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Nando Menete

Nando Menete

quarta-feira, 02 junho 2021 10:44

"Porra, isto é que é unidade nacional!”

Assim, e com tamanha firmeza conclusiva, gritara o barman enquanto desligava a chamada que acabara de receber. O grito fora de tal ordem, que cada um dos presentes, no lobby bar do hotel, pensara que o grito fosse para ele ainda que soubessem, suponho, o endereço de um provável destinatário. Até ao momento da chamada, a conversa, à mesa do bar, girava em torno da possibilidade de integração dos barmen e dos taxistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Para sustentar a posição, o barman contara que já impedira, e não uma e nem duas vezes, que alguns clientes dessem por terminado as respectivas vidas. A bebida certa e o papo adequado constavam do ritual de medicação para os problemas bem patentes no rosto de cada paciente, digo cliente. O mesmo, com uma e outra diferença, acontece com os taxistas, que até encaminham os pacientes para o barman mais próximo, e este, dependendo do diagnóstico, procede em conformidade com o protocolo.

 

Lembro-me deste episódio porque acabo de receber uma encomenda de Tete, remetida por um colega ocasional de um seminário nacional realizado, há alguns anos, por coincidência, no mesmo hotel do barman, então um conclave de cidadania e da diversidade nacional em plena da capital do país. Na verdade, lembro-me do barman, um natural da fronteira entre as províncias de Gaza e Inhambane, que se juntara a um dos taxistas da praça do hotel em prol de uma campanha de sensibilização do MISAU (Ministério da Saúde) para que este integre, no SNS, as respectivas profissões. É pena que agora, em tempos de pandemia, o dito hotel encontra-se encerrado e, por conseguinte, não se tenha notícias do barman e nem do estágio real da campanha, embora, por estes dias, tenha circulado, nas redes sociais, de que a mesma não fora por aí além por conta de um lobby, e muito forte, vindo da baixa da cidade, no sentido de constar, no caderno reivindicativo, a mais velha profissão do mundo.

 

Certamente que o leitor esteja curioso quanto eu estivera logo que ouvira o grito do barman bem como a razão da lembrança. Já conto. O barman, notando a acirrada curiosidade que me abatera, diz baixinho: “Era um hóspede que esteve cá na semana passada. Uma das noites tive que o socorrer como tenho sempre feito”. E mais adiante, já com a voz acima do baixinho, acrescenta: “Ele é um natural de Niassa, vive e ligou-me de Lichinga, informando de que virá alguém deixar uns quilos de feijão para mim”. No final, e novamente baixinho e com a voz enrugada, desabafa: “Esta é que é a verdadeira unidade nacional, promovida pelo povo e não a dos políticos”.

 

P.S: Do barman a lição de que a almejada unidade nacional é feita de “detalhes tão pequenos da nossa vida” e que passam despercebidos, mas que fazem uma tremenda diferença. E fora a lição, é também importante que se retenha o propósito da citada campanha do barman. Oxalá, perspectivo, que a cobertura total e o acesso universal ao SNS sejam, finalmente, uma realidade e de que, uma vez alcançados, não se aconselha que os diversos serviços sejam gratuitos, em nome e defesa da resiliência de um dos subsistemas mais pressionados do SNS da Pérola do Índico.

sexta-feira, 21 maio 2021 10:12

Uma Frelimo que não vi …e tenho saudades

Acabo de ler textos recentes (agrupados em “Corrigir para fazer melhor”)  do professor Elísio Macamo em que  debruça sobre a Frelimo, em parte  a partir do Relatório do II Congresso da FRELIMO (1968), um relatório  que o Elísio Macamo reconhece qualidade. “Um relatório impressionante”  na suas palavras. E por falar da qualidade deste relatório, lembro-me que já cruzara com algo parecido sobre os documentos da  Frente de Libertação de Moçambique.  Foi há uma década ou pouco menos, que em conversa ocasional com  um membro sénior da Frelimo (frente e partido), contara-me que o filho o questionara sobre a qualidade dos documentos produzidos pela Frente de Libertação de Moçambique.  Na verdade o filho queria saber como é que foi possível jovens, em tenra juventude, produziram documentos de tamanha qualidade, coisa que jovens de hoje, até com o dobro da idade e em melhores circunstâncias (tecnológicas e outras), não conseguem. Ainda na conversa, o citado membro confessara de que essa qualidade era conhecida e respeitada pelos outros movimentos de libertação (e não só) e de que tal foi um grande diferencial da FRELIMO na arena internacional.   Foi uma conversa interessante, mas mais interessante,   foi o que conto abaixo e que me invadia a mente, enquanto decorria a conversa. 

 

Em 2019, num meu texto ( Por onde andas, Kalungamo? ), em jeito de homenagem aos 90 anos de Marcelino dos Santos (1929-2020), outro destacado membro sénior da FRELIMO, relato um episódio de uma reunião em que participara com ele.  A reunião, decorrida em finais de Dezembro de 2006,  foi convocada por ele e eu tomara parte com outros colegas, na altura a equipe executiva que organizara, meses antes, o 1º Fórum Social Moçambicano (FSMoç), um espaço aberto de debate crítico de ideias.   Na abertura da reunião e conforme o relatado no citado texto: “Marcelino dos Santos tinha na mesa os documentos  do FSMoç, destacando o Plano Nacional. Este estava excessivamente sublinhado e com diversas cores e anotações, evidenciando que o tinha lido, como também, que vinha “chimoco”. Para a nossa satisfação, Marcelino começa a reunião  elogiando a qualidade dos documentos, admitindo  que não via há bom tempo algo parecido na pérola do Índico, o que o deixava contente (…)”. Em outro desenvolvimento da reunião, Marcelino perguntara se já havíamos lido os estatutos da fundação da FRELIMO, pois os documentos estruturantes do FSMoç (O Plano Nacional e a Carta de Princípios), tinham o mesmo espírito. 

 

E aqui, o mesmo espírito, começa a parte mais interessante e que me invadia na conversa ocasional acima relatada.  Soa até a uma confissão.  Uns anos anos (2003/2004) antes da  realização do 1º FSMoç (2006), ainda no processo de discussão da sua constituição, fora criado um Grupo de Trabalho para redigir um documento informativo/orientador sobre o FSMoç. O grupo era encabeçado por Hélder Martins, outro membro sénior e fundador da Frelimo, e este, em tempo programado, apresentou o documento, que  por sinal, e não vem ao acaso, ele lamentara a pouca ou nula  participação dos restantes membros do grupo . Este documento, em 2006, é resgatado e servido de base, a par da “Carta de Príncipios” do Fórum Social Mundial (FSM),  para a elaboração do Plano Nacional do FSMoç, o tal documento que Marcelino dos Santos elogiara a sua qualidade e dissera de que era do mesmo espírito  dos estatutos da fundação da FRELIMO. Em reunião de seguimento, em Janeiro de 2007,  Marcelino até sugerira um intercâmbio entre o partido Frelimo e o FSMoç, pois os propósitos do FSMoç eram os mesmo que guiaram a fundação da FRELIMO e que conduziram a luta de libertação nacional.

 

É desta Frelimo - a da qualidade (conteúdo) dos seus documentos -  que não vi…e tenho saudades. Por sinal,  concluo que é  a mesma Frelimo que o professor Elísio Macamo debruça  sobre ela e torce  para que seja resgatada na reunião do seu Comité Central que se avizinha. Uma vez resgatada, e para fechar, “Um outro Moçambique é Possivel!” conforme ditava  o lema que guiava o FSMoç. A Luta Continua!  

quarta-feira, 12 maio 2021 13:50

Quando a transparência prega partidas

O  recente enredo das regalias da empresa pública EDM (Electricidade de Moçambique)  lembra-me um conselho  de um conhecido cuja trajectória profissional  são cargos de chefia na função pública. O conselho é bem simples e talvez por isso justifica que até agora ele não tenha sido beliscado. Aí vai o conselho: “Quando estás num cargo público de chefia não faça nada que possa atrair o interesse ou  a curiosidade de outros. Desenvolva o teu trabalho calado, mesmo que estejas a fazer coisas excepcionais”.  Para ele, quem assume esta postura assegura o seu cargo/tacho e quem faz o contrário, desperta o interesse e o ruído de terceiros pelo cargo e/ou pela sua governação.

 

Dito isto, e voltando a EDM, o mal do seu Conselho de Administração  foi o de ter publicado (transparência)  a famosa circular sobre a inflacionada taxa interna de câmbio e as consequências não tardaram, começando pelo linchamento popular ao contra-aviso da sua suspensão, extensiva a outras medidas  como a de que todos os pagamentos/benefícios em moeda estrangeira passam a ser em moeda nacional, convertidos ao câmbio da data do pagamento. Certamente, suponho, que os admnistradores da EDM  estejam arrependidos por terem optado por uma gestão transparente do erário público (não me consta que tenha sido uma fuga interna de informação).

 

Temo, e para fechar, que este meu conhecido tenha dado o mesmo  conselho a muitos gestores públicos e pelos vistos com um elevado  sucesso, pois só assim explica a razão de pouca ou nula transparência  no exercício das funções do grosso dos  gestores públicos. O risco é evidente: o tacho pode ruir.

 

PS: Foi notícia de que a suspensão da famosa e inflacionada  circular da EDM  e a tomada de novas medidas foi numa Assembleia Geral Extraodinária da EDM com a presença do Instituto de Gestão das Participações do Estado(IGEPE).  Agora, e sobre o mesmo assunto (câmbio e pagamentos em moeda estrangeira de remunerações e outros benefícios), resta saber do IGEPE qual é a situação de outras empresas participadas pelo Estado. Pergunto isto em solidariedade com os administradores e pensionistas da EDM, pois estes  podem ter sido injustiçados no seio da vasta família do IGEPE.

quinta-feira, 06 maio 2021 08:47

Ecos de Afungi: reparos para a posteriedade

A TOTAL, uma empresa petrolífera francesa, suspendeu a continuação do projecto de gás em Afungi, Cabo Delgado, alegando razões de força-maior (insegurança). Da decisão seguems, em jeito de ecos e raparos, algumas e breves notas.

 

Eco 1. Por conta das consequências nefastas que advirão da decisão da TOTAL, a classe empresarial nacional veio a terreiro, e bem alto, falou da profundeza das àguas em que se viram mergulhados os empresários, apontando para um naufrágio estimado em milhões de dólares americanos. Até aqui tudo bem (mal), mas para a posteriedade fica o seguinte reparo: alguém lembra-se de gritos quando a torneira de Afungi estava a jorrar? .

 

Eco 2. Ainda na senda da suspensão, quem ainda não se pronunciou é a entidade responsável pela elaboração do “Modus Operandi” do Fundo Soberano, mormente a condução da sua fase da ascultação pública. Sobre o silêncio, e para a posteriedade, vai o reparo: será que o processo de elaboração do quadro operacional do Fundo Soberano também foi suspenso?

 

Eco 3. Na mesma semana da decisão da TOTAL , não passou despercebido o anúncio de mais uma doação (e no quadro da ADIN, Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte). Fala-se em mais de um bilião de dólares americanos. É muita massa, mas que dá muita massada (uma delas a burocrática) e pelo histórico das doações é mais um adiamento do desenvolvimento e da afirmação da soberania. Contudo, fora este entretanto, e em jeito de raparo para a posteriedade, dói que o país não possa financiar o seu desenvolvimento com fundos da sua riqueza e no lugar ter que mendigar/depender da caridade (problemática) de terceiros.

 

Certamente que existem outros ecos e reparos, mas por enquanto estes são os que me ocorrem e para a posteriedade, em jeito de fecho, vai, à francesa , o reparo-maior:“Cest la vie!”.

O argumento de uma  possível corrosão da soberania (e de implicações nefastas)   caso Moçambique aceite o apoio militar estrangeiro (presença física no teatro de operações em Cabo Delgado) não me entra. Falta gelo e limão. Aliás, foi/é por conta da defesa da integridade da soberania nacional que os países recorrem a este tipo de ajuda. Quem assim age, certamente que não o faz de ânimo leve ou por mera imposição de terceiros, mas sim decorrente do reconhececimento da própria incapacidade de per si  poder lidar com o problema, no caso (Moçambique), a insurgência terrorista em Cabo Delgado.

 

Todavia, é compreensivel os receios de uma presença física militar estrangeira, em particular o receio de que uma vez no terreno, a dita força  estrangeira   não saia mais e nem o problema é resolvido e até é agravado. Em alguns países africanos, também flagelados com o terrorismo, a presença militar da França é um exemplo, e muito citado, disso. Contudo, em contra-mão, embora em contextos diferentes, cito a presença militar do Zimbabwe em Moçambique e até a de Cuba em Angola que estiveram no terreno e sairam. A menos que o receio seja o da presença física de grandes potências (França e EUA), mas, no final do dia, mesmo a presença militar de países com menor poderio militar não retira o ónus de uma presença militar estrangeira. Ademais, e ainda  a propósito da corrosão da soberania, correm décadas que o país corrói deliberadamente a sua soberania por coisas (aparentemente) menores, comparadas com a guerra, quando solicita e recebe, sob certos condicionalismos (alguns arrepiantes), a ajuda externa de quem quer que seja.

 

Dito isto, e face a uma possível presença militar estrangeira, o problema que se coloca não é o da corrosão da soberania nacional, mas sim o da exposição da corrosão da nossa responsabilidade (política) por permitir que os problemas (graves)  que apoquentam  o país,  atinjam  níveis  cujas soluções requeiram a nossa sujeição a interesses de terceirios. Neste contexto, e para fechar, referir que a corrosão da soberania nacional é um problema instalado, antigo (e estrutural) e bem anterior ao terrorismo, ditando assim que uma provável  presença militar estrangeira em Moçambique (Cabo Delgado) seja apenas uma pura e natural consequência.  Aliás, foi notícia, na última semana de Março, a presença de mercenários estrangeiros (de uma empresa privada sul-africana) no rechaço do ataque  terrorista à vila de Palma.

quinta-feira, 25 março 2021 15:04

Tempo ganho em vão

É do conhecimento de que “tempo é dinheiro” e por isso é também sabido de que  é necessário “correr para ganhar tempo”. Neste entendimento, aposto que quem tenha ganho mais tempo terá  tirado mais vantagens  para lograr os seus objectivos pessoais e até corporativos. Concorda? Eu concordo e faz muito sentido. Aliás, e para citar um exemplo corriqueiro,  a ambulância quanto menos tempo perde no trânsito, mais tempo sobra para salvar o doente. Contudo, e como não há bela sem senão, também discordo e acho que o princípio não faz nenhum sentido quando o assunto são os governantes da Pérola do Índico.  Já explico e vou ser breve porque preciso de ganhar tempo antes das 13 horas. 

 

Desde que me conheço noto que os nossos governantes   ganham muito tempo, tanto em afazeres do serviço como nos da vida privada. Por exemplo, e é só um cheirinho: eles  não esperam; não ficam na fila; não  “respeitam” os sinais de trânsito; nada começa sem a presença deles ( os outros que se atrasem ou gastem o tempo); e também nada acaba sem a saída deles. Alguém pode justificar de que este comportamento não é dos dirigentes, mas uma exigência do Protocolo do Estado. Tudo bem e acredito que o Protocolo do Estado  tenha sido concebido  no espírito de que  “tempo é dinheiro” e de que os nossos  dirigentes precisam de “correr para ganhar tempo” e assim  poderem resolverem os  problemas que apoquentam o povo que são muito e corpulentos. .  

 

Dito isto, reitero que o princípio faz muito sentido, sobretudo em países subdesenvolvidos como o caso de Moçambique, justificando assim que os seus  dirigentes precisem de mais tempo face aos problemas dos respectivos países. No entanto, infelizmente, e para fechar, também reitero que discordo e que o princípio  não faz nenhum sentido, pois o tempo que é ganho (e que não é pouco) pelos dirigentes da Pérola do Índico não tem surtido o efeito (de desenvolvimento) desejado para o país.  E isto, é caso para dizer: tempo ganho em vão! 

 

PS: Aproveito a deixa do texto e partilho em seguida uma preocupação de uma amiga ocidental:  ela não compreende como a África (Moçambique) é atrasada se no compasso da dança, o africano (moçambicano) acompanha sempre  os passos no tempo certo da música.  Talvez esteja aqui uma saída para o problema do “tempo ganho em vão”, pois não são mais ou menos minutos da música que são determinantes para o passo certo, mas sim que o passo  seja (e bem) feito no tempo certo. 

Que  o país precisa de reconciliação  é um dado adquirido e também, é um dado adquirido  de que existe uma gama de perspectivas sobre a reconciliação, em particular sobre o ponto de partida para o efeito. De onde partir? Eis a questão. Isto a propósito de uma intervenção recente do presidente da Renamo na qual defende a criação de uma comissão para a reconciliação nacional como instrumento crucial  para uma paz efectiva.

 

Na fala do presidente da Renamo subentende-se que ele circunscreve a reconciliação na esfera dos 16 anos de guerra travados entre o seu partido, então movimento de guerrilha, e o então regime marxista-leninista dirigido pelo partido Frelimo.  A priori, um  ponto de partida para a reconciliação, e também (mais) um assunto exclusivo  entre os dois protagonistas-mor da história recente na decisão sobre os destinos da governação do país: a dupla Frelimo/Governo-Renamo. Por outro lado, há quem defenda um outro ponto de partida que -  embora fora dos  “direitos de exclusividade” da dupla citada - é bem anterior e com várias nuances, incluindo a dos 16 anos, e que decorre, por coincidência,  de outros (e genuínos) “direitos de exclusividade”  na governação de Moçambique independente e ao que parece, a  sina da governação na Pérola do Índico.

 

A meu ver, é por aqui (“direitos de exclusividade”), um outro ponto (e prévio) de partida para a reconciliação nacional: o da guerra contra os “direitos de exclusividade” na governação do país. E aqui tomo, para fechar, a proposta  do presidente da Renamo como parte, e que urge,  de um  debate sobre a reconciliação nacional. De toda a maneira:  Alea jacta est!

segunda-feira, 08 março 2021 13:03

Desse mato não sai coelho

“Os  militares (Forças Armadas), os sindicalistas e os estudantes constituem activos vitais em processos de transformação/mudanças. Estes, e cada um com o seu papel na sociedade,  é que mudam o curso da história”. Este pronunciamento, de alguém póstumo e de quem eu era muito próximo, foi feito há uns 15 anos numa conversa corriqueira. No mínimo, e fazendo jus ao pronunciamento, é crucial que a qualidade dos “activos de mudanças”  esteja à altura dos problemas e desafios para a transformação ou alcance das contínuas mudanças requeridas no processo de  desenvolvimento de qualquer Estado.  

 

Na Pérola do Índico, infelizmente a qualidade dos “activos de mudanças” deixa a desejar.  Esta manhã, por coincidência, e a razão do texto,  acompanhei uma notícia na qual o Ministro das Defesa de Moçambique afirmava de que a fraqueza das forças armadas moçambicanas resulta, entre outros, e sobretudo,  do desinvestimento no sector e que tal decorre ou inicia com o Acordo Geral de Paz de Roma, que ditara o fim da Guerra dos 16 anos em Moçambique. Na mesma linha de fraqueza, outro dia ouvira de que em Moçambique o sindicato é  fraco ou quase que inexistente porque não existe um sector privado industrializado (tipo “não se fazem omeletes sem ovos”). Por ora, e também na mesma linha de fraqueza, não me ocorre um exemplo sobre os estudantes, mas, e pelo histórico acrítico, é notável que não diferem, em género e número, da situação dos anteriormente citados.

 

Neste diapasão (com “activos de mudanças” deficitários), e para terminar, é bem provável que “Desse mato não sai coelho”, a menos que, e de quem quer que seja, a intenção seja essa, a de crónico défice, e tal (e dói), infelizmente não abona por melhores  dias para Moçambique. 

segunda-feira, 22 fevereiro 2021 07:38

Perdão à solta

Eu ainda não sabia da notícia sobre o perdão concedido pelo Presidente da República (PR) aos dois  jovens acusados e detidos pela polícia, ora em liberdade,  por  terem injuriado o próprio PR, recebi a chamada do guarda de um meu pedaço de terra  algures neste país.  A partida pensara que fosse o habitual das chamadas – que a comida dos cães  já era - mas o teor foi outro e bem audível: “Meu patrão está perdoado!”. Logo que perguntei a razão do perdão a linha caiu.  Insisti e nada. Por que cargas de águas eu fora perdoado? Eis a questão. 
 
O perdão fora-me concedido no final da tarde e  dormi preocupado em saber a razão.  Na manhã seguinte, mal  o sol despontara, liguei para o guarda afim de saber dos cães. Na verdade era do perdão que eu queria saber. Depois do papo habitual de perguntas e respostas, e “como quem não quer nada”,  aproveitei e perguntei sobre o pedrão recebido. A resposta:  “Afinal o patrão não acompanha as notícias?”. Em seguida, e perante o meu espanto (silêncio), o guarda continuou com o seu ar interrogativo: “Patrão não viu as notícias? O PR perdoou aqueles que o insultaram”.  Por acaso,  pouco antes de dormir, acompanhara tal  notícia e não estabelecera nenhuma ligação entre as duas clemências. 
 
- E daí? Pergunto.  
 
- Patrão humilha-me muito sempre que vem com as suas amigas.
 
- Não entendi…
 
- É isso mesmo patrão. Patrão diz sempre a elas que eu roubo material, que eu sou preguiçoso, isto, isto, isto e que por isso o patrão  ainda não acabou de construir a dependência.
 
-mais…
 
- Vamos deixar patrão. Nem vou falar de outras humilhações. Eu já perdoei patrão, assim como o PR  também perdoou o patrão dele. 
 
(silêncio) 
 
- Se o patrão quiser pode pedir desculpas e prometer que vai falar com outros patrões para pautarem por um bom comportamento.  
 
Um mau jeito no telemóvel, este cai e na hora toca o despertador. Eram 05H45. Relembro o sonho e não faço ideia do desfecho da conversa. Contudo, por enquanto, e para fechar, se o leitor esteve comigo até aqui e tem um patrão,  aproveite e comece bem a semana: perdoa-o!. Sim. É isso mesmo: não precisa que ele tenha feito algo de mal.  
 
PS1: Esta de “perdão à solta” lembra-me a estória de um jovem que chega à casa e diante do pai  diz que se vai casar. E o pai, de forma insistente -  tal era a estupefacção do filho - pede-lhe que diga, e do nada: “Peço desculpas”. Vendo que o pai estava irredutível, o filho  fez-lhe a vontade: “Peço desculpas!”.  E o pai, já aliviado, diz: “Agora sim meu filho, estás preparado para a vida de casado”. 
 
PS2: Nesta onda de “perdão à solta” não me admira que por estes dias,  o demissionário Hélder Martins ( ) seja obsequiado por um perdão presidencial.
terça-feira, 16 fevereiro 2021 06:03

Pedir ou não ajuda

“A ajuda não é caridade” disse certa vez um ex-Primeiro-Ministro do Canadá  a propósito da ajuda (externa) concedida pelos países desenvolvidos aos menos desenvolvidos. Lembro-me da citação  sempre que ocorrem animosidades nas relações entre Moçambique-Tanzânia e Moçambique-África do Sul e na (provável) hesitação de Moçambique em pedir/receber a ajuda do exterior para combater o terrorismo.

 

Acontece que nas relações entre Moçambique e a Tanzânia e sempre que Moçambique toma uma medida  que não seja do agrado da Tanzânia, como foi a  da expulsão de garimpeiros tanzanianos ilegais, os tanzanianos lembram aos moçambicanos  de que estão a ser ingratos, isto tomando em conta a ajuda dada por eles na libertação de Moçambique. E Moçambique, já independente, e por ter ajudado o ANC,  hoje o partido no poder na África do Sul, na sua luta contra o Apartheid, aviva a memória dos sul-africanos sempre que eles, por exemplo, expulsam moçambicanos sob capa de ilegais. Assim, tanto a Tanzânia (em relação a Moçambique)  como Moçambique (em relação a África do Sul) reclamam benefícios ou privilégios eternos por terem sacrificado os respectivos países no quadro da (suposta) ajuda/solidariedade prestada.

 

Neste diapasão, o acto de pedir/aceitar a ajuda de outros acarreta implicações, e muitas vezes indesejáveis,  que se arrastam por tempo indeterminado. Talvez por isso, e para fechar, este seja um problema/dilema na demora da decisão e/ou efectivação  da ajuda do exterior no combate ao terrorismo em Moçambique.  Aliás, e decorrente da experiência das relações com a Tanzânia e a África do Sul bem como o facto de Moçambique ser um crónico  dependente da ajuda externa,  o alcance de que “A ajuda não é caridade” não é estranha ao país  e é, certamente, do pleno  (e doloroso)  domínio dos decisores da mártir Pérola do Índico.   

 

PS: Ainda sobre pedir ou não  ajuda,  cito um exemplo de um meu amigo. Este, em tempos e perante um problema pessoal bicudo, recusara a pronta ajuda de um seu primo, alegando de que era preferível  explorar ou esperar  por outras soluções, próprias ou de terceiros (e mais discretas), mesmo que isso acarretasse mais e maior sofrimento,  no lugar de ouvir  do tal  primo e pelo resto da sua vida e de gerações vindouras de que ele o ajudara. Estará ao alcance da Pérola do Índico semelhante e ousada decisão?

 

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