É preciso ser cara de pau mesmo! Não ter vergonha na cara! Não ter piedade! Não ter coração mesmo! Não ter sensibilidade! Não ter o mínimo de pudor, de ética, de não sei mais o que mesmo… não ter vergonha na cara!
Roubar o mineiro! Tirar o suor do mineiro. Aldrabar o mineiro. Aproveitar-se do suor e sacrifício, do suicidismo, do kamikazismo, da determinação do mineiro, do pobre mineiro, em prol da sua família e dos seus!… tirar proveito a partir da nossa posição de funcionários públicos!! De quem se exige muita ética, moral, honestidade e espírito de servir. E não do espírito de ladroagem!...
Das duas uma: ou trata-se de pessoas sem coração, ou de gente que não sabe o que é um mineiro! Não tem em suas consciências o que é verdadeiramente um mineiro!
Para não me matar, prefiro pensar que se trata de gente (esta que roubou os mineiros) que não sabe e nem tem a mínima ideia de o que é o mineiro moçambicano, pelo menos o da região sul do país. Alguém que nunca viveu na região sul do Save - pois aí a realidade ter-lhes-ia dado a conhecer o que ele é; são pessoas que nunca se preocuparam muito com a história e particularmente com a história econômica do nosso país; alguém que nunca… não vive na Pátria Amada! Alguém que nunca leu um único livro do Professor Doutor Luís Covane!
Porque se não, saberiam o que é efectivamente um mineiro! Mas vou tentar ajudar. Um mineiro é um indivíduo - pode ser jovem, adulto e até já velho - muitas vezes (noventa e nove por cento vírgula nove por cento) sem emprego na sua terra de origem, pobre, vive na miséria. Que não foi muito à escola… há-de ter dificilmente o nível básico completo. Em muitos casos, foi pastor, ou saiu da pastorícia de gado bovino. Que tenta ou tentou viver de agricultura, a tal agricultura familiar que não rende muita coisa por aí além... Um indivíduo que procurou emprego em muita coisa e não o conseguiu. Um sofredor. É um indivíduo que sofre pressão social para ir à África do Sul trabalhar nas minas para vir lobolar e casar uma mulher, independentemente da sua vontade. É um indivíduo que, querendo ou não, com meios ou sem meios (muitas vezes sem meios), deve ir para a África do Sul trabalhar nas minas para vir tirar a família da pobreza, desejadamente começar a tirá-la a partir de lá. Um mineiro é alguém que sai de casa, com ou sem condições de fazer viagem, sem dinheiro, sem comida, sem… nada! A caminho da África do Sul para trabalhar nas minas. Que sai sem saber onde vai, como vai e se vai chegar aonde se pretende que vá; mas de quem se espera que tão cedo mande “alguma coisa” para a família. É aquele indivíduo que arrisca a vida para atravessar a fronteira, muitas vezes sem a documentação necessária, seja para a travessia da fronteira e permanência legal na terra do rand, seja para ser contratado numa companhia mineira. Pondo de parte aqueles muitos que não chegam a conseguir atravessar a fronteira - e precisamente por isso não chegam ao estatuto de mineiro -, vamos continuar com os que, por todo o tipo de milagres deste mundo, conseguem chegar a uma companhia mineira e são contratados. E ficam mineiros. Mas não se pode deixar de dizer e sublinhar que chegar à condição de mineiro não deixa de ser um harakiri japonês da pesada!… Já na mina, com o estatuto de facto e de júri de mineiro… não fala a língua que se fala no trabalho, muitas vezes o chamado fanakalo, não tem a visão nem a sabedoria perto da dos seus patrões; muitas vezes, não sabe ler nem escrever, mas tem que… assinar documentos sobre o seu emprego, a sua vida e mais coisas…! Tem que receber do trabalho que está a realizar sem ter sequer negociado a justeza do seu contrato e da sua remuneração. Depois, tem que guardar essas remunerações, esses valores, em condições que só ele sabe - mas nunca soube antes, porque nunca recebeu dinheiro em sua vida; muitas vezes, humano que é, é tentado a satisfazer as suas naturais ambições localmente e, simultaneamente, mandar “alguma coisa” para a família lá na terra, com a qual mal se comunica. Ou a qual não tem ideia nenhuma de onde está ele. E lá no trabalho sofre descontos que não percebe. Não tem alternativa. Depois, chega a vez de voltar para a aldeia. Se com sorte divina!
Mineiro significa, em primeiro lugar, arriscar a vida; arriscar a vida descer para o fundo das minas e voltar são e completo; na aldeia, mineiro significa ser “podente”! Significa, para a família que o tem, o fim da pobreza… mesmo não o sendo.
Mineiro é uma ilusão social absoluta! Julga-se ser alguém capaz de dar uma vida melhor a si mesmo e à sua família, mas que não é na verdade. Como o Professor Doutor Luís Covane demonstra nas suas muitas obras sobre o trabalho migratório nas minas sul-africanas, poucos são os mineiros que prosperaram com o trabalho nas minas. Muito dificilmente conseguem satisfazer as necessidades da sua família nuclear (esposa e filhos menores). Os salários não são tão gordos como se pensa. São de exploração, senão de escravatura. Os riscos inerentes são extremamente altos e muitas vezes reais. As remunerações pagas não compensam de nenhuma forma. Desde a morte ou ferimento nas minas, ou na via pública, vítimas de assaltos dirigidos a mineiros, suspeitos de trazerem cash… até ao pesadelo de transportar o pouquíssimo que têm que levar para a família por uma longa e dramática distância, onde tudo pode acontecer… imagine-se uma distância de Ressano Garcia até Govuro, Funhalouro, Mabote…Machaze… mais de 700 quilômetros, depois de tantos outros a partir de… Rustenberg… tanta distância, com uma carrinha muito usada superlotada de bens diversos. Depois, as chatices da precária estrada moçambicana e… da Polícia!
É a este mineiro que se rouba? Que se espolia? Que se empobrece ainda mais? Que se suga?… Só um ou uma cara de pau mesmo! Que tamanha desumanidade!
(Senhores Deputados) Deixemos de “martelar” a ministra Carmelita por ter livros que ensinam masturbação ou homossexualismo às nossas crianças, vamos martelá-la por não ensinar as nossas crianças a terem coração, sentimentos, vergonha, pudor, moral e ética! Por não ensinar a respeitar o outro ser humano.
Roubo não! É abominável! Roubar a um pobre sofredor, pior! Duplamente abominável!
Tem a palavra a juíza!
ME Mabunda
PS. Já agora, porquê o Ministério Público não procura - nunca se interessou - pôr em pratos limpos a questão do dinheiro dos “madjermanes”? Alguns dos nomes que podem ajudar estão no julgamento da Katembe.