Se todos nós percebemos bem, um “porta-voz” da oitava secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), ao impedir a cobertura noticiosa em directo do julgamento do caso “Helena Taipo”, a decorrer na Katembe, em Maputo, evocou alto e bom tom que, cito de memória, os réus gozam da presunção de inocência; e por isso as sessões de discussão, produção de provas e julgamento não podiam ser transmitidas pela comunicação social.
Tão somente isso: se as sessões estivessem a ser transmitidas em directo, estar-se-ia a violar o sacrossanto direito de “presunção de inocência dos réus”!, na óptica do diligente oficial.
Quid juris? - como eles próprios, os juristas, costumam redarguir! De quê é que estamos a falar de facto e de júri? Não passa um único segundo depois que vimos ao vivo tudo o que se passava na “tenda das revelações”, diariamente, hora a hora, minuto a minuto e segundo a segundo! Durante seis longos meses - de 23 de Agosto de 2021 a 10 de Março de 2022. Em Dezembro, praticamente só se trabalhou dez dias! Aliás, o tal julgamento ainda não terminou… falta a leitura do veredicto final.
Vimos ali na “tenda das revelações” tudo o que havia para ver na vida. Tristezas, não tristezas, choros, agonias, desesperos, aflições… tudo! Vimos todos os modelos de cabelo de Ângela Leão, os vestes e calçados de outro mundo do Ndambi, os chapéus do ACR, os fatos de Moda de Sidónio, as sonecas do Nhangumele, Mutola e quase todos os outros. Vimos todos isto.
E vimos porquê? Justamente porque o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo permitiu que víssemos! Permitiu que o julgamento fosse transmitido em directo pela comunicação social. O mesmo Tribunal Judicial da Cidade de Maputo que, na voz daquele cidadão, nos veio, segunda-feira, dizer que a transmissão viola o princípio de “presunção de inocência”! Quid júris?
Significa isto, então, que o TJCM, ele próprio, estava a violar este princípio quando permitiu que se transmitisse em directo o julgamento? Estava a violar o princípio da presunção de inocência quando permitiu a transmissão do julgamento do caso Carlos Cardoso e do BCM? Onde está a consistência? Então todos os réus envolvidos em todos os casos cujos julgamentos foram transmitidos em directo podem… pedir justiça e ressarcimento ao… TRIBUNAL JUDICIAL DA CIDADE DE MAPUTO… pela violação do seu direito de presunção de inocência? Podem?
Sabemos e compreendemos que os juízes são soberanos. Mas sabemos e compreendemos também que os juízes agem em estreita obediência à lei. Agora, digam-nos: qual é esta lei que muda de cor tipo camaleão… numa situação, permite transmissão em directo e noutras situações não permite? Qual é essa lei? Havendo-a, que todos os juízes a observem!… Ou cada juiz tem a sua lei e a vai exibindo e usando à medida das suas conveniências?…
Mas, deixando a matéria de direito de lado e indo à matéria dos autos: olhando para o objecto dos dois julgamentos, o da “tenda das revelações” e o da “Helena Taipo”, bem, bem, bem… qual é o que não merecia transmissão em directo? Não é aquele em que informações sensíveis do Estado foram expostas mundialmente? O armamento que se pretendia adquirir, como, a finalidade, etc., etc…. Não era este julgamento que devia ter sido “escondido”? Não o foi.
Agora, um caso em que os réus são acusados de se terem apoderado de dinheiro dos mineiros… o que é que há de segredo de Estado que é preciso preservar, esconder? A figura de uma ex ministra? Convenhamos!
Por último. Há um equívoco muito grande para com a essência da comunicação social. O trabalho da comunicação social é levar ao conhecimento dos membros da sociedade os actos que ocorrem nessa mesma sociedade. A comunicação social não realiza altos, não acusa ninguém, procura tão somente reportar o que acontece na sociedade. Quem realiza actos são os actores sociais, quem acusa são os ofendidos e o Ministério Público. Reportar isto é violar o princípio de presunção de inocência de alguém? Reportar a sessão de julgamento é violar o princípio de presunção de inocência de alguém?
Ademais. Quando alguém é nomeado ministro e a comunicação social reporta e transmite a sua tomada de posse, aí está tudo bem! Não há violação de nada… Só quando reporta a sessão de discussão, produção de provas e de julgamento é que já está a violar a presunção de inocência? Todo o acto praticado por uma figura pública é de interesse público!
Ou então, não seja figura pública!
ME Mabunda