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terça-feira, 09 julho 2024 13:14

Moçambique: Da Caverna ao Esclarecimento – Um Convite a Reflexão

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A história universal em geral, e a história da Filosofia em particular, brindaram-nos com interessantes reflexões sobre épocas, eventos, movimentos, correntes e paradigmas que marcaram o ciclo histórico, retratando a evolução do pensamento das sociedades ao longo do tempo.

 

Ao nos preparamos para comemorar o jubileu da nossa (IN) Dependência - meio século após o fim da ocupação e opressão colonial formal, e conquista do direito à autodeterminação, proponho uma reflexão sobre o actual estágio do nosso Moçambique. Uma reflexão sobre a nossa (in) capacidade de governar a nós mesmos, num país que se pretenda inclusivo, pluralista, com instituições independentes e fortes. Para isso, recorro a um clássico da Filosofia Ocidental, – “A República”.

 

Em A República – Livro VII, Platão apresenta o Mito da Caverna, uma alegoria sobre a realidade do conhecimento. Nesta alegoria, Platão mostra que estamos acorrentados em uma caverna desde que nascemos, e as sombras que vemos refletidas na parede são o que consideramos real. As pessoas se sentem confortáveis em sua ignorância e resistem àqueles que tentam ajudá-las a mudar.

 

É uma alegoria que demonstra como o conhecimento e a educação filosófica afectam a sociedade e os indivíduos. Em diálogo com Sócrates, os prisioneiros acreditam que o que observam é o mundo real, sem perceber que são apenas sombras dos objetos reais. Um dos prisioneiros se liberta e começa a ascender, inicialmente cegado pela luz do fogo. Aos poucos, ele se acostuma com a luz e decide avançar para fora da caverna. Lá fora, ele primeiro observa reflexos e sombras das coisas e pessoas, até vê-las diretamente. Finalmente, o homem observa as estrelas, a lua e o sol, concebe esse mundo exterior (o mundo das ideias) como superior e retorna à caverna para compartilhar sua descoberta. No entanto, os prisioneiros não querem acompanhá-lo, acreditando que a jornada o prejudicou. Platão, por meio de Sócrates, sugere que os prisioneiros fariam tudo para evitar essa jornada, até matar quem tentasse libertá-los.

 

Com esta alegoria profunda, Platão explica as etapas para abandonar a ignorância e adquirir conhecimento. Podemos aqui, inferir três dimensões importantes e ajustá-las ao nosso contexto; São elas, a Dimensão Humana, onde podemos questionar a nossa evolução enquanto indivíduos fruto de etapas históricas específicas; A Dimensão do Ser e do Conhecimento, onde podemos não apenas falar sobre o nosso ser enquanto sociedade em constante mutação, mas também, de como o conhecimento adquirido ao longo do tempo pode ser colocado a serviço do bem comum; e, por último, a Dimensão Moral e Política, onde reflectimos sobre os nossos valores pessoais e colectivos, indagamos a nossa relação com as instituições religiosas, políticas e sociais; e como a nossa organização social pode orientar uma melhor e maior participação na vida política do país.

 

Trago esta condição da caverna, de forma alegórica, para o Moçambique pós-independência, um novo país em clara edificação e busca de seus referenciais ideológicos e doutrinários. Na busca pela “moçambicanidade”, encontramos indivíduos e instituições imersos na escuridão da caverna; com medo de quebrar as correntes da ignorância e subir à superfície para ver a luz e experimentar o conhecimento, que pode catapultar o país ao crescimento e desenvolvimento desejados.

 

Trata-se, a meu ver, de um processo cuidadosamente construído dentro de um quadro contextual específico para responder às demandas de um tempo específico. A transição para o pós-independência foi um momento de afirmação de ideias novas, onde se acreditava que a construção de um estado-nação exigia aceitação sem questionamento – uma cegueira induzida que simboliza a caverna.

 

De lá para cá, nossa caminhada como povo e cidadãos tem sido caracterizada por uma busca incessante pelo autoconhecimento. Esse conhecimento nos permitirá reconhecer e superar as armadilhas da caverna. A saída da caverna não é fácil nem gratuita. É um exercício árduo, contínuo e implicará ser questionado e combatido por aqueles que normalizam a vida na penumbra.

 

O convite ao esclarecimento e à saída da caverna pode nos proporcionar ferramentas para questionar nossa situação actual enquanto país, lutar por reformas estruturais, pela construção de instituições fortes, independentes e progressistas, pelo respeito à nossa jovem história e por um Moçambique melhor e próspero.

 

A zona de conforto não é um habitat seguro para quem ambiciona mudanças, tampouco para quem pretende que o futuro do nosso país não seja marcado pelas cicatrizes da guerra, pobreza, desigualdades e má governação.

 

Por: Hélio Guiliche (Filósofo)

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