não prejudique a própria sociedade. Isso sim, penso que pode ser o papel da sociedade civil.

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