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ME Mabunda

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terça-feira, 12 outubro 2021 07:46

A nossa paz

O antigo Presidente da República escolheu justamente o dia em que o país celebrava o Dia da Paz e da Reconciliação - 4 de Outubro - para, no seu mural no Facebook, fazer um post algo enigmático e de alcance e profundidade extraordinários, tais que não podem passar despercebidos a todo aquele moçambicano minimamente preocupado com o seu país. Como diríamos, usando a linguagem politicamente correcta, a todo o moçambicano patriota.

 

Escreveu Armando Emílio Guebuza que “Paz é quando nós, individualmente, nas nossas famílias, e nas instituições e órgãos formais do nosso Estado, não usamos as nossas posições (políticas, sociais, econômicas, ou de qualquer outra natureza) para produzirmos, ou projectarmos sobre os outros, um poder disconforme, discriminatório, selectivo…” Frase própria de um bom cultor da língua portuguesa… um poeta! Falou um poeta que, aliás, o é Armando Guebuza. A propósito, para quando mais poesia do poeta Armando Emílio Guebuza, autor de “Os Tambores Cantam”? Ou não teremos mais, o homem poeta foi completamente esmagado pelo animal político!…

 

A frase é de uma profundidade tal - um comentador na página do antigo chefe de Estado diz que se trata de uma “mensagem poderosa” - que precisamos de recorrer à semântica pura, um departamento da linguística, para interpretar e entendermos melhor o seu sentido. Está a dizer, o ex-Presidente da República, que a paz, o sossego, a tranquilidade é quando nós como indivíduos não usamos as nossas posições políticas (dirigentes políticos), sociais (líderes ou figuras de prestígio), econômicas (empresários, ou com emprego bem remunerado), ou outras, nas nossas famílias, instituições e órgãos formais do Estado para arremessar, fazer reflectir sobre os outros situações de desconforto, de discriminação, de exclusão ou segregação. Ou seja, quando não usamos a nossa posição para não deixar à vontade os outros à nossa volta, para não promovermos discriminação seja de que natureza for; não patrocinamos a exclusão e ou a segregação. É isto que o Presidente Guebuza está a dizer.

 

Podemos assumir que o antigo Presidente não quis dizer directamente que não estamos em paz, mas deixar a assertividade ao critério do leitor. E a inferência a fazer das palavras do post é mesmo que não estamos em paz porque não estamos a usar as nossas posições para promover a união, a coesão e a harmonia familiar e social entre os moçambicanos; não usamos as nossas posições para proporcionar o à vontade aos concidadãos (a disconformidade/desconformidade); para não proporcionar oportunidades iguais a todos os moçambicanos e para não incluir a todos na vida do nosso país! Esta é a mensagem clara ainda que não directamente enunciada (statement) do nosso antigo presidente!

 

Mensagem clara e corajosa.

 

Se o Ex-Presidente recorreu, nesta oportunidade, às suas capacidades poéticas para sofisticar a sua mensagem crítica, já no anterior Comitê Central não se fez de velado. Denunciou aberta e duramente o que chamou de ressurgimento do tribalismo dentro do partido de que é membro e foi dirigente, a Frelimo, e, por consequência, na sociedade moçambicana em geral. Pronunciou-se igualmente sobre o que considerou de caça às bruxas de que aparentemente ele próprio estava a ser vítima.

 

Assino por baixo das mensagens do nosso antigo Presidente da República, na totalidade. Hoje por hoje, a proveniência geográfica é informação importante para certas oportunidades. A paz ainda está bem distante da Pérola do Índico - a paz como tal e a paz espiritual. As armas ainda troam, estrondam vigorosas, seja ao nível individual, seja ao nível de estado.

 

Não haverá paz no nosso solo pátrio enquanto tivermos uma sociedade em que se desenvolve uma política de perseguição (mas não sei bem quem está a perseguir a quem), enquanto as famílias não estiverem à vontade, as oportunidades de vida não forem proporcionais para todos os compatriotas; enquanto praticarmos uma sociedade de exclusão, tribalista, de segregação, de discriminação, de nepotismos e de intolerância. Acrescentaria mais: não haverá paz enquanto não nos considerarmos todos moçambicanos, não estivermos reconciliados e não vermos permanentemente nos outros falta de patriotismo e nós os mais patriotas que os outros.

 

Mas nota importante aqui impõe-se. Não deixa de ser bastante interessante que seja quem é a levantar estas questões de fundo, estruturantes e lamentáveis na nossa sociedade. Não uma pessoa qualquer. Uma pessoa que teve tudo nas mãos! Agora, a pergunta inevitável que se (lhe) coloca é: tendo sido ele quem foi, mais alto dirigente do país, líder da sua formação política, que mecanismos procurou ele para que, como disse na reunião partidária, a Frelimo não volte àquela de 62 e para que em Moçambique o tribalismo não volte a ser uma questão que venha ao de cima, fluorescente; para que Moçambique seja declarado livre do tribalismo? Que estratégia encetou ou promoveu para que a exclusão, a segregação, a discriminação e a desconformidade voltem hoje a ser tristemente uma prática a que assistimos todos os dias. Ou durante o tempo em que esteve ao leme estas atitudes não se manifestavam?

 

Os líderes políticos não só devem deixar para os seus povos escolas, hospitais, estradas e pontes, mas devem também deixar uma sociedade de harmonia, de inclusão e em que as oportunidades são proporcionadas de igual para todos os membros da sociedade.

 

ME Mabunda

quarta-feira, 06 outubro 2021 11:01

As outras causas dos acidentes de viação

Passam sensivelmente três meses depois que tivemos, na Manhiça, província de Maputo, segundo os escribas, o pior acidente de viação de sempre no nosso solo pátrio. Estávamos na primeira semana de Julho passado. Um autocarro da Transportes Nhancale tentou ultrapassar um camião numa curva e foi chocar com outro que vinha no sentido contrário e trinta e duas vidas foram ceifadas! Foi o alvoroço e pânico jamais vistos. Choque e tristeza absolutas. Foi muita morte de uma vez nas nossas estradas. Uma comissão de inquérito foi instituída e, em cerca de dez dias, trouxe o relatório: tratou-se de erro humano! O automobilista desrespeitou a fraca visibilidade, a curva e excedeu a velocidade! Esta foi a causa principal apontada pela comissão. A propósito, o que mais aconteceu aos sujeitos deste acidente: a transportadora, os perecidos, os feridos, as viaturas danificadas e as pessoas afectadas? Entre nós, o silêncio não significa que está tudo bem, não!

 

Confesso que não tive acesso ao relatório, portanto, não o li. Mas confesso também que concordo plenamente com a constatação da comissão de inquérito. Pretender uma ultrapassagem numa curva mais ou menos apertada; um autocarro de passageiros de grande calibre a andar a grande velocidade; um camião avariado mal sinalizado na berma da estrada; e passageiros viajando no autocarro a ser mal conduzido por um motorista mas mantendo-se silenciosos e até a encorajarem-no… tudo isto são, efectivamente, erros humanos! Ingredientes mais do que bastantes para termos um aparatoso acidente. E como são. E tivemos o acidente!

 

Semana passada tive de percorrer a estrada nacional número um (EN1) por imperativos de serviço. Foi uma viagem que me levou de Maputo a Temane (Inhassoro). Íamos três colegas na viatura, uma Ford Ranger dupla cabine novinha em folha. Na ida, conduzia o meu colega, até Maxixe, a partir de onde me sentei ao volante até Vilankulo, onde pernoitamos e depois fomos a Inhassoro. No regresso, aí sim, senti bem todas as peripécias, provei e bem o "pão da massa que o diabo amassou”!.

 

Depois desta longa viagem, cerca de 1600 quilómetros (800 na ida e outros tantos no regresso), estou em condições de dizer de viva voz que estamos diante de um corredor de morte. Esta via é um corredor de morte! Há mais causas dos acidentes de viação nas nossas estradas, sobretudo neste troço do que as apontadas. Incluindo o erro humano.

 

Conduzir na nossa EN1 é um calvário. Ê conduzir num precipício. Isso mesmo: conduzir num precipício. E nesse sofrimento todo acaba ocorrendo o erro humano. O piso da nossa estrada, sobretudo de Maluana até Incoluane, não está bom. NÃO ESTÁ BOM! Não dá estabilidade nem segurança à viatura seja ela de que natureza ou calibre for. É um piso instável, não liso, em que a viatura abana perigosamente. Este estado de piso, só ele, é ingrediente mais do que bastante, quando conjugado com uma velocidade acima de 100 quilómetros por hora, para a ocorrência de acidentes. Pior numa situação de fraca ou pouca visibilidade. E também quando conjugada com a estreiteza (pequenez) da faixa: quando é que teremos uma espécie de circular de Maputo até… Nampula/Pemba/Lichinga? Receio que seja no Dia de São Nunca!

 

A outra causa de acidentes neste troço é a falta de marcação no pavimento, no chão; a falta de sinalização. Parece que as fábricas de cal fecharam entre nós. Daqui até Inhassoro, a nossa pobre “auto-estrada” ou näo está marcada simplesmente, ou a tinta branca está bastante gasta, invisível. Aquelas linhas brancas que orientam e facilitam ao motorista NÃO EXISTEM! E à noite a condução torna-se muitíssimo difícil, bastante propenso ao “erro humano”! Que tal se cada província pintasse o troço que atravessa o seu território, já que a ANE inexiste? Teríamos a nossa estrada… qual corredor de morte… em condições mínimas! Que tal?

 

Mas os nossos “erros humanos” não se esgotam com a falta de marcação/sinalização da estrada. Já agora, devíamos esmiuçar o que entendemos por erro humano, ou alargar um pouco o seu sentido. Tudo o que se enumerou até aqui são erros humanos: piso não em condições, excesso de velocidade, ultrapassagem em curvas, desrespeito à fraca visibilidade, não marcação do chão da estrada, etc., etc.!

 

A falta de informação, a ignorância no motorista em viagem é outra das causas de acidentes nas nossas estradas. Em viagem, o automobilista nunca tem informação de espécie alguma. Não há nenhum aviso sobre as condições do piso (por exemplo, na região entre Manhiça e 3 de Fevereiro), nem da estreiteza da faixa. Há chapas que nos avisam sobre a curva e velocidade a observar, embora escassas, pois há mais chapas a indicarem a velocidade limite do que a indicar o fim daquela limitação. Não são suficientes! Saindo de Maputo, são escassas, bastante escassas as chapas indicando distâncias; nunca sabes regularmente quantos quilômetros faltam para chegares a um ou outro sítio, ou mesmo ao seu destino. Só andar, andar, andar e mais andar! Entre Maputo e Xai-Xai, há-de encontrar uma ou duas; entre Xai-Xai e Maxixe… uma, ou não há nada!; entre Maxixe e Pambara, uma ou nada! Ora, isto não é bom para um motorista; cria ansiedade e nervosismo, o que traz instabilidade emocional, que um motorista não deve ter enquanto ao volante!

 

E colocar chapas de distância a cada 100 quilômetros não custa absolutamente nada! Mesmo custando, são imperiosas para a nossa segurança rodoviária. Será que só vamos ver chapas de distância somente na África do Sul e Suazilândia? Nós não conseguimos colocar nas nossas estradas?!...

 

Para mim, são mais estas as causas dos acidentes na nossa única estrada… corredor de morte! Assim, estamos à espera do próximo desastre!

 

ME Mabunda

terça-feira, 28 setembro 2021 09:13

Comandante de Ordem e Segurança Precisa-se!

O comandante do Ramo da Ordem e Segurança da Polícia da República de Moçambique, Paulo Chachine, fez notícia há dias a partir da Escola de Sargentos da Polícia “Tenente General Oswaldo Assahel Tazama”, em Metuchira, distrito de Nhamatanda, em Sofala.

 

Não foi por menos. Segundo dado a conhecer, o efectivo do Departamento da Polícia de Trânsito de Manica está “em capacitação” por trinta dias naquela instituição de formação. Presume-se que sejam todos os membros da Polícia de Trânsito da província de Manica. Quando se diz efectivo, está-se a dizer exactamente isso.

 

Até aqui tudo normal, pelo menos parece. Capacitação é um modus operandi de instituições sérias e que pretendem aprimorar cada vez mais o seu desempenho; de tempo a tempo, mandam os seus membros para refrescamento de memória.

 

No entanto, a “capacitação” ganha outro sentido quando ficamos a saber que ela decorre do facto de ao longo de todo o Corredor da Beira haver irregularidades diversas na actuação dos agentes no terreno, que vão desde extorsão a automobilistas, negociações de multas com os multados, recolha e apreensão de cartas de condução dos condutores e retenção de veículos sem justa causa, entre outras. Há poucas semanas camionistas de vários países da Região, incluindo do nosso, amotinaram-se na fronteira de Machipanda, protestando vigorosamente contra as más actuações dos polícias de Trânsito moçambicanos.

 

A Imprensa cita o comandante da Ordem e Segurança da PRM a dizer que aqueles agentes  “Não estão a ser punidos. A presença dos agentes visa apenas a reciclagem. Há muitas reclamações sobre a forma como temos estado a agir e interpelar o cidadão ou motoristas. Temos que nos preparar para melhor realizarmos as nossas actividades.” E, como que a explicar melhor, acrescentou: “Não é novidade para ninguém que alguns agentes têm interpelado pessoas ou condutores e pedem uma Coca-Cola ou 50 e 100 meticais. Vamos fazer o esforço de mudarmos e melhorar a nossa qualidade e atitude.” Mais adiante, rematou: “Não se deve orgulhar quando andam com carteiras cheias de cartas de condução e sem saber porque levaram os documentos. Em caso de infracções devem apenas passar as multas e deixar o condutor seguir viagem com a sua habilitação.”

 

Custa a acreditar que estas palavras possam estar a sair da boca de um comandante! Puro comandante! Menos ainda de um comandante da Ordem e Segurança! Difícil ainda é acreditar que estamos dentro de uma corporação policial, uma instituição com o monopólio de garantir a lei, ordem, segurança e estabilidade do cidadão e do país!

 

Os polícias não são admitidos nas fileiras policiais porque estão aptos? Formados devidamente, bem treinados, bem preparados técnica e intelectualmente? Se não estão, então por quê estão lá? Se as suas actuações não decorrem de deficiente preparação, mas de incúria ou incapacidade, por que não os demite e manda para casa?

 

Mas, pelas declarações do comandante, está claro que estamos perante actos criminosos. Extorsão, expropriação de cartas de condução sem motivos aceitáveis, retenção de automobilistas por largo tempo são, sem ‘a’ nem ‘b’, actos de corrupção. Na qualidade de “comandante do Ramo de Ordem e Segurança”, Paulo Chachine devia punir exemplarmente estas atitudes e não apelar para que “A nossa actividade tem de estar em linha com o juramento e cumprindo as normas… É necessário pensar o que temos que fazer para melhorar a nossa imagem.”

 

Claro como a água: o Sr. Paulo Chachine não sabe quais são as funções de um comandante de Ordem e Segurança!

 

Pior ainda quando, falando na mesma cerimônia, que era de abertura oficial da tal “capacitação”, o “digníssimo” revela que há agentes da PT que fazem xitiques semanais de cinco mil meticais! Confesso que nunca tinha ouvido falar de tal façanha. Segundo ele próprio se questionou, se os tais agentes não são criadores de gado ou de frango, como é que se comprometem a tal exercício de fazer xitique semanal nesse montante? Revelou ainda que há outros tantos agentes que se fazem à rua sem estarem escalados, “à procura de caril”! “Onde se procura esse caril na via pública? É possível fazer-se xitique semanal de cinco mil meticais? E no fim de semana aparece o dinheiro e até dizem… trabalhei para o xitique!”

 

Incrivel! No lugar de procurar, encontrar e punir disciplinar e criminalmente esses polícias… só papo! Só reciclagem ou capacitação! Mas, não está sozinho o homem: o seu chefe, o comandante geral, é um dos grandes oradores que país tem, mas disciplinar os agentes prevaricadores nada! É uma escola.

 

O que está a fazer aquele senhor como Comandante do Ramo de Ordem e Segurança?

 

Tirem-no, por favor!

 

ME Mabunda

terça-feira, 14 setembro 2021 07:59

Breve Prontuário do Julgamento da BO

Decorre desde 23 de Agosto passado o que muitos chamam de maior julgamento da história de Moçambique, pela sua natureza, magnitude e extensão. Em termos de natureza, é a primeira vez na nossa existência que temos um caso de julgamento de grande corrupção, no sentido de envolvimento de valores altos, à volta de cinquenta milhões de dólares, mesmo que alguns considerem que ainda falta descobrir o paradeiro dos 700 MUSD que a Krol não conseguiu nem sentir o cheiro do seu destino. Magnitude, dada a quantidade de réus envolvidos: 19, por enquanto; mas há muitos mais! Em termos de extensão, ainda não se sabe ao certo quanto tempo vai durar, mas, em princípio, não vai ser menos de seis meses. Na tentativa de ajudar na compreensão deste facto social, para usar uma expressão sociológica, vamos aqui fazer o levantamento de termos e ou conceitos que estão lá em uso e vamos procurar dar-lhes sentido, de acordo com o linguajar popular, vulgo senso comum. A ordem não vai, ao contrário dos dicionários ou prontuários comuns, obedecer à do abecedário; tentará ser na sequência do entendimento do povão. Não é fechado, o leitor pode acrescentar ou melhorar certo conceito e ou a sua significação.

 

Dívidas ocultas - Dinheiro roubado ao Estado moçambicano por um grupo de cidadãos, no valor global de 2.2 BUSD, ao abrigo do projecto de protecção da Zona Económica Especial. Não há consenso sobre a designação do fenômeno que ocorreu. Uns chamam de dívidas ocultas, outros, de dívidas não declaradas, outros ainda de dívidas ilícitas, outros ainda mais, de dívidas ilegais. Pelas argumentações de todas as partes, fica claro que se trata de dívidas ilegais, uma vez que foram contraídas à margem da lei. No processo da sua contração, devia ter havido aquiescência da Assembleia da República e do Tribunal Administrativo. Para o cidadão de rua, trata-se de dinheiro roubado ao povo, pura e simplesmente!

 

Questões prévias - Momento, antes da audiência, em que os advogados de defesa, isto é, dos caloteiros, se unem e fazem de tudo para inviabilizar o julgamento. Levantam questões e questões, até aquelas que muito antes da marcação da data do julgamento tinham já colocado ao juiz, tipo a cobertura jornalística do evento, ou a liberdade condicional de alguns arguidos, alegadamente porque os prazos de prisão preventiva tinham expirado e, outros, sendo membros dos Serviços de Segurança não deviam ser presos… tudo para que o tribunal se renda às suas pretensões. Na boca do povo, o juiz da causa desbaratou todos os malandros! E disse alto e bom tom que eles não estavam ao serviço do Estado, mas a roubarem o Estado.

 

Abu Dabi - Cidade talismã que o povo sonha em estar e conhecer. Segunda casa dos caloteiros; nos momentos áureos do calote, viviam lá de passaporte. Quase todos eles tinham vistos de residência, mesmo não residindo lá.

 

Acusação - Segundo o Ministério Público, os arguidos associaram-se para sacarem ilicitamente da órbita do Estado milhões de frangos (ie., de dólares norte-americanos). Na linguagem dos populares, os arguidos roubaram dinheiro do Estado no valor de muitos milhões de dólares.

 

Acusação verdadeira - Na elaboração de diversos entendidos, especialistas, acadêmicos, analistas e jornalistas, bem como na percepção do povo nos “chapas”, a verdadeira acusação ainda não foi feita. E a verdadeira acusação é: o governo de então violou a constituição ao contrair empréstimos para determinados projectos, em valores que obrigavam que tivesse que ter a anuência da Assembleia da República e o pronunciamento do Tribunal Administrativo. Não o fez e tais projectos são inexistentes e a Procuradoria Geral da República não agiu, nem está a agir. Mas tem a obrigação de o fazer, responsabilizando o executivo de então.

 

Acusados - Os arguidos, ou réus. Muito pouco se fala de acusados na sessão. Fala-se mais, na rua e nos chapas, de presos e réus.

 

Alcunhas - Pseudônimos que Jean Boustani atribuiu aos arguidos e outras os arguidos se foram atribuindo uns aos outros, tudo para despistarem eventuais investigações da lei. A lista detalhada pode ser encontrada no relatório da Kroll.

 

Arguidos  - Réus. Esta equivalência não reúne consenso entre os advogados. Uns entendem que devem ser considerados ‘arguidos’ porque ainda não se provou a sua culpabilidade; enquanto a designação ‘réu’ já traz consigo a carga de culpabilidade. Para o povo na rua, são aqueles que roubaram milhões ao Estado e deles se locupletaram.

 

Arguidos verdadeiros - Na voz do zé povão, os arguidos em julgamento não são os verdadeiros. Os verdadeiros são os que devem explicar onde é que foram os 2.2 biliões de dólares de que não se fala neste julgamento. No corrente, só se fala de 50 milhões. O povo espera ser esclarecido sobre todo o valor e não apenas uma pequena parcela.

 

Basetsane - Estrela da manhã, mas também da noite. Estrela da manhã… porque serviu de guia aos reis magos; mas também é da noite, porque apareceu à noite, iluminou e depois desapareceu. A Sra. apareceu, guiou e apresentou Boustani e desapareceu!…

 

BO - Cadeia de máxima segurança de Moçambique. Este é o segundo grande julgamento que acolhe. O primeiro foi há 19 anos, quando foi julgada a quadrilha que assassinou o jornalista Carlos Cardoso.

 

Boustani, Jean - Caixa negra. Arquitecto da unidade nacional de todos os caloteiros presos e não presos e nem sequer processados.

 

Dólares - Moeda norte-americana equiparada a galinhas. Os réus, para se referirem camufladamente aos milhões de dólares que estavam a tratar de embolsar ilicitamente, usavam na documentação a expressão ‘galinhas’; “cinquenta galinhas”…

 

Fardamento - Cavalo de batalha dos advogados. Pediram insistentemente ao juiz para que os seus constituintes não envergassem a roupa de reclusos nas sessões de julgamento; pedido recusado pelo tribunal.

 

Facilitador - Teófilo Nhangumele. Grande lobista. Certamente que será debitado a ele a consagração definitiva da profissão de lobista/facilitador na nossa vida social. Nhangumele defendeu com unhas e dentes a sua profissão ou ocupação de facilitador.

 

Galinhas - Vide dólares.

 

Juiz Efigénio Baptista - Figura que está a julgar o caso "dívidas ilegais”. Pessoa a quem (i) o mundo inteiro tem em olho para ver até onde vai ou pode ir; (ii) o próprio aparelho de justiça, incluindo e sobretudo a Procuradoria Geral da República, deposita confiança para restaurar a credibilidade, seriedade, honestidade, capacidade e competência há anos perdida; (iii) o povão, àvido de justiça, revoltado, deposita total confiança para a reposição da justiça e para dar uma lição aos políticos; e (iv) a quem os corruptos acham que vai repor a justiça, deixando-os ir em liberdade, a despeito de tanto roubo ao povo. Em pouco tempo, tornou-se uma das figuras mais populares e muito queridas pela população. O futuro de Moçambique e o seu próprio está nas suas mãos.

 

Ministério Público - Dra. Ana Sheila Marrengula. Para a população em geral, esta é a revelação de uma grande mulher. Muita competência, firmeza, destemida, precisa, incisiva e linguagem fina, apurada - nunca se lhe notou nenhuma gafe linguística. É de grandes mulheres como esta que Moçambique precisa. O futuro pertence-lhe!

 

Motivação política - Alegação de certos réus mancomunados com os seus advogados para atirar areia aos olhos da populaça. Estratégia para criar confusão nas cabeças das pessoas, desvalorizar o julgamento e transformar o momento em instância de perseguição política, para dar a entender que alguém está a ser politicamente perseguido.

 

Muito bem - Expressão de fôlego preferida do juiz da causa. Após toda a batalha, pequena ou grande, a expressão que segue é “muito bem”.

 

Cipriano Sisínio Mutota, também conhecido por Rosário Mutota - O coitado do grupo. O mais injustiçado. Começou a desenhar o projecto de protecção da Zona Económica Especial, mas depois foi afastado. Para seu azar, do grupo dos caloteiros, foi o que menos galinhas recebeu e depois de tanto fazer barulho. Como um azar nunca vem só, o Mutota foi abandonado pela quadrilha na BO, indo ela acomodar-se no hotel de Língamo. Com as poucas galinhas que recebeu, ele foi fazer machamba em Mocuba em local que ninguém conhece, produziu milho, gergelim e soja, cujo dinheiro da venda comeu.

 

Ndambi - Nome de um fenômeno natural - cheia decorrente de transbordo de um rio, em consequência de chuvas intensas - que o antigo Presidente da República adoptou para o seu primeiro filho. Após o seu interrogatório, ficou conhecido como ‘cinderela  mal criada’. Cinderela porque nalguma correspondência com Boustani foi assim tratado; e mal criado na sequência das várias chamadas de atenção feitas pelo juiz no curso do seu interrogatório, em que ele se comportava menos apropriadamente. Vezes sem conta interrompia o juiz, a magistrada do Ministério Público (MP) e ou o assistente do processo, tendo chegado a perguntar à representante do MP se queria um vinho, para além de manter as mãos nos bolsos do seu blusão de 260 euros todo o tempo, até agora.

 

Não respondo a essa pergunta = Não me ocorre/recordo = Não posso precisar - Expressões dos interrogados/presos para ocultarem informação. Estratégia adoptada pelos reclusos para não confessarem a verdade material ao tribunal e ao público, já que o julgamento está a ser transmitido em directo pelos media.

 

Vamos, meu caro - Expressão do juiz da causa a puxar pelo escrivão que o senso comum acha que é muito lento. Alguém já sugeriu até que o tribunal adoptasse a técnica já disponível no mercado de conversão automática do texto oral em texto escrito. Há a sensação de que se gasta muito tempo na redacção da acta.

 

Viagem - Ida (nova entrada na língua). Perguntado o réu se tinha viajado para a Alemanha, respondeu que não tinha viajado para Alemanha, mas tinha ‘ido’ para a Alemanha.

 

Vinho - Perguntado pela Magistrada do Ministério Público, Dra. Ana Sheila Marrengula, sobre qual era a outra mercadoria que o avião que num dos seus e-mails a Ndambi Guebuza Boustani indicava que tinha embalado vinho e outra mercadoria para a Presidência da República, o arguido respondeu “quer uma garrafa de vinho”?

sexta-feira, 10 setembro 2021 08:50

Os nossos amigos chinocas

quarta-feira, 01 setembro 2021 09:24

A Tanzania virou-nos as costas? Virou?

 

PRÉVIO: ESTE TEXTO FOI PRODUZIDO ANTES DE O GOVERNO NORTE-AMERICANO REVELAR ALGUNS NOMES DE TERRORISTAS E DA DECISÃO DA SADC DE ENVIAR TROPAS PARA AJUDAR MOÇAMBIQUE A COMBATER O TERRORISMO EM CABO DELGADO.

 

Há a sensação geral de que a Tanzania, o berço da nossa República, virou-nos as costas. Do apoio incondicional que dispensou antes e durante a luta de libertação nacional e depois da proclamação da independência nacional, hoje, pouco ou nada quer saber de nós!

 

De facto, os desenvolvimentos dos últimos anos levam a essa conclusão. A Tanzania proclamou em vários fora que a responsabilidade de garantir segurança, paz e estabilidade de Moçambique é dos moçambicanos e que não vai apoiar uma guerra cujo inimigo não tem rosto. Mais do que mera retórica, os nossos irmãos (ou ex-irmãos?) têm-se recusado terminantemente a abrir centro de refugiados para albergar moçambicanos fugidos de terrorismo no norte de Cabo Delgado, repatriando-os compulsivamente e nem sequer lhes dando assistência humanitária!

 

E esta foi a atitude que atraiu muitas críticas e condenações internacionais e de muitos moçambicanos em particular. Dados do ACNUR indicam que mais de 9.600 deslocados foram repatriados à força de Janeiro a Junho deste ano, sendo que cerca de 900 foram literalmente “empurrados” de regresso a Moçambique em apenas alguns dias de Junho.

 

A Tanzania tem razão: o inimigo que devasta a zona norte da província de Cabo Delgado não tem rosto. Sabe-se que é terrorismo! Grupos de insurgentes ou terroristas aqui e acolá… De concreto, identificado e assumido, nada! Muito estudo foi e continua a ser feito, mas ainda não apontou um nome em concreto! Serviços secretos de todo o mundo batem as cabeças para encontrar rasto, identidade e localização… quase nada! Continuamos completamente no escuro. Mas isto (a inexistência de rosto dos grupos dos terroristas) não é motivo para os nossos irmãos tanzanianos não juntarem os seus braços aos dos outros da Região e do mundo no combate a este pesadelo. E muito menos para escorraçar humilhantemente todo e qualquer refugiado que em suas terras pouse o pé, contra todas as disposições legais internacionais e contra os valores básicos de humanismo! Menos ainda de nos virar as costas!

 

A Tanzania é o berço do nosso Moçambique independente! Acolheu no seu solo pátrio todos os moçambicanos fugidos das atrocidades do colonialismo português em Moçambique, entre os quais jovens que iam lutar para libertar a sua terra e os que simplesmente se refugiavam, os refugiados. A Tanzania co-organizou os moçambicanos aglomerados no seu território para lutarem contra o colonialismo português. Ajudou os moçambicanos a lutarem contra o colonialismo português. A Tanzania recebeu no seu território todas as formas de ajuda à luta armada de libertação de Moçambique, incluindo material de guerra. A Tanzania aceitou e aguentou todas as acções hostis de retaliação do governo colonial português em Moçambique. Numa palavra: a Tanzania fez tudo o possível e o impossível para Moçambique ser independente! Conquistada a independência, a Tanzania ocupou a chapa número um dos registos diplomáticos de embaixadas! Samora e Nyerere eram… irmãos!

 

E, como diriam os ingleses, what went wrong?

 

À parte o viranço ou não das costas por parte das autoridades tanzanianas, temos a obrigação de fazermos uma introspecção. Vermos o que podíamos ter feito de outra maneira, não necessariamente para agradar os irmãos tanzanianos, mas para evitar que estivéssemos nesta situação em que nos encontramos hoje, de lutar com um inimigo sem rosto, mas que está claro que se trata de terrorismo com ligações ao terrorismo internacional!

 

Na minha linha de pensamento, um grande erro foi a não reconstituição e apetrechamento de um grande e forte exército nacional, depois do Acordo Geral de Paz de Roma, de Outubro de 1992. Não há nenhum Estado em segurança e estabilidade sem um exército forte. Enquanto não tivermos, a nossa vida, como Estado ou sociedade, será porosa. Este foi e continua o erro capital que continuamos a cometer gritantemente!

 

A segunda coisa nociva para nós próprios, no meu entender, foi a abertura do centro de refugiados em nosso solo pátrio - e este centro continua lá imponente. A sairmos de uma guerra sangrenta que a Renamo moveu e sem termos as condições apropriadas, tivemos a vaidade de abrir um centro de refugiados e ‘convidamos’ todo o mundo para cá vir refugira-se - estávamos a mostrar a nossa solidariedade. E todo o mundo cá veio, mesmo pessoas que não qualificavam. Chegamos a admitir pessoas que tivessem atravessado seis fronteiras, o que contraria as regras internacionais. Depois, a nossa capacidade de controlar essa gente toda que pulula para o nosso país… era e continua diminuta! Muito precária. Muitos dos tais “refugiados” não tinham nada de refugiados, estavam, sim, à procura/espera de oportunidades para seguirem os seus planos e destinos completamente desconhecidos para nós. Aglomerámos tanta gente ali e hoje é o que vemos/choramos com os nossos próprios olhos! Quantos países têm centros de refugiados funcionais em seus territórios? A propósito, por quê não encerramos aquele centro em Marretane? Ganhamos o quê? Trar-nos-á piores custos que estes que estamos a viver no sangue, o terrorismo?

 

A outra menos bem pensada foi a proliferação de aeroportos internacionais. E esta tendência até hoje ainda se verifica. Quase todos os aeroportos nas capitais provinciais são aeroportos internacionais… só não há voos internacionais regulares porque os operadores não viram/vêem vantagens nisso. Decretamos aeroportos internacionais sem a acompanhante necessária e fundamental de controlo de entradas de estrangeiros nesses pontos: segurança. Nalguns deles nem scanners havia, nem aquela vara detectora de metais… As coisas foram acontecendo, os estrangeiros foram entrando… aos magotes e hoje estamos aqui: terrorismo! Por quê não escolhemos três a quatro aeroportos (Maputo, Beira e Pemba, por exemplo?) e ficamos por aí...

 

E este é um elemento crítico: a falta de controlo sério nas nossas fronteiras. De tempo a tempo, não muito distante um do outro, temos notícias de estrangeiros detidos em algum lugar do nosso país… etíopes, somalis, nigerianos, ruandeses, etc., etc. e em quantidades assustadoras. Ou a caminho da África do Sul, ou de um outro ponto. Preocupantemente, com a facilitação e ou envolvimento dos nossos agentes de segurança. Temos que encarar com muita seriedade a questão da segurança nas fronteiras!

 

Depois da nossa introspecção profunda, aí, sim, podemos procurar o tesouro perdido some where! Ou apontar o dedo a… Tanzania! Encontrando-o ou não, uma coisa impõe-se: sentarmos à mesma mesa com os irmãos tanzanianos  e conversar a sério com eles. Não podemos deixar morrer uma fraternidade genuína como esta, seja por causa de recursos ou não. A Tanzania e os tanzanianos são um povo muito generoso!

 

ME Mabunda

terça-feira, 24 agosto 2021 09:52

África deve ser estudada - Ortega Teixeira

quinta-feira, 19 agosto 2021 07:21

Missa a Kandiyane wa Matuva Kandiya

Fez esta semana, justamente a 11 de Agosto, seis meses depois que um dos nossos cronistas, João Candiane Candido, nos deixou. Não sei se para muitos este nome diz alguma coisa; mas posso assegurar que, para ‘uns tantos’, sobretudo os de idade adulta, saberão que se trata, nada mais, nada menos, de… Kandiyane wa Matuva Kandiya! Aquele mesmo que assinava uma coluna, para alguns algo controversa, no “Domingo”! Para esta grande figura da nossa praça pública perecida a 11 de Fevereiro, vai esta “missa pagã”!

 

João Candiane Cândido foi, sim, uma figura de peso no nosso espaço público! As suas opiniões tinhamo-las através das páginas do semanário “Domingo” semana sim, semana sim, até antes do seu silêncio! Primeiro, a sua crônica tinha o título de ‘Assombrações’, depois passou a ‘Leigo, Mas não Burro!’ Opinava sobre todos os assuntos. E não era de rodeios. Naquele seu espaço, ele pegava o “búfalo pelos chifres”, talvez daí ter sido apelidado, por alguns, de controverso. Foi Secretário Permanente no Ministério dos Recursos Minerais e Energia e, depois, membro da Autoridade Nacional da Função Pública (instituto que teve uma vida muito efêmera, foi extinta porque inconstitucional) e, por fim, vice-ministro da Mulher e Acção Social. Portanto, não estamos diante de uma figura qualquer…

 

Mas não decorre disto a “missa” que dedico a João Candiane Cândido, aliás, Kandiyane wa Matuva Kandiya! Decorre da relação de amizade e de empatia que mantive com ele.

 

Finais dos anos 80. Eu era também jornalista cultural no “Domingo”, além de generalista, coordenador da página ‘Ler & Escrever’. Por esta razão, tinha que frequentar eventos culturais. Por razões por explicar, não somente por mim, havia mais aviso e consequente relato de actividades culturais ocorrendo na cidade capital do que nas províncias; um dos menos mencionados e estudados desequilíbrios sociais - os acontecimentos que têm lugar na capital, mesmo não tendo aquela magnitude têm maior cobertura mediática, mas isso é outra história para discutir.

 

A sede da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) era onde ocorriam muitos “assuntos” culturais: palestras, debates, colóquios, conversas literárias, lançamentos de livros, e outras iniciativas que tais. O Kandiane era presença assídua e ruidosa. Numa dessas ocasiões, o debate era sobre “o que é literatura moçambicana e o que não é, versus, quem é o escritor moçambicano e quem não é…”, temas próprios dos momentos de transições políticas. Não posso reproduzir a posição do malogrado, já não me ocorre, mas interveio com vigor e apresentou as suas posições.

 

Assim íamos nos encontrando nesses eventos culturais. Não muito tempo passou, fiquei também coordenador das ‘Cartas dos Leitores’ e aí tive de entrar em contacto com muitos leitores assíduos do nosso jornal… o nosso João Candiane Cândido, o também falecido Gabriel Simbine e o igualmente perecido Job Mapepeto Mabalane Chambal (Deus os tenha)! Muitas foram as cartas do Kandiane e dos velhos Simbine e Chambal que publicámos nas páginas do semanário “Domingo”. Um desses dias, o Candiane traz consigo dois grandes volumes de textos dactilografados e pede para eu ler. Li até onde pude, eram muitos e, depois, recomendei-lhe para, ele próprio, seleccionar os que considera os melhores textos, agrupá-los por temas e reuni-los em draft de livro e depois trazer para voltar a apreciar. E veio a publicar os seus escritos em livros!

 

Depois do semanário “Domingo”, tive que ir trabalhar no Ministério dos Recursos Minerais e Energia, como assessor de comunicação! Quem encontro lá é, nada mais, nada menos, Joao Candiane Candido! Secretário Permanente do MIREME! Aliás, ele nunca tinha trabalhado em nenhum outro lugar antes da Alta Autoridade para a Função Pública e Ministério da Mulher e Acção Social. Lá diz um velho ditado popular, ‘trate bem as pessoas, independentemente de não estares ligado a elas, pois não sabes onde vais!’ Pois bem, e se tivesse destratado o Kandiyane enquanto dono e senhor das páginas do jornal, e ele interessado em publicar os seus escritos?...

 

Devo confessar que tivemos uma relação de trabalho muito boa, talvez decorrente da relação de amizade que já tínhamos. Quase sempre, estávamos nós a discutir literatura e conhecimentos gerais. O senhor Secretário Permanente era uma pessoa de coração aberto, de muita candura. Sempre de sorriso na boca. Durante os cerca de três anos que trabalhei com ele, nunca ouvi alguém queixar-se de fosse o que fosse do senhor Secretário Permanente! O Kandiyane wa Matuva Kandiya era uma pessoa muito lida, com muita cultura geral, e continuava a ler avidamente. Grande conhecedor da bíblia, afinal, ele fora seminarista; falava dela com toda a facilidade do mundo, como podemos ver nos seus textos. Aquele senhor é um exímio contador de histórias! Muito conversador. Podia contar histórias uma semana inteira! Nos nossos conselhos coordenadores, ele era o contador-mor de histórias, apesar de que não tomava álcool!

 

Como referi, era um homem sem papas na língua! E talvez isto lhe tenha trazido uma grande incompreensão, de tal sorte que, quando foi nomeado vice-ministro da Mulher e Assuntos Sociais, um grupo de mulheres fez um abaixo assinado para a então ministra, Virgília Matabele, a protestar contra a nomeação dele para a posição de vice, acusando-o de agressão verbal e psicológica à mulher, intolerância contra a oposição política e linguagem menos própria. Num dos debates nos jornais com o falecido jornalista  Machado da Graça, ele acabou chamando-o jocosamente de “beula” (o correspondente, em xangana, de machado)... e numa das suas últimas crônicas atacava vigorosamente a actual ministra da Cultura e Turismo por ter feito um concerto de música clássica no fim do ano, insinuando tratar-se de um estilo cultural estranho à cultura moçambicana!

 

Aqui fica uma breve homenagem a um homem, cuja passagem pelo mundo fez questão ele próprio de registar! Incluindo prenunciar a sua própria morte. Na sua última crônica, publicada a 7 de Fevereiro de 2021, sobre as tremendas perdas dos seus amigos devido à COVID-19, ele terminava dizendo: "Não sei se digo até breve ou até sempre” aos amigos falecidos. Certo, certo é que foi a sua última crônica publicada no semanário “Domingo”.

 

Fica aqui a Missa (Pagã), [roubando ao Fernando Manuel], ao João Candiane Cândido, ou Kandiyane wa Matuva Kandiya!

 

Até sempre, mais velho!

 

ME Mabunda

sexta-feira, 06 agosto 2021 14:22

O que gostaria que acontecesse no meu país!

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, saiu a público esta quinta-feira, 5 de Agosto de 2021, e anunciou aos sul-africanos que ia proceder a remodelações governamentais e explicou as razões por que as ia fazer.

 

Disse ele, alto e bom tom, que o país, África do Sul, portanto, está a enfrentar grandes desafios, destacando-se a pandemia da COVID-19 e as recentes ondas de vandalizações e assaltos a bens públicos e privados nas províncias de Kwazulu-Natal e Johanesburgo e as suas consequências, e que o Estado não tinha dado as respostas adequadas que devia ter dado. E as mudanças visavam fortalecer o Estado para dar as respostas adequadas para o bem estar do cidadão e da África do Sul.

 

Outrossim, explicou que ia separar portfólios aglutinados num determinado ministério, o Ministério dos Assentamentos Humanos, Água e Saneamento do Meio. As ‘águas’ passariam a estar separadas do ‘assentamento humano’. Conforme explicou, a provisão de água no país é um assunto extremamente importante, complexo e bastante amplo que não se esgota no fornecimento de água aos domicílios, aos assentamentos humanos, mas que é um assunto crítico para as indústrias, agricultura, mineração e meio ambiente… ou seja, para a economia no seu todo. “A água é o mais crítico recurso natural do país. Segurança na água é fundamental para as vidas do nosso povo, para a estabilidade da nossa sociedade e para o crescimento e sustentabilidade da nossa economia”, argumentou Ramaphosa.

 

A rematar, anunciou que como parte das medidas críticas que estava a tomar para reforçar os serviços de segurança e prever a ocorrência de situações como as que acabavam de ter lugar em Kwazulu Natal e Joanesburgo, criava uma comissão para avaliar o grau de preparação e a deficiente resposta dada. O tal painel de experts vai examinar todos os aspectos e apresentar recomendacoes.

 

Eu aplaudo vivamente este procedimento: informar os concidadãos, ou o seu grupo de trabalho, colegas, subordinados, etc. que vai fazer algo; que vai proceder a alterações no xadrez por causa disto e daquilo. Partilhar com os cidadãos as inquietações e ou aflições que levaram à conclusão da necessidade de alterações na equipa. Comunicar aos concidadãos as expectativas em mente, no caso, fortificar o grupo, a instituição, ou o nosso Estado para fazer face a tudo que seja ameaça ao bem estar e estabilidade nacional e do cidadão.

 

Por fim, como gesto de grande humanidade, agradecer publicamente, sem rodeios, sem desprezo, nem desvalorização, aos titulares cessantes pelo contributo que deram para a consecução dos objectivos da instituição, do Estado ou dos compatriotas.

 

Gostaria que isto acontecesse no meu país! Que esta fosse a prática no nosso solo pátrio.

 

Gostaria que houvesse respeito, consideração, humanidade, sentido de gratidão e de ética para com os que são desnomeados, os que cessam funções! Para com as suas pessoas individuais, humanamente falando, mas também para com as suas famílias e amigos.

 

Mas também ainda, para com a sociedade em geral, para com os compatriotas na globalidade. Não somos mais chefes quando humilhamos o semelhante, sobretudo alguém a quem convidamos, de nossa livre e espontânea vontade, para dar o seu contributo numa determinada posição ou empreitada e procurou dar o seu melhor em resposta ao convite que lhe foi formulado! Agradecer é um dever humano, não é um favor.

 

Cá entre nós, o que temos assistido é bastante triste, roçando mesmo o desumano! Em todos os níveis da nossa gestão. Não é só ao mais alto apenas, mas a todos os níveis!

 

No ciclo governativo anterior, houve uma caricatura que circulou bastante nas redes e meios sociais. Retratava um dirigente, em casa, sentado na cadeira, que não queria ir para a cama deitar-se e a esposa, agastada, perguntava-lhe porquê não se queria deitar e ele respondia: não quero acordar não ministro!...

 

Ao longo destes tempos todos da nossa vida, vimos e ouvimos de tudo… ministros que são demitidos em comunicados de imprensa lidos na rádio, directores exonerados através de SMS’s, outros tantos responsáveis e dirigentes que ouvem que já não o são através dos seus próprios subordinados, muitas vezes da secretaria. Dirigentes que se pedem que entreguem as chaves dos gabinetes na tarde a seguir à sua exoneração… tanta desumanidade! Why?

 

Não podemos respeitar o outro ser humano? Pode já não servir para aquela posição ou interesses, mas não deixa de ser humano!

 

ME Mabunda

sexta-feira, 06 agosto 2021 08:07

Bem focados no acessório!

Num desses dias, fui convidado, como habitualmente, a ir fazer comentários numa estação televisiva da nossa praça. Nesse dia, um dos muitos friorentos que Maputo tem tido este ano, trajava eu uma camisa executiva e um blusão preto de cabedal, egípcio, para me defender do frio. Estava eu semiformal e, digamos, com ar jovial. Lá me apresentei aos estúdios e, durante cerca de quinze minutos, fiz os comentários que fiz fundamentalmente sobre a situação da COVID-19 e as medidas de prevenção da sua disseminação  que o Chefe do Estado ia anunciar instantes depois.

 

Terminada a sessão e a caminho de casa, lá vieram as reacções. Uma, dum amigo, bem estudado, docente universitário. Do que eu disse ou não disse no pequeno ecrã, falamos pouco, en passant. A maior observação dele foi que devia ter ido de casaco e gravata!... fiquei whititiii, sem uma única palavra na boca, e ele a perorar por aí. Com efeito, esta não era a primeira observação que me era feita neste sentido; numa outra ocasião, uma outra pessoa amiga também ela muito bem estudada e docente numa instituição de prestígio. Dessa vez, porque apenas não trazia gravata, estava de blazer, mas não tinha gravata… Djizes Crest!

 

Esta parece ser, de certa forma, o tipo de sociedade que somos: focados no acessório, no superficial ou supérfluo. Estamos bastante preocupados não com a essência, com o conteúdo, a mecânica das coisas; mas com a superfície, com o contentor, com o que se nos aparece na vista, a parecença! Não que a indumentária não seja importante, até é; mas daí a ter-se como o mais importante do que as ideias numa pessoa…

 

E isto explica perfeitamente a razão de ser de muitas das nossas atitudes, percepções, decisões, opções, debates e discussões. Valoramos muito a aparência, a superfície, o nome, o que aparece à vista. Melhor: o que se deixa ver. Infelizmente, os factos ou fenómenos, sejam naturais ou sociais, vão muitíssimo além! 

 

Numa outra crônica passada, escrevia que o nosso modus operandi era: “Alguma coisa, instituição, empresa, ministério, selecção de futebol, não funciona, não está bem, não tem os resultados esperados? O remédio santo é mudar de nome! Simplesmente isso. Mudamos de nome!” Quase, quase, os Mambas ficavam Rinocerontes! A nossa atitude vem justamente nesta linha de valoração da aparência. Pensamos que com apenas um nome que nos soe bem a coisa vai funcionar e trazer os resultados que esperamos. Tadinho de nós!...

 

Ante os colossais problemas da nossa justiça, cobertura territorial nacional incipiente, poucos magistrados, justiça muitíssimo morosa, ineficiente e… mais alguma coisa; a grande discussão, o grande debate entre os nossos prestimosos magistrados é se os advogados devem ou não levantar-se quando o juiz entra na sessão de julgamento!...

 

Não menos delirante é a discussão entre o comandante geral da nossa PRM e os artistas… até os artistas, sobre se se pode ou não usar o fardamento policial nas representações artísticas… Came on! É esta uma questão essencial em ambas as instituições? Dos tantos e colossais problemas que a nossa Polícia tem, o seu comando ainda encontra espaço para se insurgir contra o facto de o artista usar farda policial no palco… os artistas, por seu turno, distraem-se, apartam-se da criação artística para disputarem fardamento policial… a arte só é arte quando se usa fardamento da Polícia? Desfoque absoluto! Absurdo...

 

E que dizer da grande discussão que estamos a assistir entre o governo e as universidades, sobre se o professor licenciado deve ou não dar aulas nas universidades. Para muitos, ante a grande questão da fraca qualidade do nosso ensino superior em debate, o remédio santo, a varinha mágica é a proibição de o licenciado exercer a docência nas universidades e daí vamos passar a ter ensino superior de qualidade. Mais uma vez, olvidamos o essencial e ficamos na aparência! Para nós, o licenciado é a causa, ou uma das causas da fraca qualidade do nosso ensino superior. E o doutorado é o remédio santo, a varinha mágica! Que abordagem rústica, tosca!

 

Da forma como alguns olham para a questão (para o licenciado), não se dão tempo de pensar sobre de que licenciado estamos a falar, não lhes interessa se é um licenciado extraordinário, que fez o curso com altíssima classificação, se investiga e publica, se participa em seminários, colóquios, etc., etc. Não, tudo isso não é relevante. Mais importante é que ele é licenciado e ponto final e, assim sendo, não pode pôr o pé numa sala de aulas de uma universidade.

 

Nem temos em conta que, inversamente, há doutorados e doutorados; nem todos são qualidade e excelência que pensamos ser. Muitos, o trabalho que se lhes conhece é a sua desconhecida tese de doutoramento, não se lhes conhece nenhum outro escrito, vivem anónimos; não investigam, são maus comunicadores, menos profissionais… e esses é que devem ser, na nossa definição, os docentes nas nossas instituições de ensino superior! Que abordagem ruim, a nossa! Mas é reveladora, por excelência, da sociedade superficial que nós somos.

 

José Soares Martins, já falecido, Deus o tenha, é um dos maiores historiadores de Moçambique; escreveu que se farte sobre a nossa história; e mesmo assim, na nossa abordagem, não podia dar aulas a um candidato a licenciado!... Fátima Mendonça… uma das grandes estudiosas da literatura moçambicana, tinha, na nossa visão superficial, que não dar aulas na universidade! Na Faculdade de Direito, foram formados grandes juristas (juízes, procuradores, advogados, etc.) no país por docentes… licenciados; não havia ali doutorados aos magotes, como se preconiza e apregoa! Idem aspas na Faculdade de Engenharia! Temos, neste país, muito grandes engenheiros que fazem milagres, formados por docentes… licenciados!, que não deviam dar aulas na universidade!...

 

Tem razão, pois, o Prof. Lourenço do Rosário, ao defender que as IES são autônomas para convidar quem quiser para dar aulas nas suas salas! A qualidade não está no nome, nem na aparência (casaco e gravata): está na essência!

 

Concentremo-nos mais na estrutura profunda das coisas e não na de superfície, se queremos uma sociedade de qualidade! 

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