As manifestações convocadas pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane para repudiar os resultados fraudulentos pós-eleitorais podem levar o Banco de Moçambique a suspender o corte que tem vindo a fazer na Taxa de Juro de Política Monetária (Taxa MIMO), que em Setembro passado caiu de 14,25% para os actuais 13,50%, devido à contínua consolidação das perspectivas da inflação em um dígito, no médio prazo.
O posicionamento é do Economista-chefe do Standard Bank Moçambique, Fáusio Mussá, expresso no relatório do inquérito mensal às empresas do sector privado sobre a actividade económica, designado Purchasing Managers’ Index (PMI), referente ao mês de Outubro. “O ambiente tenso pós-eleitoral poderá levar o Banco de Moçambique a adoptar uma abordagem mais prudente relativamente à normalização da política monetária. Portanto, não descartamos uma pausa nos cortes da taxa de juro de referência”, diz o economista no PMI.
Mussá calculou que, desde Janeiro a esta parte, a taxa de juro de referência MIMO foi reduzida num total de 375 pontos base (3,75%), para o nível actual de 13,5%, mas as taxas de juro reais mantiveram-se elevadas, uma vez que a inflação tem diminuído a um ritmo mais rápido, com o valor mais recente de 2,5% em Setembro, em termos homólogos. “Este cenário, aliado ao facto de as reservas mínimas obrigatórias se manterem inalteradas e altas, reprime o crescimento do crédito”, defendeu o economista.
Sobre os resultados do último relatório do PMI que diminuiu para um nível corrigido de sazonalidade de 50,2 em Outubro, em relação ao valor de 50,3 registado em Setembro, Mussá entende que esta evolução reflecte sobretudo um crescimento mais brando das novas encomendas e do emprego, em comparação com o mês anterior.
Os registos do PMI acima do valor de referência de 50 sugerem um crescimento mensal consecutivo na actividade económica. “Os atrasos recorrentes dos projectos de gás natural liquefeito (GNL) apontam para que o investimento directo estrangeiro (IDE) provavelmente permaneça reduzido, o que implica um apoio limitado à oferta de divisas e ao orçamento do Estado e um crescimento mais brando do Produto Interno Bruto (PIB)”, acrescentou o bancário.
O Standard Bank Moçambique mantém a sua perspectiva de que, este ano, o crescimento do PIB irá desacelerar para 3,6% em termos homólogos, em relação aos 5,4% do ano passado, visto que os efeitos de base favoráveis, decorrentes do aumento da produção de GNL na plataforma Coral Sul, irão provavelmente diminuir. Além disso, a instituição entende que a economia se depara com uma oferta intermitente de divisas, pressões fiscais persistentes, condições de financiamento restritivas e baixo investimento. (Carta)
Várias dezenas de pessoas manifestaram-se ontem em Lisboa em defesa de justiça para Moçambique, face à instabilidade que se vive desde as eleições de outubro, com a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana a anunciar a vitória da Frelimo.
Perto do centro do Terreiro do Paço, mais de meia centena de manifestantes entoaram cânticos e gritaram “liberdade ou morte”, enquanto se agitavam cartazes de protestos e bandeiras moçambicanas. “Não queremos um governo mentiroso”, “Chega de mortes”, “Fim da ditadura” ou “Queremos Frelimo fora do poder” eram algumas das mensagens que se liam nos cartazes, entre a curiosidade de alguns turistas que passavam à volta do protesto e tiravam fotografias.
Um dos manifestantes tomou o megafone em punho e anunciou que o protesto não era em nome do candidato presidencial Venâncio Mondlane ou do partido PODEMOS (Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique), que apoiou a sua candidatura, mas, sim, pelo povo.
Contudo, Hércio Chiziane contou à Lusa que os moçambicanos estão com o candidato e rejeitou que Venâncio Mondlane esteja a causar os tumultos no país. “O povo moçambicano já estava ansioso por um líder, nós só precisávamos que alguém nos desse um impulso. Este Governo, que governa há mais de 49 anos, oprimiu o povo durante todo esse tempo… o povo já estava cansado e está farto. Só foi preciso alguém com mais coragem aparecer para o povo despertar. O Venâncio [Mondlane] é o impulso que nos faltava”, afirmou, acusando de seguida a Frelimo de estar por detrás do atual clima de tensão.
A viver em Portugal há oito anos, Hércio Chiziane, de 33 anos, considerou que os resultados anunciados pela CNE moçambicana “são falsos”, contestando a vitória do candidato Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975), na eleição para Presidente da República de 09 de outubro, com 70,67% dos votos, enquanto Venâncio Mondlane ficou em segundo, com 20,32%.
“A Frelimo não perdeu as eleições de hoje, já tem perdido há mais de 30 anos”, atirou o manifestante, lembrando que os jovens representam 66% da população e que “nenhum jovem hoje em dia iria votar na Frelimo”, face ao que disse ser o sentimento de insatisfação generalizado com as políticas do Governo moçambicano.
Entre os jovens estava Sílvia Henriques, de 26 anos, que trocou Moçambique por Portugal há cerca de dois anos. Antes de começar a falar, secou as lágrimas pela situação no país, confortada com o abraço de outro dos manifestantes.
“Não são as cores partidárias que fazem um povo. É por isso que estamos aqui, na diáspora e distantes do nosso país, a fazer a nossa luta, a contribuir de forma positiva para que a nossa nação seja de paz e não de guerra ou corrupção, que é o que está a acontecer. O nosso Governo está à frente de todas estas mortes”, denunciou.
As mortes já registadas, os tumultos e a repressão policial de manifestantes representam, para Sílvia Henriques, que Moçambique já está “numa guerra civil” por causa do que considera ser uma “fraude eleitoral” nestas eleições, cujos resultados ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
“O povo está a clamar por justiça… Não é só em Maputo, é todo o país, são todas as províncias que clamam. Conseguimos ver as ruas de todas as cidades lotadas, as pessoas querendo que a justiça eleitoral seja reposta”, sustentou, continuando: “Estamos aqui na Praça do Comércio para dizer chega e que não queremos mais que o povo moçambicano esteja em apuros”.
Com uma bandeira moçambicana nas mãos, Smart Mucache, de 46 anos, revelou à Lusa que deixou Moçambique há apenas um ano por razões económicas e sociais decorrentes das decisões políticas, sublinhando que isso “vai acontecer com muito mais gente”, se a situação do país não se alterar entretanto. Ao contrário de Sílvia Henriques, não vê o país num clima de pré-guerra civil, mas apenas por uma razão: a falta de armas.
“Se tivesse armas, já estaríamos numa guerra civil. O que o povo tem é sede de justiça social. Fomos a eleições, as pessoas votaram no candidato que acharam que tem a capacidade e o interesse de governar o país com justiça e essa vontade do povo não foi respeitada. E eles querem simplesmente usurpar o poder, porque têm armas. O povo não tem como lutar contra eles, mas, se fosse possível, o povo iria fazer uma guerra civil”, defendeu.
Considerando que os resultados eleitorais anunciados “vão muito além de uma fraude” e que constituem “um insulto ao direito de escolha de um povo”, este manifestante referiu que Venâncio Mondlane corre risco de vida. “A Frelimo é um partido sanguinário, está habituado a matar. Não teria vergonha nenhuma em tirar-lhe a vida”, resumiu.
Em comum, os três manifestantes expressaram à Lusa o desejo de ver Portugal adotar uma posição diferente e mais assertiva sobre a tensão e os resultados das eleições no país. “É uma vergonha o Governo português não se manifestar e não condenar. Eles têm de entender qual é a vontade do povo”, realçou Hércio Chiziane, secundado por Sílvia Henriques, que manifestou “esperança de que o povo português também zele por Moçambique”, enquanto Smart Mucache duvida que os governantes tomem “a posição correta perante esta situação”, por considerar que “estão mais preocupados com os seus interesses económicos”.
Hoje cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em Moçambique, com a generalidade dos protestos a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados. Refira-se que esta foi a segunda marcha de protesto a ter lugar em Lisboa em menos de uma semana. A primeira aconteceu no último sábado. (Lusa)
Só na terça-feira, foram baleados mortalmente nove cidadãos, sendo três em Mocuba, na Zambézia, cinco nas cidades de Maputo e Matola e um em Tete. Mas, os números podem ser bem maiores porque há mortos por baleamento que não são declarados pelos Serviços de Saúde e outros que estão em estado grave e que poderão perder, ou já ter perdido, a vida dias depois dos baleamentos.
Contas feitas mostram que em cinco dias foram assassinados pela Polícia da República de Moçambique mais de 20 cidadãos. Mas, vamos às contas dos assassinados confirmados pelos nossos correspondentes em todos os distritos. No primeiro dos oito dias de manifestações, foram registados quatro manifestantes assassinados, dois em Maputo e dois em Pebane, na Zambézia. Em Pebane, os assassinados foram dois adolescentes de 14 e 17 anos de idade.
Entre o segundo e o terceiro dia, foram mortos por balas da Polícia seis manifestantes: dois na cidade de Nampula, dois em Namialo, no distrito de Meconta, um na vila de Mecubúri e outro em Nametil, sede distrital de Mogovolas.
Entre o quarto e o quinto dia, foram assassinados 10 cidadãos pela Polícia: três em Mocuba, na Zambézia, três na cidade de Maputo, três na Matola e um na cidade de Tete. E há desaparecidos. Um dos assassinatos na Matola ocorreu, ontem, no bairro da Matola-Gare, quando a polícia baleou um jovem na sua residência. O jovem foi levado para o hospital pelo cunhado, porque a esposa tinha desmaiado quando soube do seu baleamento. A sua morte foi confirmado no Centro de Saúde de Matola Gare. (CIP Eleições)
O candidato presidencial Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados anunciados das eleições gerais de 09 de outubro em Moçambique, anunciou ontem que as manifestações de protesto são para manter até que seja reposta a verdade eleitoral.
“Se não houver reposição da verdade eleitoral, estas manifestações não vão parar. Vamos ocupar a cidade de Maputo até se devolver a vontade do povo. Caso contrário, a cidade de Maputo vai ficar ocupada de uma forma indefinida. Sem prazo. Até à devolução dos resultados eleitorais. É isso que queremos”, afirmou.
Mondlane, que fez o anúncio numa ‘live’ na rede social Facebook, acusou a Polícia de estar a saquear estabelecimentos comerciais e, no bairro de Maxaquene, de ter matado duas pessoas. “O povo está disponível para tomar o poder e vai tomar o poder. A hora já chegou e o povo já tomou o poder”, frisou, referindo-se aos populares que estão nas ruas da capital moçambicana.
Dirigindo-se às forças de segurança e aos militares, Mondlane instou-os a colocarem-se ao lado do povo. “Temos muitos militares que estão neste momento a ter uma ação exemplar, de patriotas. Não temos nenhum registo de um militar que tenha disparado contra o povo. Alguns polícias, nalgumas ruas, estão a colaborar com o povo. Continuem assim e passem a mensagem para outros polícias”, sublinhou.
O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, em 24 de outubro, dos resultados das eleições de 09 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frelimo na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para esta quinta-feira.
Ontem cumpriu-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.
Sem dizer onde se encontra, Venâncio Mondlane disse que não está a participar nas marchas porque o povo lhe pediu. “Não estou aí nas marchas porque o povo pediu. O povo ordenou: ‘Venâncio não sai de onde você está’. Estou a cumprir o que o povo me está a obrigar a fazer”, justificou. (Lusa)
Várias pessoas foram hoje detidas no centro de Maputo na sequência de pilhagens a lojas num centro comercial no centro de Maputo, palco de manifestações a contestar os resultados das eleições gerais.
Segundo um segurança do centro comercial localizado na Avenida Acordos de Lusaka, no centro de Maputo, "mais de 100 invadiram e vandalizaram duas lojas".
A polícia tentou depois recuperar material roubado, como televisores, telemóveis ou frigoríficos.
Na capital moçambicana veem-se grandes colunas de fumo, sobretudo devido a pneus a arder em várias ruas, e ouvem-se constantemente disparos de balas reais e explosões de granadas.
A polícia começou esta manhã a dispersar, com gás lacrimogéneo, os manifestantes que tentavam chegar ao centro de Maputo a partir dos subúrbios e, por sua vez, estes responderam arremessando pedras e garrafas contra a polícia.
Nas principais ruas de Maputo e nos bairros suburbanos há uma forte presença da polícia e militares, com viaturas blindadas e elementos da Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
Tal como acontece há uma semana, hoje registam-se novamente fortes condicionalismos no acesso à Internet, nomeadamente redes sociais.
O anúncio pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique a 24 de outubro, em que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) na eleição a Presidente da República, com 70,67% dos votos, espoletou protestos populares, convocados por Venâncio Mondlane.
Segundo a CNE, Mondlane ficou em segundo lugar, com 20,32%, mas este afirmou não reconhecer os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para hoje.
A Ordem dos Advogados de Moçambique alertou que "existem todos os condimentos” para que haja “um banho de sangue", apelando a "um diálogo genuíno" para que isso não aconteça.
Hoje cumpre-se o oitavo dia de paralisação e manifestações em todo o país, com a generalidade a levar à intervenção da polícia, que dispersa com tiros e gás lacrimogéneo, enquanto os manifestantes cortam avenidas, atiram pedras e incendeiam equipamentos públicos e privados.(Lusa)
Está em chamas e tomada de militares e atiradores de elite, desde a manhã desta quinta-feira, a cidade de Maputo, o maior e mais importante centro urbano de Moçambique. Tal como estava agendado, milhares de manifestantes deslocaram-se na manhã de hoje ao centro da capital moçambicana, no âmbito da realização da “grande marcha”, convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, em protesto aos resultados eleitorais de 09 de Outubro.
Empunhando dísticos e a bandeira nacional e entoando cânticos de apoio ao “candidato do povo”, incluindo o hino nacional, os manifestantes ocuparam as Avenidas Vladimir Lenine, Joaquim Chissano, Julius Nyerere, Acordos de Lusaka e de Moçambique, num cenário jamais visto no país. Todas ruas e avenidas da capital ficaram cortadas para o trânsito que, aliás, já se mostrava tímido logo de manhã.
Logo cedo, refira-se, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique posicionaram militares do ramo do Exército nas ruas, avenidas e praças da capital, devidamente armados e equipados com coletes à prova de bala. Igualmente, a Polícia da República de Moçambique colocou dezenas de blindados e agentes da Unidade de Intervenção Rápida (Polícia antimotim), Unidade Canina e do Grupo de Operações Especiais (atiradores de elite) nas principais entradas da Cidade de Maputo para impedir a entrada dos manifestantes na capital do país.
Mas, debalde! Milhares de manifestantes irromperam pelas principais avenidas da capital do país, com destaque para a Avenida Eduardo Mondlane, uma das maiores e principais da Cidade de Maputo. Nesta via, os manifestantes, desarmados e indefesos, caminhavam lentamente em direcção ao Hospital Central de Maputo, até que um contingente militar impediu a sua passagem a menos de 3 Km da Presidência da República, assim como do Palácio da Ponta Vermelha, a residência oficial do Chefe de Estado.
Neste ponto de paragem, a interação entre os militares e manifestantes era cordial. Porém, o cenário mudou com a chegada da Polícia antimotim que, como sempre, começou a lançar gás lacrimogénio e a disparar balas verdadeiras contra os manifestantes. Da dispersão dos manifestantes, começaram os tumultos, caracterizados por queima de pneus e colocação de barricadas em plena Eduardo Mondlane.
Cenário idêntico verificou-se nas Avenidas Joaquim Chissano, Acordos de Lusaka e Vladimir Lenine, onde a Polícia antimotim voltou a ser protagonista das cenas de guerra, lançando gás lacrimogénio e disparando balas de borracha contra os manifestantes. Aliás, logo cedo, a Unidade de Intervenção Rápida foi lançar gás lacrimogénio nas residências no bairro Luís Cabral, o que causou repulsa aos moradores, que saíram em massa para pedir explicações.
À margem das manifestações populares, um grupo de supostos manifestantes, residente no histórico bairro da Mafalala, ao longo da Avenida Acordos de Lusaka, invadiu um centro comercial e vandalizou uma loja de venda de eletrodomésticos e mobiliários, de onde retirou, entre vários bens, televisores, geleiras, congeladores e colchões. O mesmo cenário ocorreu num contentor frigorífico, no bairro de Luís Cabral, onde populares levaram caixas de carne de frango.
Até ao momento, não há dados oficiais sobre o número de detidos das manifestações de hoje, mas vídeos amadores mostram dezenas de feridos por balas verdadeiras, de borracha e por cartuchos de gás lacrimogénio, o principal parto servido pela Polícia aos civis desde o dia 21 de Outubro.
Lembre-se que hoje é o oitavo e último dia das manifestações convocadas por Venâncio Mondlane, naquela que designou como sendo a terceira fase da paralisação da actividade económica no país.
Desde o início das manifestações, a 21 de Outubro último, o país já esteve paralisado 11 dias, com o registo de pelo menos 16 mortos, em 108 baleados pela Polícia, de acordo com os dados da Associação Médica de Moçambique. (Carta)
A Amnistia Internacional apelou hoje ao Governo moçambicano para pôr fim à violenta repressão pós-eleitoral antes da marcha agendada para hoje em Maputo, respeitando os direitos de todos à liberdade de expressão.
Em comunicado, a Amnistia Internacional considera que a crise em Moçambique “é a pior repressão dos últimos anos contra os protestos no país”, lembrando que a polícia já matou “mais de 20 pessoas e feriu ou prendeu centenas de outras”.
A nota da Amnistia Internacional surge no dia para o qual está agendada uma manifestação, em Maputo, convocada pelo candidato presidencial Venâncio Mondlane, contra os resultados eleitorais.
“As últimas duas semanas em Moçambique foram marcadas por um derramamento de sangue completamente desnecessário, uma vez que as autoridades tentaram parar um movimento de protesto pacífico com força letal”, afirma a Amnistia.
Citado no comunicado, o diretor regional adjunto da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral, Khanyo Farise, sublinha: “As pessoas nem sequer podem protestar nas suas próprias casas sem correrem o risco de serem atingidas por gás lacrimogéneo pela polícia”.
Os protestos foram espoletados pelo anúncio da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique, a 24 de outubro, que atribuiu a vitória a Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975) na eleição para a Presidência da República, com 70,67% dos votos.
Os movimentos de contestação foram desencadeados por Venâncio Mondlane, que segundo a CNE ficou em segundo lugar (20,32%), mas que não reconheceu os resultados, que ainda têm de ser validados e proclamados pelo Conselho Constitucional.
Após protestos nas ruas que paralisaram o país, Mondlane convocou novamente a população para uma paralisação geral de sete dias, desde 31 de outubro, com protestos nacionais e uma manifestação concentrada em Maputo convocada para hoje.
Na nota hoje divulgada, a Amnistia recorda que, além da repressão violenta da contestação, o Governo “cortou repetidamente o acesso à Internet em todo o país” e “bloqueou os sítios das redes sociais durante quase uma semana”.
“Homens armados desconhecidos assassinaram duas figuras importantes da oposição [Elvino Dias e Paulo Guambe] e o líder da oposição Venâncio Mondlane está escondido”, refere a organização, sublinhando que o Governo moçambicano “tem a responsabilidade primária” de respeitar e defender os direitos humanos.
Apela ainda aos países vizinhos e às organizações internacionais, incluindo a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral e a União Africana, para se pronunciarem “vigorosamente” para evitar mais mortes ilegais e outras violações dos direitos humanos.
“Este capítulo ultrajante da história de Moçambique deve terminar agora e os autores devem ser levados à justiça. O Governo de Moçambique tem de recuar para evitar mais violações dos direitos humanos”, considera Khanyo Farise. (Lusa)
Um grupo de manifestantes derrubou, na terça-feira, a estátua do Presidente da República, erguida na Escola Secundária Engenheiro Filipe Jacinto Nyusi (em homenagem ao próprio Presidente), localizada no distrito de Boane, província de Maputo. O acto ocorreu de manhã e, até ao princípio da tarde daquele dia, os manifestantes circulavam em massa pelas ruas do bairro Belo Horizonte, exibindo a cabeça da estátua do Chefe de Estado.
Informações colhidas pela “Carta” indicam que antes de invadirem a Escola, onde decorriam avaliações finais, os moradores de Belo Horizonte (que residem nas proximidades da Escola) contactaram o Director daquele estabelecimento de ensino, pedindo para que evacuasse os alunos, pois, havia um grupo de manifestantes que se deslocavam àquele local com a intenção de remover a estátua.
Nesse momento, contam testemunhas, o caos instalou-se na escola, com os professores e alunos a entrarem em pânico. Aliás, durante a evacuação da Escola, alguns alunos ficaram feridos e vestígios de sangue ainda permanecem no pátio da Escola.
Aos gritos e em pânico, os poucos alunos que não conseguiram sair da Escola assistiram à destruição da estátua de Filipe Jacinto Nyusi pelos manifestantes que, curiosamente, foram escoltados pela Polícia no seu trajeto de ida e volta àquele estabelecimento de ensino, de acordo com os testemunhos recolhidos pela “Carta”.
Nesta quarta-feira, a Escola esteve encerrada, com todos os portões trancados, numa altura em que as avaliações ainda estavam em andamento. Recordar que a Escola Secundária em causa foi inaugurada no dia 31 de Janeiro de 2022, exactamente pelo Chefe de Estado, sendo que a sua estátua foi colocada há menos de um ano. (M.A.)
A fronteira terrestre de Ressano Garcia, localizada no distrito da Moamba, província de Maputo, está encerrada desde a manhã de ontem em consequência de actos de vandalismo protagonizados por manifestantes na tarde e noite de terça-feira, que destruíram toda infra-estrutura de apoio, incluindo viaturas. Ressano Garcia é a maior fronteira terrestre do país e liga Moçambique à África do Sul.
Testemunhas dizem que tudo começou quando os moradores de Ressano Garcia decidiram realizar uma manifestação pacífica. Durante a manifestação, um agente da migração começou a disparar e baleou mortalmente um dos manifestantes. Em retaliação, os moradores reagiram com violência.
No local, os manifestantes incendiaram e destruíram as residências dos agentes da migração, viaturas (pelo menos nove foram incendiadas) e três escritórios por onde se faz o desembaraço aduaneiro dos camiões que entram em Moçambique, transportando minério. Diversos materiais de trabalho foram destruídos.
O cenário de Ressano Garcia, neste momento, é de destruição, saque e terror. Inclusive, um dos camiões de grande tonelagem, que transportava uma quantidade não especificada de peixe, foi saqueado e posteriormente incendiado. Actualmente, o referido camião bloqueia a entrada de outros veículos, dificultando a circulação de carros. Várias lojas nas proximidades também foram saqueadas e diversos produtos foram roubados.
Do lado da fronteira moçambicana, é possível ver o portão derrubado, enquanto, do lado sul-africano, os portões estão fechados. Além disso, há uma presença massiva de agentes da polícia sul-africana, que tentam a todo o custo proteger o seu património.
A Autoridade de Gestão de Fronteiras da África do Sul encerrou temporariamente, nesta terça-feira, o posto fronteiriço de Lebombo após a erupção dos protestos em Ressano Garcia. Neste momento, há vários blindados das forças policiais posicionados no local e diversos camiões provenientes da vizinha África do Sul com destino a Moçambique estão a ser saqueados e os produtos roubados pelos manifestantes.
“Carta” apurou que os serviços de migração e as Alfândegas de Moçambique reuniram-se esta quarta-feira para avaliar os danos e criar condições para a retoma das actividades, sendo a fronteira será aberta esta quinta-feira apenas para travessia de moçambicanos retidos na África do Sul, assim como de sul-africanos retidos em Moçambique.
Vale ressaltar que o caos na fronteira de Ressano Garcia se instalou desde segunda-feira, quando os manifestantes bloquearam a estrada. Há informações segundo as quais populares arrancaram as chaves dos camiões no quilómetro 4 e forçaram os motoristas a perfilar as viaturas na estrada, de modo a bloquear o movimento de entrada e saída. (Carta)
Um grupo de académicos e activistas sociais moçambicanos propõe a realização de uma reflexão, em forma de Conferência Nacional, para “(re)fazermos Moçambique como um País seguro para a cidadania”, de modo a renovar-se o compromisso com “o ideal fundador da nossa nação”. A ideia está expressa em um “Manifesto Cidadão”, subscrito por 11 moçambicanos de diversas áreas do saber, divulgado esta quarta-feira.
O documento é subscrito pelos cidadãos Carlos Nuno Castel-Branco (economista), Carlos Serra (ambientalista), Constantino Pedro Marrengula (economista), Egna Sidumo (cientista política), Elísio Macamo (sociólogo), José Jaime Macuane (cientista político), Gabriel Muthisse (economista), Kátia Taela (antropóloga), Severino Ngoenha (filósofo), Tomás Timbane (jurista) e Tomás Vieira Mário (jornalista).
Segundo os subscritores do “Manifesto Cidadão”, fazer de Moçambique um país seguro para a cidadania significa reflectir seriamente sobre o nosso sistema político para que ele encoraje, facilite e proteja o exercício da cidadania.
Para eles, as circunstâncias em que as eleições foram realizadas, por exemplo, “mostraram que ainda temos um longo caminho a percorrer para a realização plena do projecto de independência”, pelo que urge “juntos discutirmos como ultrapassar esta crise pós-eleitoral no espírito de ‘Fazer de Moçambique um País seguro para a Cidadania’”.
O “Manifesto Cidadão” apresenta nove pontos para reflexão nacional, nomeadamente, a separação de poderes; os poderes presidenciais; a justiça eleitoral; a participação e inclusão política; a reconciliação nacional; a descentralização e autonomia regional e local; as liberdades de expressão e de informação; os padrões e estruturas de desenvolvimento económico e social, e políticas macroeconómicas; e o papel do Estado.
“Como Grupo de Reflexão, convergimos na identificação destes pontos. Consideramo-los como sendo os que uma comunidade política responsável precisa de abordar para realizar o seu potencial e lograr os seus objectivos”, defendem.
Os subscritores entendem que a soberania do Estado moçambicano está profundamente ameaçada, por um lado, por uma insurgência armada em Cabo Delgado e, por outro, pelas precárias condições de vida e pela desigualdade de classe e de gênero em todo território nacional.
“As desigualdades de oportunidades de acesso a bens e serviços e de distribuição do rendimento, o desemprego juvenil, a precariedade e a crescente ‘informalização’ do trabalho, os índices de criminalidade nos principais centros urbanos, a extrema vulnerabilidade aos desastres naturais, a contínua dependência de apoio económico externo são alguns dos factores que condicionam o exercício da soberania”, enumeram.
A estes problemas, afirmam, se adiciona o facto de a nossa economia e as perspectivas de desenvolvimento social estarem cada vez mais dependentes de investimento directo estrangeiro em grandes projectos extractivos e primários que atraiam grandes empresas internacionais, “o que constrange o desenvolvimento mais diversificado, articulado e inclusivo do país e das suas potencialidades humanas e socioeconómicas, tornando o país mais vulnerável às crises internacionais”.
O documento, de três páginas, termina dizendo que: “se para despertarmos da longa noite colonial tivemos que gritar ‘Independência ou Morte, Venceremos!’, hoje, para honrarmos essa determinação, devemos exaltar a promoção do princípio da cidadania como garante do valor da nossa dignidade como nação soberana e independente”. (Carta)