O jornalista Nuno Rogério há vezes que não enxerga direito, fechadinho na sua caixa preconceituosa de lugares-comuns. A propósito do navio russo, Lady R, que cavalga águas territoriais moçambicanas, tendo fundeado na costa beirense e depois atracado no porto de pesca da Beira, proveniente de SimonsTown (Cape Town) e rumando para Tanzânia com material bélico, o jornalista pergunta ao Presidente Nyusi o que faz tal embarcação em Moçambique, uma vez que foi alvo de sanções por parte dos EUA no contexto do conflito Rússia-Ucrânia.
Completamente descabido. Quer se goste quer não, Moçambique não aplicou sanções a ninguém e assumiu uma posição de neutralidade como Estado soberano. De modo que a presença dessa embarcação é coberta por essa neutralidade. O que faz o Lady R na Beira? Imagina que a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia? Pois!
Aliás, Maputo já clarificou que todos os 61 navios sancionados pelos EUA podem entrar em Moçambique. (Veja nota embaixo).
Nisto eu destaco a postura corajosa do Governo. Uma afronta soberana aos EUA. Pena é que essa coragem não é usada para sancionar o Israel pela agressão à Palestina ou para dize “Não’ a políticas perversas do Banco Mundial e à corrupção desenfreada encrustada no ADN da classe política local. (Marcelo Mosse)
Há um fenómeno estranho em Moçambique, aquilo que, em princípio, deveria beneficiar pessoas que se encontram fora das zonas urbanas e, por causa disso mesmo, deveria estar a preços bonificados é muito mais caro que se torna autêntico LUXO.
Nesta reflexão pretendo reflectir sobre a energia Solar que aos poucos está a ser comercializada em Moçambique, tendo como fonte o nosso parceiro, a República Popular da China!
Em 2021, fiz contactos para a instalação, na minha propriedade, desse sistema e, na altura, o maior provedor era o FUNAE. Primeiro, para receber a cotação para instalação, a pessoa deve fazer um curso de Electricidade, as perguntas são tantas e técnicas que eu, Adelino Buque, me vi incapacitado de responder. Na interacção, sugeri a pessoa que me atendia que me poderia dar uma cotação para uma casa de tipo 2 com electrodomésticos básicos, como geleira, congelador, ventoinha e lâmpadas. Entretanto, recusou-se alegadamente porque não era possível. Então desisti!
O ano passado “hibernei” e este ano, porque o interesse se mantém, procurei os provedores privados destes serviços e não imagina, o caro amigo, a resposta que obtive deles.
Repare que a casa é do mesmo tipo 2, na primeira cotação o valor de instalação, só o material passava dos 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil meticais) isto sem a mão-de-obra, o que excederia 300.000,00 (trezentos mil meticais) de certeza. Olhei para a cotação e ri-me sozinho. A minha sorte é que não apareceu ninguém para observar-me, se não, poderia chamar-me de “maluco”. Mas não, não sou!
Fiz um outro pedido a uma outra empresa, também provedora dos mesmos serviços. Neste caso, variei o tipo de casa, até porque não queria manter a mesma tipologia de casa. Pedi para casa de tipo 3, a resposta foi de 495.000,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil meticais) com mão-de-obra inclusa. Já não dava para rir, fiquei chocado e fiquei a pensar, então, para quem devem servir este tipo de empresas!?
É verdade que dizem que é definitivo, mas há que fazer manutenção durante o tempo de vida útil e são custos. Não se para por aí. Pus-me a fazer contas comparando com o provedor EDM – Electricidade de Moçambique, veja as minhas conclusões.
No primeiro caso, de tipo 2, fiz as contas baseado em 280.000,00 (duzentos e oitenta mil meticais e considerei que a Electricidade de Moçambique cobra pela baixada, por excesso, até 15.000,00 (quinze mil meticais) e os restantes trinta seriam para outros materiais incluindo o electricista, então ficam 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil meticais, estes divide por 1.200,00 (mil duzentos) factura mensal deu 233,3 meses e isto equivale a 19,5 (dezanove anos e meio).
Ora, deixando de fora o serviço indispensável de manutenção, vamos olhar para a casa de tipo 3.
Casa de tipo 3, também deduzi os valores de baixada e outros materiais e trabalhei com 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil meticais). O resultado foi o seguinte: considerando a factura mensal de 1.400,00 (mil quatrocentos meticais) vai dar 321 meses (trezentos e vinte e um meses) equivalente aproximadamente a 27 anos de pagamento a Electricidade de Moçambique, estas contas são de deixar “louco” qualquer um.
Por outro lado, considerando que é importante massificar o uso de energia e se a mesma for limpa melhor, a questão que se coloca é: quem pode instalar esta energia!?
Chegado aqui e longe de acusar seja quem for do que quer que seja, penso que é altura de o Governo abrir mão aos impostos na importação destes utensílios e tendo em conta os objectivos sociais que se pretende atingir.
Tenho dúvidas que, mantendo este nível de custos se consiga massificar o uso de energia a favor do meio ambiente, que compreenderia a não desflorestação das matas e a conservação da biodiversidade em Moçambique, vamos sair da teoria à prática!
Adelino Buque
Quando o novo ano inicia, todos nós temos esperança que novas coisas aconteçam, sobretudo, a nosso favor. Na hora de despedida do ano que termina, desejamos sempre o melhor para o ano que vem, mas, em nenhuma circunstância nos propomos a fazer diferente. Muitos de nós dizemos o desejo e nada mais. Ora, para que o desejo se transforme em realidade, precisamos de fazer diferente que o ano anterior, em quase tudo!
Mas também, há um aspecto de que descuramos. Não somos capazes de identificar, com clareza e objectividade, o que correu mal e o que correu bem, de modo a rectificarmos. Limitamo-nos a lamentar que o ano foi mau, não consegui os objectivos a que me tinha proposto realizar, espero que no ano novo tudo seja diferente. Mas tu ou eu continuamos a fazer tudo igual, como será diferente?! Eis a questão!
Para que no novo ano não vivenciemos os velhos problemas, proponho o seguinte:
1) Faça uma revisão minuciosa daquilo a que se propôs fazer no ano anterior. Veja aquilo que foi conseguido e o que não foi conseguido;
2) Faça uma introspecção sobre as causas de não ter conseguido, se são meramente causas pessoais ou se são causas externas a si, mas faça como a maior das honestidades porque, se fizer por fazer, acabará por atribuir responsabilidades a quem não tem e tudo ficará na mesma;
3) Face às constatações do ponto anterior, desenhe uma estratégia que lhe possibilite cumprir com aquilo que não conseguiu no ano anterior antes de se propor a novos desafios;
4) Superados os desafios não conseguidos ou pelo menos com ideias claras sobre o que deve ser feito, pode passar a pensar em novas ideias para o novo ano, evitando, deste modo, ser um fracassado eterno. Supere-se a si próprio.
Para uma melhor compreensão do que digo, vou propor aqui um exemplo. Estamos perante alguém que pretende empreender num negócio novo e a questão que se coloca seria:
a) Está identificado o negócio em que pretende enveredar?!
b) Que capacidade interna criou para que o negócio a iniciar tenha sucesso? Valor mínimo para iniciar, meios básicos para o início, formalização do negócio e;
c) Se sim, qual são os passos que deve dar para a formalização desse mesmo negócio!
d) Sabes que existe o chamado “Balcão único” onde podes obter toda a informação que pretendes para abrires esse seu empreendimento! Fizeste o contato e quais foram os resultados desse contato!
e) Na conversa com amigos, ficaste a saber que seria necessário muito dinheiro para iniciares e não tens. Confias nesses teus amigos? Porque não se informa com pessoas que estão na mesma área e que estão associadas ou em cooperativas para não correr riscos de desinformação!
f) Para iniciares a empreender, não inicie confiando algo que não tens, ou algo emprestado aos agiotas porque, se isso acontecer, não conseguirás sequer tirar o pé do chão. Inicie o negócio com algo seu, da família ou de pessoas que não te exigirão retorno com juros acima daquilo que o mercado oferece;
g) Depois de analisares o comportamento do mercado é que deverás recorrer a outras fontes, no entanto, deves ter muito cuidado com essas fontes alternativas;
h) Dê o primeiro passo e verifique o que não corre de feição e só assim poderás corrigir. De contrário, todos os anos serão maus para você!
Outro exemplo é de carácter social, aplicável a um homem ou uma mulher que diz: “este ano pretendo ter filho”. Ora, todos sabemos que, para se ter um filho, é preciso se ser homem. Vamos à equação filho:
1) Sabes que o ano tem 12 meses e a gravidez dura nove meses. Não me debruçarei de anormalidades aqui;
2) Sendo o ano com 12 meses, significa que, nos dois meses anteriores, deve conhecer e acordada com a contraparte as intenções que tem, conhecendo-se melhor;
3) Se nessa relação falhar um mês, o seu propósito também cairá por terra. Mas ainda que conheça alguém em tempo útil, é importante saber da sua capacidade de gerar filhos, não basta a compleição física de homem ou mulher, pode ser estéril. Tudo isto precisa de ser pensado para a materialização dos seus propósitos;
4) Se o teu propósito é ter filho este ano, precisas de verificar se tens namorado ou namorada. Se concorda consigo em engravidar, se é fértil ou não e fazer acontecer, de contrário, será mais um ano falhado, ou seja, para que o novo ano seja diferente, a tua atitude deve ser diferente das atitudes anteriores, não podes ficar na zona de conforto e esperares algo diferente, faça diferente que os resultados serão diferentes e os anos subsequentes serão de sucesso!
Adelino Buque
No dia 5 de Janeiro de 1993, passam hoje 30 anos, Noémia de Sousa ligou-me, com voz embargada, a dar-me a notícia da morte, em Queluz, do poeta moçambicano Fonseca Amaral. Eu vivia, à época, em Lisboa, e não era incomum encontrar-me com Noémia de Sousa, Rui Knopfli, Eugénio Lisboa, Fonseca Amaral ou Ruy Guerra. Aliás, uma vez chamei atenção do Ruy para o facto de ele ser vizinho do Knopfli e da Noémia, seus companheiros de adolescência, nos anos em que o cineasta viveu em Lisboa. A última vez que vi o Fonseca Amaral foi numa tertúlia em casa do Lisboa, em finais de 1992. Estavam todos esses nomes ínclitos da nossa literatura, à excepção de Guerra.
A primeira vez que ouvi falar do Fonseca Amaral foi num texto evocativo do Rui Knopfli, no caderno de poesia “Caliban”, número 2, de novembro de 1971, que ele fazia editar, na companhia do poeta Grabato Dias. Escrevera o autor das “Mangas Verdes com Sal”: “Fonseca Amaral é, por direito e mérito próprios, um dos nomes mais altos e representativos da Poesia em Moçambique e, simultaneamente, por desleixo ou abulia, um dos menos conhecidos e apregoados, espécie de grande ausente nos vários certames em que vamos acrescentando pátina às nossas acanhadas glórias caseiras.” Assim começavam as “Notas para a recordação do meu mestre Fonseca Amaral”, nas quais se acrescentava: “Tímido, reservado, inseguro de si próprio, que não da sua poesia, membro daquela família de criadores que, cumprindo-se embora, se apagam e auto-anulam não se sabe bem porque estranhos caprichos da vontade, é o poeta em larga medida responsável pela pouca, ou nenhuma, divulgação de uma obra merecedora da mais vasta audiência”.
A geração que desponta para a literatura nos anos ulteriores à II Grande Guerra muito lhe deve. Esta geração (à falta de melhor termo, di-lo Knopfli) incluía José Craveirinha, Noémia de Sousa, Ruy Guerra (e Rui Guedes da Silva, Rui Nogar e o pintor António Bronze e o próprio autor daquela homenagem.
Todos me falavam do Fonseca Amaral. Todos diziam bem do Fonseca Amaral. O Craveirinha, a Noémia, todos. Em Janeiro de 1990, munido de um gravador e um bloco de notas, levado pela mão do meu amigo Álvaro Belo Marques, fui bater-lhe a porta. Sabia que era um homem de certo modo sibilino, esquivo, tímido.
A conversa que mantive com ele foi espantosamente agradável. Emocionante até, eu diria. Nascido em Viseu, em 1928, João da Costa Fonseca Amaral fora para Moçambique com apenas três anos de idade. A sua infância – e por aí iniciamos a nossa conversa – fora passada no Xipamanine, nas terras do “Ka Amaral” (seu avô) –, com amigos negros com quem falava Ronga. Também tinha amigos de outras origens e que se misturavam naquelas periferias: muçulmanos, indianos, chineses. Passará pelo Chamanculo e, depois, a ascensão social levá-lo-á ao Alto-Maé, ao Bairro Central e à Polana. Na adolescência foi vizinho do Eugénio Lisboa, que irá, muitos anos mais tarde, prefaciar o livro “Poemas”, editado postumamente em 1999, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Falámos da infância, da juventude, sobretudo da juventude literária. Pus-lhe, entre muitas questões, uma que também pusera à Noémia: por que razão é que eles haviam colaborado na revista da Mocidade Portuguesa? Fonseca Amaral: “Por ingenuidade, por sacanice”. Disse-me ele: “Era uma sacanice ingénua”. Julgavam que poderiam tomar de assalto a publicação. Tinham o ideário oposto ao defendido pela Mocidade, tanto mais que alinham com o MUD-Juvenil e, mais tarde, são presos: ele, Rui Knopfli, Ruy Guerra, os mais jovens; ou aqueles que ele chamaria de “os trutas”: Henrique Beirão, Sofia Pomba Guerra, Sobral Campos ou João Mendes, todos eles deportados para Portugal, presos em Caxias.
Sem provas, seriam libertados após o julgamento, mas o João Mendes segue degredado para Cabo Verde. João Mendes, é preciso lembrá-lo, irmão de sangue de Orlando Mendes, irmão de coração da Noémia de Sousa, que lhe dedicará Sangue Negro. Influenciados pelos neo-realistas, irão estes jovens lançar “os tentames de uma literatura de raiz marcadamente moçambicana”, como assinalará Knoplfi. Não é alheia, no entanto, a figura de Augusto dos Santos Abranches, que traz a Moçambique a experiência do “Novo Cancioneiro” de Coimbra e que divulga, com Fonseca Amaral, autores neo-realistas, da “Presença” e do “Orpheu”. Uma verdadeira agitação cultural. Aliás, Amaral começou a publicar poemas na página literária “Sulco” do jornal “Notícias”, dirigida justamente por Augusto dos Santos Abranches. Isto nos anos 40, na companhia do poeta Alberto de Lacerda.
Foi funcionário dos Caminhos de Ferro. Há, na história da nossa literatura, da nossa cultura e da nossa inteligência, muitas figuras que passaram pelos Caminhos de Ferro. Um dia tenho que me atardar sobre o Caminhos de Ferro na vida de escritores, jornalistas ou intelectuais, que tiveram um papel activo na história cultural e política de Moçambique. Há uma importância simbólica que precisa de ser melhor escrutinada.
Contou-me o Fonseca Amaral que foi o Augusto dos Santos Abranches que levou muitos dos jovens a desenhar, entre eles, o Rui Knopfli. É curioso: não me lembro de termos falado de Cassiano Caldas (que também foi funcionário dos Caminhos de Ferro), uma figura decisiva para a geração da Noémia e do Craveirinha. Não só pelas leituras emprestadas, mas também pelo magistério político. Aliás, Noémia irá também dedicar a Caldas o seu livro. Seria, aliás, ela que me levaria a conhecê-lo. Infelizmente, não o entrevistei. Mas aí está outra grande figura irrefutável para a nossa nacionalidade, que fazemos questão de obliterar.
Em 1955, Fonseca Amaral vai para Portugal onde permanece 20 anos. Escreve para a “Voz de Moçambique”. Traduz. A sua produção própria é, a despeito, avara. Regressado nos alvores da independência, entre o Ministério da Informação ou o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INLD), em tarefas sempre urgentes e agitadas, num tempo que avulta a falta de quadros, onde é preciso fazer tudo, Amaral também não escreve. Sente-se, no entanto, esgotado.
A sua poesia se constituíra numa linha de cota do que viria a ser a nova poesia produzida em Moçambique. Mesmo assim parecia-lhe datada, não lhe apetecia reuni-la. Insisti com ele: “Fonseca Amaral, eu quero lembrar-lhe isto que você sabe melhor do que eu: os seus textos, mesmo datados, revestem-se de importância histórica e documental. As gerações presentes não têm à disposição a sua poesia em livro.” Ao que ele irá retorquir-me: “Nelson, eu sempre fui um homem de produção muito escassa. Os poemas, alguns, são dolorosos; doem muito. Para já não quero sofrer. Os poemas custam-me muito. Não é o acto, a caneta, o papel e a máquina. Doem muito. E agora devo fugir à dor. Sofri muito”.
Lembro-me como se fosse hoje. Foi uma confissão pungente. Vi, na sua revelação, um homem sincero e honesto. E não quis escavar mais a sua dor. Porém, ainda quis saber se ele escrevia. Disse-me que sim, às vezes, por catarse: “Para me equilibrar. Não tem interesse. São coisas muito pessoais. Tem que ver com a vida afectiva”. Divergimos, então, do tema que lhe doía, falamos dos extenuantes 5 anos que vivera em Moçambique no pós-Independência, das suas frustrações, do seu esgotamento, do regresso a Portugal, onde a mulher tinha uma carreira que lhe garantiria a reforma. Foi muito amável e senti que tinha sido muito sincero ao lembrar as suas memórias da sua já longa trajetória.
A última vez que o vi seria no aludido convívio em casa do Eugénio Lisboa. Eu tenho na memória de que o jantar, no qual estavam a Noémia e o Knopfli, aconteceu em casa do Lisboa. O poeta Eduardo Pitta, que também participou do convívio escreve no seu livro de memórias de que a nossa pândega literária ter-se-á dado em casa do Knopfli. Estou dividido entre a lenda e a realidade. Vou manter para mim que foi em casa do Lisboa. Pouco importa agora isso. Recordo-me, sim, do Fonseca Amaral, ali, pela última vez. Ele subscreveria o mito: com aquele seu ar mefistofélico acompanhou, discreto e elusivo, aquele jantar festivamente moçambicano.
Hoje já ninguém fala do Fonseca Amaral. Os seus companheiros estão quase todos mortos. A nossa memória literária ou cultural é dolorosamente maniqueísta. Falta-nos parcimónia e critérios de valoração que tenham empatia e critérios de abertura. Falta-nos, no fim, uma memória que não seja assaz tribal. Temos a noção de que tudo é fruto de geração espontânea. Quis recordá-lo hoje, quando passam 30 anos sobre a sua morte, creditando-lhe, nesta brevíssima evocação, como o fizera Knopfli, e alguns outros, a importância capital que ele tem na construção do nosso cânone literário – do cânone literário moçambicano. Devemos-lhe isso. O magro espólio que deixou, e que felizmente se encontra reunido em livro, é dos mais significativos nos anos que marcam o nascimento daquilo que hoje chamamos literatura moçambicana, entre os anos 40 e 50 do século XX. Ele é um dos seus fundadores e merece o nosso preito.
Cidade do Cabo, 5 de Janeiro de 2023
A Política de Terras aprovada pelo Conselho de Ministros através da Resolução n.º 45/2022, de 28 de Novembro, tem como objectivo geral “assegurar e garantir o acesso, uso e aproveitamento e posse da terra pelas comunidades locais, cidadãos nacionais e estrangeiros, na sua capacidade de utilizadores e investidores, bem como promover o seu uso racional e sustentável, contribuindo para o desenvolvimento sócio-económico, criação de bem-estar para as actuais e futuras gerações de moçambicanos.” Este objectivo encontra suporte no n.º 3 do artigo 109 da Constituição da República de Moçambique (CRM) que estabelece o seguinte: “Como meio universal de criação da riqueza e do bem-estar social, o uso e aproveitamento da terra é direito de todo o povo moçambicano.”
Nos últimos anos, tem havido vários conflitos de terra como resultado de processos de atribuição de direito de uso e aproveitamento de terra (DUAT) extremamente problemáticos por transacções ou cedências de enormes extensões de terras às grandes empresas, incluindo as multinacionais, cuja actividade de exploração de recursos naturais e outros investimentos em agronegócios tem dado lugar, vezes sem conta, à perda injusta do DUAT das comunidades locais que residem nas zonas alvo de exploração dos recursos, particularmente pelas corporações.
Em bom rigor, importa aqui lembrar que os direitos sobre a terra das comunidades locais são transmitidos às empresas e outras pessoas financeira ou economicamente poderosas sem qualquer intervenção e possibilidade de negociação por parte das mesmas comunidades que, recorrentemente, não beneficiam, em termos práticos, de qualquer percentagem na negociação celebrada entre o Governo e as empresas sobre o DUAT de que são titulares. Ademais, nesses casos, o processo de extinção de DUAT tem se manifestado ilegal, constituindo um indubitável acto de usurpação de terras das comunidades locais.
Ora, tendo em conta a realidade supra referida, a nova Política de Terras, de forma ousada, criou a possibilidade de negociação directa do DUAT entre os seus legítimos detentores e os novos interessados com vista à protecção dos direitos pré-existentes e benefícios directos por meio de intervenção autónoma das famílias na gestão dos seus direitos sobre a terra em causa, o que constitui uma clara abertura para a outorga legal de poderes às comunidades locais para negociarem os seus direitos sobre a terra no contexto da exploração dos recursos naturais e outros investimentos, senão vejamos:
O parágrafo 85 do pilar 7 da nova Política Nacional de Terras referente ao Reconhecimento, Titulação e Garantias de Direitos Pré-Existentes determina o seguinte: “A presente Política de Terras considera que a implantação de projectos económicos em áreas onde haja direitos pré-existentes não implica, necessariamente, a extinção destes direitos e nem dá lugar à expropriação de terras, devendo-se assegurar os procedimentos legais adequados em sede de negociação entre os novos interessados e os actuais ocupantes. Importa ainda a previsão de critérios claros que assegurem benefícios directos para a população local em virtude de investimentos privados sobre a terra e outros recursos naturais locais.”
Decorre do supracitado preceito da Política de Terras que o processo de reforma legal da legislação sobre a terra deve prever normas claras que estabelecem os critérios de negociação dos direitos sobre a terra por parte das comunidades locais, sem, no entanto, pôr em causa o princípio geral previsto nos nºs 1 e 2 do artigo 109 da CM de que: “A terra é propriedade do Estado e não deve ser vendida, ou por qualquer outra forma alienada, nem hipotecada ou penhorada.” Aliás, não pretende a nova Política de Terras abrir espaço para a venda da terra, senão a possibilidade de se conferir poder de negociação do DUAT pelos legítimos titulares em caso de implantação de projectos económicos, sobretudo, em matéria de exploração dos recursos naturais, dando, assim, oportunidade das comunidades locais beneficiarem directamente da riqueza existente nas terras sobre os quais detêm o DUAT nos termos previstos na CRM.
Entretanto, para que esse desiderato da nova Política de Terra seja eficaz e concretizado, é necessário que esteja prevista na Lei de Terra e no respectivo regulamento, incluindo a previsão legal da obrigatoriedade da intervenção do Provedor de Justiça, da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, da Ordem dos Advogados de Moçambique e da representação da sociedade civil interessada na matéria, através de emissão de pareceres e recomendações, atendendo às atribuições e competências dessas instituições em matéria da garantia e defesa dos direitos humanos, dos direitos e liberdades dos cidadãos, da legalidade e, em última instância, da justiça, particularmente dos grupos vulneráveis como o são as comunidades locais.
Vale aqui insistir na ideia da obrigatoriedade de intervenção das supra referidas instituições de justiça, considerando que a realidade mostra que, em Moçambique, existe uma tendência em alimentar a discriminação na questão dos direitos sobre terra, na medida em que se privilegia determinadas pessoas com status de natureza social, económica/financeira, político ou as elites em detrimento do grosso da população que é pobre, vulnerável e que não compreende os seus direitos relativos à terra do ponto de vista do direito positivo.
Portanto, não obstante os questionamentos que possam advir sobre os critérios, formas ou procedimentos da negociação em questão, dúvidas não restam de que a visão política para o estabelecimento legal de um poder de negociação dos direitos sobre a terra por parte das comunidades locais à luz do estabelecido no parágrafo 85 do pilar 7 da nova Política de Terras, lido conjuntamente com alguns dos princípios previstos na mesma, como são os casos dos que constam dos pontos (ii) e (iii) do parágrafo 40, respectivamente, princípio do reconhecimento do acesso, uso e aproveitamento e posse da terra como direito humano básico, garantido pela Constituição e do qual ninguém pode ser privado ou retirado, salvo nos casos previstos e justificados nos termos da lei e princípio do respeito pelos direitos das comunidades locais, das famílias e outros titulares de direitos, adquiridos por ocupação, segundo o sistema consuetudinário e por boa-fé; revela uma clara vontade do Estado em garantir que determinadas pessoas não tenham benefícios sobre a terra à custa da violação dos direitos fundamentais dos legítimos titulares do DUAT e a consequente marginalização de determinadas comunidades locais e outras pessoas e benefícios das empresas conforme se verifica há muito até ao presente momento.
Por: João Nhampossa
Human Rights Lawyer
Advogado e Defensor dos Direitos Humanos