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Antes da realização do XII Congresso do Partido Frelimo, já se aventava a hipótese de reeleição de Filipe Nyusi tanto para o cargo de presidente, tal como ainda se antevê a possibilidade de emenda constitucional para acomodação de um possível terceiro mandato de Filipe Nyusi. Entre políticos, analistas, académicos e jornalistas, esta tem sido a realidade corrente após a reeleição de Nyusi para terceiro mandato no Partido Frelimo, aliás, somente o facto de ter concorrido como candidato único para a presidência do Partido, tal poderia acontecer para a presidência da República de Moçambique. Enquanto a presidência do Partido Frelimo é facto consumado, a emenda constitucional é ainda uma hipótese, ao menos fora dos meandros da presidência emérita. Contudo, uma possibilidade tem sido colocada de fora: e se Armando Guebuza decidisse concorrer como candidato independente?

 

Ora, a especulação faz parte da liberdade de pensamento, eis a razão da liberdade de opinar diferente neste artigo. E se Guebuza concorresse como independente? Creio que a reacção de muitos leitores fosse de imediatamente descartar tal hipótese por razões que parecem óbvias: em primeiro lugar, a disciplina partidária; em segundo lugar, os vestígios da corrupção; terceiro, a aliado à corrupção, o processo de dívidas ocultas e, quarto os considerados pendentes que poderiam resultar em “vingança” contra Filipe Nyusi. Contudo, nenhuma das quatro possibilidades podemos considerar como sendo dado adquirido. Para um partido dominante saído recentemente do seu XII congresso, o que significaria? Eis que busco a suposição de candidatura independente de Armando Guebuza, Presidente Honorário do Partido Frelimo e ex-Presidente da República. E se Guebuza concorresse como independente? Qual seria o impacto?

 

Em primeiro lugar, assume- se que o nível de disciplina partidária no Partido Frelimo seja de alto nível que descartaria a possibilidade de candidatura de Guebuza concorrer fora da permissão do Partido. Um argumento adicional é que pelo seu mais alto nível na estrutura do Partido, seria de descartar uma espécie de revelia. Ora, os actos que um dirigente, quer eleito quer no partido não são em si condenáveis pelo cidadão, nem a legislação nacional impede tal opção. Trata-se de mera norma inter-partidária que pode ser considerada de traicção, ao optar por decisão extra-partidária. Serão os estatutos do Partido Frelimo acima dos preceitos da Constituição da República? Certamente que não!

 

E se Guebuza decidisse concorrer como independente, quem teria legitimidade para seu impedimento? Pela crença na sua experiência e seu legado, embora com questionamentos político-legais, poderia concorrer de forma independente. Que órgão teria a competência de impedi-lo? Quem foi que nos garantiu que a violação da disciplina partidária seria condenável por todos os membros ou sua maioria? Será que a indisciplina partidária limitar-se-ia a Guebuza? Ou seria um quebra-mito de unicidade? Sendo de considerar o princípio de não-deserção única, não seria possível um transfúgio partidário colegial ou informalmente constituída e exercida nas urnas. Samora Machel Jr, com todas as limitantes colocadas na avaliação da sua candidatura, demonstra que indisciplina ou deserção política não é impossível.

 

Em segundo lugar, e como mencionei acima, vestígios da corrupção são considerados uma limitante que poderia restringir eleição de Guebuza para a Presidência da República. No entanto, a história da democracia ensina-nos que tal assumpção é enganosa. Tanto partidos, como dirigentes indiciados de escândalos de corrupção já foram eleitos e reeleitos em diversas partes do mundo, dentre as consideradas democracias consolidadas, como nas novas democracias. Ademais, por vezes, durante os mandatos pós-eleitorais seus países se tornam mais democráticos, ao menos por via da avaliação dos índices convencionais como os da Freedom House, da EIU e da VDem. Em Israel, Benjamin Netanyahu reconquistou o poder após escândalos de corrupção. ANC continua no poder na África do Sul, mesmo com os escândalos de corrupção da sua liderança. O mesmo já ocorreu na França, nos Estados Unidos, Reino Unido, para além do recente caso de Lula da Silva. Aliás, Filipe Nyusi foi eleito Presidente da República já com alegações da “equipa” das dívidas ocultas. Tanto indiciados como corruptos provados como devassos, podem granjear maior interesse que aqueles tidos como candidatos ou líderes limpos do poder.

 

Ainda no segundo ponto, quem foi que nos garantiu que outros candidatos do Partido Frelimo apareceriam sem mácula de corrupção, incluindo o o actual Presidente Nyusi. A corrupção não é fenómeno isoladamente de um líder, mas seus colaboradores e apoiantes podem ter sido cúmplices, logo, descartando a hipótese do primeiro ponto de deserção. Corruptos também deixam legado autêntico ou de mera percepção que os eleitores consideram irrelevantes para impedir a ascensão ao poder: os “sete milhões” podem ser considerados um desastre político e punível por eleitores ou entidades, mas os beneficiários “legítimos” dos 7 milhões podem apoiá-lo por expectativa de melhor negócio ou expectativa do privilégio de voltar a aceder ao mesmo fundo.

 

Consideremos que Guebuza fosse político corrupto, seria tal integralmente dado adquirido para todos? Qual é a percentagem da população Moçambicana com tal percepção? Quem se esquece da ponte Maputo-KaTembe, embora problemática na sua actual gestão, a infraestrutura é Guebuziana. Aliás, Nyusi o afirmou no acto da inauguração da ponte que a ponte não tinha sido iniciativa dele, mas sim do seu antecessor. Talvez fosse discurso para mera culpabilização de Guebuza pela transitabilidade dispendiosa do uso da ponte pela classe média com viaturas. Mas Guebuza não é quem gere a ponte, quem decide sobre a taxa da portagem não é do governo de Guebuza. As taxas são decididas pela governação nacional de Nyusi e Municipal de Eneas Comiche. Que coloca KaTembe como enclave não é Guebuza.

 

Os eleitores já votaram e ainda escolhem corruptos ou indivíduos de conduta duvidosa. A estrada circular na “Região do Grande Maputo” não lembra Nyusi, mas sim, Guebuza emérito Presidente do Partido Frelimo. As peripécias do fundo de desenvolvimento distrital, visitas presidenciais recebidas em massa na era Guebuziana, estarão apagadas da mente dos eleitores. Os eleitores não são parvos, conhecem a razão da escolha, sabem o que escolhem, sabem ainda decidir pela abstenção. Uns se vingam por elevado custo de vida, outros por premiação pela governação anterior, mas também há eleitores que decidem por pura esperança. Não de trata de mitos. A ideia de unidade nacional não é nova, os moçambicanos se unem pelo Português, mas também por obras: e a Ponte Armando Guebuza, Sofala-Zambézia? E a ponte Kassuende em Tete? E a ponte Guijá-Chókwe? Os problemas de má conduta no INSS não são de Guebuza, mas as instalações são marcas de Guebuza. Será que os trabalhadores urbanos se esqueceram das instalações do INSS e da Autoridade Tributária? Poderíamos nos enganar ao descartarmos a hipótese de vitória de Guebuza. “Compatriotas, Cahora-Bassa é Nossa!”

 

Nos corredores do debate, já se aventa a hipótese de terceiro mandato do Engenheiro Filipe Nyusi. De facto, a Frelimo detém maioria qualificada para alterar a Constituição da República e permitir terceiro mandato. Como possível imprevisto, o que terá justificado a candidatura em aparente uníssono de Nyusi para a presidência do Partido no mais recente congresso? Como apresento mais adiante, as dívidas ocultas tiveram “chefe do comando operativo, um grupo delegado para negociar, esse chefe é Filipe Nyusi. Não serão marcas de poder de um político considerado de conduta duvidosa, incluindo membros da sua família. Hillary Clinton granjeou poder, mesmo após escândalos do seu esposo e ex-presidente Bill Clinton no caso Monica Lewinsky, sua secretária na Casa Branca. No funeral de Margareth Tachter, ex-Primeira Ministra da Grã-Bretanha, vimos cartazes de pessoas que diziam: “finalmente a feiticeira morreu!”

  

Finalmente, contam notas do processo de julgamento das dívidas ocultas que Filipe Nyusi foi citado como tendo sido das figuras importantes da criação da Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), uma das empresas envolvidas, juntamente com a Mozambique Asset Management (MAM) e Proindicus, as decisões não foram tomadas isoladamente por Guebuza. No decurso do julgamento do caso das dívidas ocultas, Guebuza afirmou em sede to tribunal que Filipe Nyusi tinha sido o “chefe do comando operativo, um grupo delegado para negociar”. Não precisava ser ele a saber e que talvez o chefe do comandando operativo pudesse esclarecer melhor os detalhes do projecto económico-financeiro que resultou nas dívidas.” Ora, estas afirmações geraram um clima que supostamente fossem forma de Guebuza se livrar e responsabilizar Nyusi, ao que Adriano Nuvunga, director do CDD chamou de “relação ruim” entre Guebuza e Nyusi. Seja como for, fica claro que ambos estiveram a par do negócio que resultou nas dívidas, mas aventando-se uma vitória eleitoral de Guebuza, será que haveria “vingança” de Guebuza contra Filipe Nyusi? Não é dado adquirido, não conhecemos todos os processos autónomos do mesmo.

 

Como se indica, tanto Presidente Guebuza como o então Ministro da Defesa, concordavam na necessidade de criação da EMATUM e MAM, justificando-a por conta de ameaças à segurança da República de Moçambique, quem então seria o responsável para o esclarecimento dos contornos da dívida? Seja como for, se Guebuza ganhasse as eleições como independente, estaria seguro pelas imunidades emanadas para o Presidente da República e Filipe Nyusi gozaria do actual estatuto para não ser imediatamente responsabilizado: por que razão os eleitores deixariam de votar em Guebuza em detrimento de Nyusi ou vice-versa? Se Guebuza concorresse como independente, se pode presumir um equilíbrio entre ambos e vitória de um ou outro, será que Guebuza não poderia evocar seus feitos presidências como bandeira de campanha? Será que Nyusi superaria Guebuza com possível discurso anti-Guebuza? Mantendo constante a possibilidade de fraco apoio para Ossufo Momade, líder da Renamo, qual seria então o posicionamento dos eleitores membros da Frelimo? E os não-Frelimistas?

 

No processo de julgamento das dívidas ocultas, Armando Guebuza abdicou do privilégio de audição em fórum privado e foi à da chamada “tenda BO” prestar declarações em público. Em sede do tribunal, Guebuza, com ou sem verdades, pronunciou-se, inclusive mencionando o nome do ex-Ministro da Defesa, Filipe Nyusi, na qualidade de chefe do comando conjunto – o considerado fórum do qual podem ter sido tomadas decisões mesmo na ausência de Guebuza. Filipe Nyusi não se pronunciou sobre o processo de endividamento oculto aprovado pela maioria partidária da Frelimo na Assembleia da República. Desta forma, entre os dois, quem pode ser considerado defensor do interesse nacional e com mérito político? Quem dos dois, aventando-se a hipótese de candidatura independente de Guebuza, teria maior apoio dos eleitores? Aliás, Nyusi, com seus feitos, foi eleito sabendo-se sobejamente que tinha estado no comando conjunto, provável corrupto ou cúmplice. E se Guebuza se concorresse como independente?

segunda-feira, 23 janeiro 2023 09:33

Cabral ka morri?*, pergunta João Vaz de Almada

JoãoAlmada

Cabral está para a Guiné como Sandino está para a Nicarágua: ambos são hoje os maiores fantasmas nos seus países. Quando visitei a Nicarágua, essa terra “delgada como um látego”, como cantou Neruda num soberbo poema, as paredes e os muros vociferavam:

 

Sandino Vive! Quando me desloquei à Guiné, em Maio de 1999, as paredes de Bissau também gritavam: Cabral Ka Morri – Cabral não morre, em crioulo. Nas silhuetas também se descobre alguma semelhança. Sandino é baixo e o seu chapéu de abas largas é a sua imagem de marca. Cabral é de meia estatura, e na cabeça tem enterrada uma boina de lã tricotada, a sua marca de água. Ambos simbolizam a luta contra o opressor. O primeiro, contra o gigante do norte, os Estados Unidos que, na primeira metade do século XX, tratava a América Central como o seu quintal, “charruando” os governos que não lhe obedeciam cegamente. O segundo, foi o mentor, organizador e iniciador da luta contra o colonialismo português, o mais antigo em África. Ambos estão vibrantemente mortos, permanecendo vivos no coração dos seus povos. Sandino desde 1934, quando um complot entre os EUA e a Guardia Nacional, comandada por Anastácio Somoza Garcia, o atraiu para uma emboscada fatal. Cabral foi morto pelos seus correligionários, sem que até hoje se conheçam os mandantes, na capital da vizinha homónima, Conacri, no dia 20 de Janeiro de 1973, fez na passada sexta-feira, precisamente 50 anos.  

 

Amílcar é um produto do seu sonho. Nascido em Bafatá - a segunda cidade da Guiné - em 1924, é filho de pais cabo-verdianos, que a administração colonial desloca amiúde para o continente, elitizando-os à chegada ao novo território. Nas suas veias corre sangue insular. No seu coração bate uma terra continental que adopta como sua. Muito mais tarde, na sua mente, adensa-se um sonho: reunir as duas, Cabo Verde e Guiné, sob uma única bandeira. Esta é a verdadeira Pátria de Cabral!

 

Cabral tem o típico percurso do assimilado exemplar. Aos 8 anos muda-se com a família para Cabo Verde. No liceu, em São Vicente, é um aluno de quadro de honra. Integra movimentos associativos de carácter cultural ao mesmo tempo que escreve os primeiros poemas. Pelo bom desempenho académico, consegue uma bolsa de estudo e é num navio da Companhia Nacional de Navegação que desembarca na capital do império, Lisboa, no ano em que termina a II Guerra Mundial.

 

Amílcar integra-se bem no “novo mundo”. Ingressa no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, onde cursa Engenharia Florestal, e à noite dá aulas de alfabetização a operários do bairro lisboeta de Alcântara, uma zona industrial desfavorecida. Publica, na conceituada revista ‘Seara Nova’, o poema “A minha poesia sou eu”, começando a conquistar respeito e admiração dos intelectuais opositores do regime de Salazar e dos neorrealistas.

 

Em 1959, é eleito Secretário-Geral da Casa de Estudantes do Império (CEI), uma instituição que acaba por ser um tiro no pé para o regime, sendo um viveiro dos ideais nacionalistas dos futuros movimentos de libertação que então desabrochavam. Aí conhece figuras como Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto, Lúcio Lara (Angola), Alda Espírito Santo (São Tomé), Marcelino dos Santos (Moçambique), Aquino de Bragança (Goa). Marcelino foi o nacionalista moçambicano que mais conviveu com o histórico líder guineense.

 

À Guiné regressa já diplomado ao serviço do Ministério do Ultramar para efectuar importantes estudos agrícolas. É nesta altura que percorre toda o território e contacta de perto com a dura realidade que as populações enfrentam. Toma consciência da necessidade de libertar o país.

 

Os acontecimentos no cais de Pidjiguiti, em Bissau, no dia 3 de Agosto de 1959, quando as forças coloniais reprimem barbaramente uma greve de estivadores deixando no chão cerca de 50 cadáveres, constitui o botão detonador para o início da Luta Armada, que irá começar em 1963, sete anos depois da fundação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), dirigido por Amílcar.

 

Ao contrário de outros companheiros de luta como Nino Vieira ou Osvaldo Vieira, Amílcar não tem uma natureza militarista. É um intelectual, um teórico, um humanista, um ávido leitor dos grandes da Negritude: Césaire, Senghor, Fanon. Sabe que o seu trabalho é sobretudo diplomático, e aí ele é a principal rosto do anticolonialismo português. O texto “Guiné e Cabo Verde frente ao Colonialismo português”, redigido em julho de 1962, logo após a independência da Argélia, não deixa dúvidas sobre as intenções do PAIGC.

 

A partir de 1962, Cabral tem no seu vizinho Ahmed Sékou Touré, o seu maior aliado e a Guiné-Conacri está para o PAIGC como a Tanzânia está para a Frelimo: é quartel-general. É lá que a guerrilha assenta toda a sua rectaguarda, sobretudo a logística.

 

Cabral é um andarilho diplomático e as suas diversas dimensões como político, teórico, ensaísta e humanista, a partir de meados da década de 60, excedem largamente os pequenos territórios de Cabo Verde e da Guiné. Torna-se o principal rosto do luta anticolonial que entretanto evolui nos territórios da Guiné, Angola e Moçambique, e a nível do continente ombreia com nomes como Mandela, N’krumah, Lumumba, Senghor, Oruka. Intervém em grandes fóruns internacionais, dá entrevistas sobretudo na midia francesa, língua que domina na perfeição. Tem o cuidado de colocar sempre a sílaba tónica da sua luta não no povo português, mas no regime colonial fascista de Salazar. Os seus textos e discursos são editados em francês e inglês, correndo as principais capitais europeias e a Comissão dos Direitos Humanos da ONU, em Nova Ioque.

 

O ponto alto da diplomacia atinge-o no dia 1 de Julho de 1970, quando o papa Paulo VI, numa audiência no Vaticano, recebe Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos. É um golpe duríssimo para o poder colonial português, agora liderado por Marcelo Caetano. As relações entre os dois Estados, Vaticano e Portugal, entram numa fase de azedume que só a revolução de 25 de Abril de 1974, normalizará. Do encontro retira-se uma conclusão: o chefe da Igreja Católica no Mundo abençoa a independência das colónias portuguesas.

 

O protagonismo de Cabral acaba por traí-lo na noite do dia 20 de Janeiro de 1973. Era um sábado e o PAIGC havia tido uma reunião com uma delegação da FRELIMO, chefiada por Samora Machel. Após a encontro, Cabral foi a uma recepção na embaixada da Polónia. No regresso a casa, depois estacionar o carro, é morto a tiro por um grupo de correligionários. O dedo que prime o gatilho é do camarada de armas Inocêncio Kani. Os verdadeiros mandantes nunca serão descobertos. Aventou-se muitas hipóteses:  a ala guineense do PAIGC desconfiada das intenções dos cabo-verdianos; os serviços secretos soviéticos; a PIDE; e até Sékou Touré que começava a ter ciúmes do protagonismo de líder guineense.

 

Cabral cumpriu a sua promessa: “Jurei a mim mesmo que tenho de dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a minha capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde.”

 

A Pátria de Cabral, já libertada do jugo colonial, morreria na manhã de 14 de Novembro de 1980, quando Nino Vieira liderou um golpe de Estado – chamou-lhe “Movimento Reajustador” - que apeou Luís Cabral –  meio-irmão de Amílcar – do poder, encetando uma purga aos dirigentes cabo-verdianos do PAIGC. A separação entre irmãos estava consumada. Em Cabo Verde nascia o PAICV (Partido Africano para a Independência de Cabo Verde) para dirigir a sociedade, como era comum naquele tempo aos partidos únicos.

 

Enquanto isso, a Guiné enveredou por uma vida de faroeste, sem rei nem roque, feita de golpes e contragolpes, assassinatos políticos, dominada por traficantes de droga, gente sem o mínimo de escrúpulos que põe e dispõe do país e da sua gente a seu bel-prazer, distanciando-se cada vez mais do sonho de Cabral.    

 

*Cabral não morre, em crioulo da Guiné-Bissau.

AlexandreChauqueNova

Se eu tivesse que escrever uma carta ao Fernando Manuel, tinha que fazê-lo com a certeza de que sou digno de tal acto, não só devido a minha incapacidade conjuntural, mas porque estou diante de uma figura de porte intelectual honesto e indiscutível. É por isso que tremo ao tentar rabiscar algumas linhas em homenagem ao “Nandinho”, cuja escrita pujante esconde um homem tímido, eivado de cultura e conhecimento, demonstrados nos textos que ele vem publicando incansavelmente, e que o vão tornar num dos mais importantes cronistas do nosso tempo.

 

Escritor e poeta de verbo sólido e vocabulário caudoloso, Fernando Manuel completou este mês o seu septuagésimo aniversário natalício e eu, na impossibilidade de o abraçar em carne, fiz-lhe uma chamada telefónica com o intuíto de lhe desejar muitos parabéns e aproveitar a ocasião para rememorarmos momentos intensos que vivemos juntos em vários lugares, sem qualquer compromisso que não fosse o de dar azo à vida.

 

Falei-lhe da sua cegueira na cavaqueira telefónica que durou cerca de quinze minutos e fiz-lhe uma pergunta que nunca tinha feito antes nas várias tertúlias que temos tido por via do celular, e que seria descabida num dia como este, se não fosse o conhecimento profundo que tenho do Fernando Manuel. Pode ser que haja algumas feridas dolorosas dentro deste homem, provocadas pela impossibilidade de voltar a ver as coisas mais belas que já observou na vida, mas toda essa limitação é suplantada pela imensa poesia e extraodinária capacidade de sublevação que moram em “Nandinho”.

 

Qual é a sensação de se ser cego? Fernando Manuel desatou às gargalhadas, como se a cegueira lhe desse alegria, mas é mentira, ele tem a indismentível saudade da liberdade, quando caminhava segundo um inabalável cicerone que são as palavras. Escritas e buriladas no silêncio das noites e muitas vezes no ram-ram das Redacções para onde  jamais voltará, nem que o deseje ardentemente.

 

Perguntei-lhe ainda assim: não tens saudades das tuas putas? Fernando Manuel voltou a troar uma gargalhada que desta vez pôs a nu toda a rusticidade da sua voz, que muitas vezes cantou em paródias, em celebração da existência, e a resposta ficou-se por esse riso comovente de um ser condenado pela cegueira a nunca mais contemplar o azul do céu e os pássaros planando nos finais de tarde, na despedida do dia.

 

“Agora vivo de sons!” Na verdade será a música e o tacto, os maiores companheiros do Fernando Manuel, que me ofereceu há dois anos o livro da sua lavra, “O Homem sugerido”, que fiz questão ler para ele, no dia do seu aniversário, um excerto da crónica “Alucinações” , Abandono o brilho ténue das flores que tremulam à luz no cimo das acácias e perco-me no restolhar das folhas sob o ligeiro contacto dos seus pensionistas, pássaros procurando abrigo para mais uma noite e faço-me à trégua.

 

Atrás, na varanda, na coluna, fiquei eu. Aguardo.

 

Este é o presente que dei ao Fernando Manuel, no último domingo, com um abraço profundo e no fim ele disse: muito obrigado por teres te lembrado de mim!

sexta-feira, 20 janeiro 2023 14:11

FERNANDO MANUEL, 70 ANOS, escreve Nelson Saúte

nelsonSautee

Diluídos no escuro

 

os coqueiros, elegantes silhuetas

 

projectam-se contra o profundo

 

azul do céu

 

O macúti balança

 

sufocando o riso

 

num sussurro amigo

 

sob o peso da leve,

 

levíssima brisa do mar

 

Ao longe

 

filtrada pelo silêncio

 

a voz de Brenda Fassie

 

dando vida ao Galaxi, lembrança do John

 

Colados ao caniço

 

os homens eternizam

 

o culto da sura.

 

Fernando Manuel

 

Este poema, intitulado “Matsitsi”, de Fernando Manuel, tem indesmentíveis referenciais do lugar de origem: Maxixe, onde o autor nasceu a 20 de Janeiro de 1953, há precisamente 70 anos.

Muitos vezes quando atravesso aquela paisagem cartografada poeticamente nestes versos, lembro-me deste seu belo texto, que povoa o meu imaginário há anos. Conhecido como jornalista – hoje em dia como cronista sobretudo – ele é, no entanto, um poeta de créditos indubitáveis e um dos mais interessantes contistas moçambicanos.

 

Para além da data e do lugar de nascimento, as parcas notas biográficas sobre Fernando Manuel dizem-nos que ele iniciou os estudos na Missão Sagrada Família e que os completou da escola Indígena da Munhuana. Eu estudei na escola primária do Bairro Indígena, aliás foi lá por onde comecei e esta coincidência é-me particularmente cara. Mais tarde, Fernando Manuel frequentaria os liceus António Enes e Salazar, que são hoje - para o nosso gáudio - Francisco Manyanga e Josina Machel.

 

Narram ainda as suas breves efemérides que antes de ingressar, em 1981, na carreira jornalística, haveria de ser monitor de educação física, músico, escriturário, professor de História no ensino secundário. A esta distância talvez eu possa especular: a sua entrada tardia no mundo do jornalismo permitiu-lhe fazê-lo com uma bagagem que lhe seria útil e o catapultaria, em poucos anos, para um dos lugares cimeiros entre os camaradas de ofício.

 

Quando entrei, aos 21 anos, para a redação da TEMPO, em 1988, Fernando Manuel era o jornalista mais importante daquela mítica revista. Chefiara a reportagem pouco antes. Era um dos gurus da publicação. Provavelmente, o Kok Nam fosse a sua figura mais emblemática, oriundo da tribo dos fundadores.  A TEMPO, é preciso dizê-lo, foi a tribuna de grandes nomes do nosso jornalismo. Miúdo ainda, quando eu frequentava a Maxaquene, passava diante do prédio quotidianamente a caminho da escola. Olhava para o edifício como quem olha para um santuário. Esperava ser um dia um dos seus membros. Quando lá cheguei, a redacção gabava o talento do Fernando Manuel. Já não estavam Alves Gomes, Arlindo Lopes, Augusto Casimiro, Hilário Matusse, Joaquim Salvador ou Mia Couto - isto para falar de nomes que me eram próximos. Estava ainda a Ofélia Tembe antes de atalhar pelos meandros da diplomacia.

 

O semanário tinha como director o grande jornalista Albino Magaia (Mia Couto fora antes director e no seu tempo tivera Magaia como chefe de redacção) e Luís David era o chefe de redacção. David era um chefe que lembrava as lendas que comandavam, com mão firme, os jornalistas e as redacções. Hoje os vocativos são outros. No meu tempo, um chefe de redacção era a figura mais temida. No caso, ele subscrevia o mito: devolvia os textos quando estes eram medíocres. Por outro lado, Albino Magaia tinha aquela adorável característica de ser assertivo com um sorriso que lhe ampliava os zigomas do rosto. Os dois faziam um belíssimo contraponto. Foi sob a batuta de ambos e tendo o Fernando Manuel e o Kok Nam como as grandes referências que vivi ali tempos jubilosos. O Kok contava histórias hilariantes dos tempos imemoriais da casa. Daria um belo filme a história desta revista e das gerações de jornalistas e histórias que a glorificaram.

 

Companheiros de redacção: Roberto Uaene, António Elias, Casimiro Sengo, Fernando Victorino, Celestino Jorge, Paulo Sérgio, entre outros. O Castigo Zita, que encontraria o infortúnio da morte numas férias em Harare, em Dezembro de 1988, aos 27 anos, era assíduo frequentador da mesma. Fazíamos uma pequena tertúlia literária no fundo da redacção. O Celestino participava com aquela sua elusiva presença. Fotógrafos: Kok Nam, Naíta Ussene, Alberto Muianga, Jaime Macamo e Jorge Tomé. Muitas destas personagens já não estão no reino dos vivos. O Eugénio Aldasse (outro que emigrou para o Paraíso) e o Sérgio Tique (brilhante caricaturista e que tinha a qualidade superlativa de zombar de todos e de tudo) faziam a maquetização. A saudosa Ana Cubasse era a nossa revisora e enchia aquelas acanhadas salas com a sua soberba e estridente presença. Foi outro tempo aquele, com outras personagens, que estão nos armoriais do nosso jornalismo.

 

Falo-vos de um tempo em que redigíamos notícias e reportagens em velhas máquinas manuais cujos sons ressoavam daquele sexto andar. Era o tempo das laudas e da composição a chumbo. Também era um tempo em que tudo parecia que estava a desmoronar, a desagregar-se. Tinha acontecido Mbuzine e o prenúncio do fim da I República. Os anos 80 foram extenuantes. Estávamos exaustos das crises cíclicas e do panorama em que tudo nos faltava. Começava a exercer-se sobre nós o cansaço, a desesperança, a descrença e o medo do futuro.

 

Para mim foram tempos paradoxais – exultantes e esgotantes. Foram dois anos igualmente fugazes, os mais belos anos da minha vida no jornalismo em Moçambique. Intensos e jubilosos.

 

Pouco depois, quase todos saímos da TEMPO. Nos finais daquela década os jornalistas impuseram a liberdade e a democracia através de uma nova Lei de Imprensa. Nos primórdios dos anos 90 o debate e a nova Constituição permitiram que houvesse outros atalhos. A guerra e a paz, o multipartidarismo e a abertura que se experimentaram estiveram na base do início de um novo caminho para o jornalismo.   Entretanto, Albino Magaia foi substituído e o declínio da publicação tornou-se irrefutável. Fernando Manuel estaria no escol dos jornalistas que iriam ser os pioneiros do jornalismo privado.

 

Carlos Cardoso falou-me desse belo projeto: um grupo de jornalistas que resolvia desfazer-se das amarras que tinham no sector estatal e fundava uma cooperativa da qual sairiam as publicações independentes. Politicamente independentes. Kok, Naíta, entre outros, estarão nesse grupo. Creio que foi um acto de grande coragem. Foi quando fui estudar para fora do país.

 

Não tenho dúvidas de que foi um tempo exultante para o nosso jornalismo, um tempo de mudanças, algumas delas radicais. Esse tempo e o papel dos jornalistas merece estudo e atenção.

 

Eu aprendi imenso na TEMPO e com aquela nobre gente. Ouvindo-os, contando histórias, muitas vezes tremendas histórias do nosso quotidiano, algumas que atravessavam as colunas da publicação que saía à sexta-feira e que as lia com um sofrido e indisfarçável prazer. A ideia da sociedade, da nossa sociedade, obtive-a ali. Preocupado com as cousas literárias, aprendi a amar o social através daqueles meus brilhantes colegas. Algumas das reportagens eram devastadoras. Lembro uma sobre o Ile que nunca me abandonou. Tínhamos experimentado como país um grau de miséria material e moral sem igual. A guerra no seu esplendor fazia de nós o exemplo (parece paradoxal usar este termo) entre os piores do mundo.

 

O Fernando Manuel não era apenas jornalista, era também escritor, um bom poeta e contista imaginativo. Não tenho duvidas de que era uma das melhores plumas do nosso jornalismo. A sua pena é de alto coturno e as suas prosas eram impecavelmente bem escritas. Valeria a pena, sobretudo os que debutam na profissão, frequentar os sepulcros e ler aquelas prosas exemplares.

 

Muita da sua saborosa prosa está reunida em dois dos seus livros de crónicas: “Chá das Sextas” e “Missa Pagã”. A crónica literária foi um género com cultores prestigiadíssimos entre nós. Cito alguns desta linhagem: Areosa Pena, Leite de Vasconcelos, Albino Magaia, Mia Couto e por aí em diante. É um género que, como se sabe, está na fronteira entre a literatura e o jornalismo. Fernando Manuel é tributário dessa nossa nobre tradição.

 

Felizmente temo-lo lido nas páginas do “Savana”. Para além disso, é autor de um livro de contos, “O Homem Sugerido” e redigiu alguns prefácios a obras de escritores da sua geração – do remoto “Xitala Mati”, do Aldino Muianga, em 1987, é caso paradigmático. Fernando Manuel tem uma língua afiada, por vezes mordaz, finamente mordaz, e é dono de um olhar subtilmente assertivo e subversivo. É um contador de histórias nato, quer sejam histórias que relevam das origens ou aquelas que se inscrevem nos labirintos e na mitologia dos subúrbios em que ele cresceu ou da sua cidade onde se afirmaria e que a viu mudar com todos os seus paradoxos, todas as suas misérias, toda a sua grandeza. Podemos até estar nos antípodas do que pensa, não temos que concordar, mas temos que conceder que estamos diante de uma escrita distinta. Respeito-o por isso. Aliás, demonizou-se entre nós a democrática e saudável divergência, a critica social, a consciência da diferença. Aquela sociedade plural e magnânima que intuíamos nos anos 90 está por cumprir, por assim dizer.

 

Quando há precisamente 30 anos, Fátima Mendonça e eu, organizamos uma antologia da nova poesia moçambicana, ele foi um dos nomes indubitáveis. Um dos poemas, quase um aforismo, intitulado “Sobre a felicidade” dizia estes três versos: “E pensar / que há gente / que me pensa feliz”. Não me ocorreu este poema quando li, há 5 anos, no semanário “Magazine”, uma entrevista sombria com o Fernando Manuel.

 

Era uma entrevista de um homem lúcido, acerbo e, fatalmente, desiludido. Dois anos antes ele ficara cego. Fazia uma análise cortante dos nossos dias e do nosso percurso. Não é incomum encontrar na tribo (na melhor acepção do termo) quem esteja desencantado. Sobretudo entre os que estão na profissão há décadas. Os tempos que vivemos, muitas vezes aziagos, tornaram proscritos muitos destes grandes profissionais. E para isso não é necessário exilá-los. Basta o descaso.

 

Não obstante, Fernando Manuel continua a publicar - para a nossa felicidade e digo isto compungido – as suas crónicas. Dita-as e quem as lê coteja a mesma escrita escorreita que ele nos habituou. Tinha antes lido uma entrevista na qual ele falava dessa experiência, dessa dura experiência da cegueira, mas neste depoimento senti não só essa dureza, mas uma profunda e lancinante tristeza.

 

Não queria terminar esta breve evocação com um travo amargo. Hoje é um dia de júbilo para o nosso jornalismo e para a nossa literatura. Quero celebrá-lo com parte dos seus melhores versos. Socorro-me, assim, em sua homenagem, destes outros versos, no caso do poema “Ma ensai”, igualmente belo, para encerrar este depoimento.

 

À noite

 

ouço Otis Redding

 

falando I´ve got dreams

 

de tardes de madeira e zinco

 

esfregando-se por entre o caniço

 

Tardes de corpos suados

 

Plásticos na apetência oculta

 

que fervilha debaixo da pele, to remembre

 

Anoitecer de salas fumegantes

 

de candeeiros a petróleo

 

luz   que se escoa

 

mergulhado aquele beco sem saída

 

numa escuridão fru fru

 

saia que já não esconde

 

o leve tremor da coxa

 

antes abrigada

 

E beijei o silêncio

 

dos lábios da Guida.

 

Fernando Manuel

 

Poeta, contista, cronista, uma das plumas mais esplendentes do nosso jornalismo e da nossa literatura, autor de algumas das mais belas páginas que, em épocas distintas, se redigiram na “Tempo” ou no “Savana”, comemora, neste dia 20 de Janeiro de 2023, 70 anos de vida. Aqui lhe deixo o meu humilde preito.

quarta-feira, 18 janeiro 2023 08:54

Governação de Filipe Nyusi: segundo Mandato!

Adelino Buque min

"A nossa agenda é desenvolver Moçambique, é fazer com que esse desenvolvimento não seja feito a custo da injustiça, da prepotência e da desigualdade. A inclusão é muito mais do que acomodação de um grupo restrito de compatriotas, seja qual for a sua origem. Incluir é ouvir os que pensam diferente, incluir é dar oportunidades iguais a todos, incluir é exercer justiça social, é promover o emprego"



In Filipe Nyusi, no dia 15 de Janeiro de 2020, tomada de posse.



O Presidente Filipe Jacinto Nyusi fez, no dia 15 de Janeiro de 2023, o terceiro ano do seu segundo mandato como Chefe do Estado moçambicano. Os discursos de Filipe Nyusi, no primeiro e segundo mandatos, foram sempre de consenso e alvo de escrutínio público pela positiva. Muitos desafiavam Nyusi para ver e avaliar a sua Governação entre as promessas e a realidade e isso faz-se através de avaliação de meio-termo e final. Mas então, como é vista a Governação de Filipe Nyusi neste segundo mandato!



Os dois mandatos de Filipe Nyusi como Chefe do Estado são caracterizados por desafios que, muitas vezes, não estavam equacionados. Se no primeiro mandato o maior desafio foi governar sem apoio dos parceiros de cooperação devido às despoletadas dívidas não declaradas, ciclones que devastaram Moçambique, o segundo mandato inicia com a Pandemia da Covid-19, seguido de ciclones e continuação do boicote da comunidade internacional no apoio ao Orçamento do Estado. Estes desafios puseram à prova a capacidade de liderança do Chefe do Estado e, até provas em contrário, com sucesso.



Digo com sucesso porquê! Questionaram alguns leitores e amigos nesta e em outras plataformas e como resposta deve-se apontar os factos corelacionados com as acções da Governação de Nyusi. Como todos sabemos, moçambicanos e não só, Moçambique vivia duas Guerras diferentes, a Guerra de desestabilização movida pelas forças residuais da Renamo, que não se conformavam com a eleição de Ossufo Momade para Presidente e o terrorismo a norte de Moçambique, mais concretamente em Cabo-Delgado.



Filipe Nyusi geriu estas duas guerras com alguma mestria. Por um lado, accionou o DDR como meio de colocar o ponto final às exigências da Renamo e, por outro, acionou o apoio internacional através do Ruanda e da SADC para fazer face ao terrorismo no norte de Moçambique, mais concretamente, em Cabo-Delgado e muito cedo se evidenciaram sucessos. No centro de Moçambique, onde a Guerrilha da Renamo actuava, cessou as hostilidades e a população retomou com sucesso as suas actividades, enquanto isso, no norte de Moçambique, as Forcas de Defesa de Moçambique com apoio do Ruanda e da SADC desbaratavam o inimigo!



As populações deslocadas, quer no norte quer no centro de Moçambique, retomaram as suas actividades e vive-se hoje com relativa tranquilidade, ou seja, no capítulo de segurança e estabilidade nacional, apesar de parcos recursos, Filipe Nyusi conseguiu manter o País estável e uno do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico. Ainda neste capítulo, noto muita preocupação de Filipe Nyusi na formação de pessoal para fazer face à desestabilização e ao terrorismo em Cabo-Delgado. Noto igualmente a melhoria nas infra-estruturas das FDS e o exemplo é do Quartel de Boane que está a ser vedado em toda a sua extensão. Parabéns!



Na função pública, apesar de se ter decretado a não contratação de mais funcionários públicos, o certo é que os sectores de Educação e Saúde têm beneficiado de quotas periódicas e fazem a contratação. Que seja público, nenhum serviço ficou paralisado devido a dificuldades de origem orçamental, pode se falar de dificuldades, mas todos os serviços funcionam e razoavelmente. Ainda na função pública, a ousadia do Governo na criação da Tabela Salarial Única em meio de tantas dificuldades revela o interesse de promover a justiça laboral no seio da função pública. Pode-se criticar e apontar-se erros, mas só se aponta erros onde há trabalho e, mais uma vez, parabéns Filipe Nyusi.



Na área económica, destaco a produção alimentar através de programas promovidos pelo Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural. Não haja dúvidas que a escolha do timoneiro para esta pasta foi um grande sucesso. Celso Correia, gostemos ou não dele, mostra serviço no sector e revolucionou a Agricultura como um todo e sobretudo na produção alimentar. Aqui, quero referir-me à produção de hortícolas diversas, cereais, carne bovina e de frangos, para além de outras espécies. Por isso, Moçambique não sofreu mais de fome aguda ou bolsa de fome consideráveis neste período.



Pessoalmente, considerando margem de erro mínimo, considero o sector Agrário de Moçambique aquele que mais resposta deu aos actuais desafios de Moçambique, mas devo fazer menção a outros sectores de actividade, como seja o de extracção mineira, com realce na primeira exportação de Gás liquefeito da Bacia do Rovuma, o que torna Moçambique um País exportador de Gás no Mundo. Julgo que, em meio de dificuldades e de boicote internacional, é urgente reconhecermos isto como um feito sem precedentes.



Depois vem a área de infra-estruturas públicas. Refiro-me à água, energia, estradas entre outras. Devo recordar aqui e agora que, no início deste mandato, o Presidente Filipe Nyusi inaugurou várias infra-estruturas de abastecimento de água, contrastando com quem está no início de mandato. Na verdade, poderia ter feito inauguração daquelas infra-estruturas no período de pré-campanha por forma a conferir maior simpatia pública, mas não foi assim. Nyusi agiu ao contrário, mostrando que não era necessário impressionar o público para ganhar votos e venceu e bem nessas eleições. A energia para todos é outra aposta de Filipe Nyusi, pode-se criticar a forma como a EDM materializa esse projecto, mas o projecto está aí e tem estado a dar conta da electrificação de Moçambique, desde as Cidades até ao mais recôndito espaço territorial.



As estradas e pontes estão a ser erguidos no País, a opção pelo utilizador pagador foi a decisão tomada neste último mandato, através da concessão de gestão das estradas nacionais e colocação de portagem ao nível das principais vias de comunicação, uma iniciativa ousada para uma sociedade que não tinha o hábito de pagar pelos serviços públicos. Existem desafios ainda, nem tudo está as mil maravilhas, como é óbvio, mas é dever de quem critica também reconhecer aquilo que é bom. Por isso digo, à entrada deste penúltimo ano de Governação de Filipe Nyusi, o balanço é francamente positivo. Recomendo ao Presidente Filipe Nyusi que não deixe o DDR a meio. Finalize Caro Presidente. Ficará na história deste País!



Adelino Buque

Adelino Buque min

Qual é a agenda política da República de Moçambique para os próximos tempos?! Esta é a pergunta que se faz de esquina em esquina, onde se encontram pessoas interessadas na vida pública de Moçambique. Outras pessoas ocupam-se de outras banalidades que não são poucas. A essa pergunta, de forma peremptória, a resposta é:

 

1)      Eleições autárquicas de 2023;

 

2)      Eleições Gerais de 2024, para as Legislativas, Presidenciais e das Assembleias Provinciais e;

 

3)      Eventualmente, as eleições para as Assembleias Distritais em todo o território nacional.

 

Dito isto, parece-me que muitas pessoas esqueceram da existência de um número quase “insignificante” de Guerrilheiros da Renamo nas matas da Gorongosa, os tais que adiaram a sua desmobilização, desarmamento e reintegração em cima da hora, alegadamente, porque o Governo de Moçambique não está a cumprir com as promessas feitas para a materialização deste programa.

 

Estranho que, depois de proceder ao DDR para mais de 4 mil homens residuais da Renamo, o nosso Governo não consiga a desmobilização, desarmamento e reintegração de menos de 400 homens, ou seja, 10% do que já conseguiu fazer e todos nós achamos isso normal.

Pois então eu não acho normal, seria de todo aceitável que o representante do Secretário-geral da Nações Unidas viesse a público, como entidade imparcial, dizer o que de facto se está a passar com o DDR.

 

O Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, investiu tanto, no primeiro e no segundo mandato, para o alcance da Paz em Moçambique. Não creio que, estando próximo da meta, esteja a desistir de todo um trabalho de sucesso realizado, incluindo o risco pessoal que assumiu, ao embrenhar, mata adentro, à procura do Líder da Renamo, o saudoso Afonso Macacho Marceta Dhlakama, para com ele debater a Paz em Moçambique, com sucesso, sublinhe-se. Não pode estar a perder vigor e força quando estamos quase a “cortar a meta”!

 

Os políticos da nossa terra não se mostram preocupados com o adiamento do DDR, não se pronunciam sobre este facto e parece-me que não estão a ver a importância que tem a conclusão, com sucesso, deste processo. O Partido MDM apareceu há dias a falar da sua predisposição de participar nas eleições autárquicas e anunciou alto e bom som que estava em processo de selecção de candidaturas, falou das eleições Distritais, mas não falou de um processo tão importante quanto crucial para a Paz em Moçambique, que é o DDR!

 

Questiono-me, afinal, qual é o papel dos partidos políticos em Moçambique?! Participarem de actos eleitorais e depois desaparecerem! Ou é intervir para a melhoria da vida dos moçambicanos? E se sim, não se apercebem que a falta do término do processo de DDR constitui em si uma ameaça à Paz e pode não parecer hoje, mas, depois das eleições e dependendo dos resultados, as coisas podem mudar. Vamos imaginar que o partido Renamo averba uma derrota daquelas que chamam de “retumbante, asfixiante e demolidora” e, como nos habituou, não reconhecer os resultados…

 

A primeira coisa que fará é reconstituir as células de guerrilha e ameaçar as populações, seguido de recrutamento de mais jovens para as suas fileiras, jovens que, estando sem emprego e nem futuro à vista, não se importarão em seguir a guerrilha e criar-se o caos total.

 

Para piorar, porque não podia deixar de ser, o Governo irá responder às intenções da Renamo e aí se instalará a guerra de novo. O que nos falta para unirmos esforços em prol da Paz em Moçambique, o que nos falta para quebrarmos as diferenças e unirmo-nos por Moçambique e salvar a Paz neste território. Existem acções que são pertença do Governo do dia, mas também se pede a intervenção da sociedade para que a Paz seja efectiva.

 

Finalmente, não estou a dizer que as eleições autárquicas não sejam importantes, que as eleições gerais para as Legislativas, Presidenciais e Assembleias provinciais não sejam importantes, mas, mais do que olhar para esses actos de forma isolada, penso que seria importante olhar num quadro mais geral em que pontifica Moçambique primeiro e, se assim acontecer, a desmobilização, desarmamento e reintegração de menos de 400 homens será a prioridade das prioridades em Moçambique. Na forma como vão as coisas na “Pátria dos Heróis”, parece-me que a Paz e Estabilidade podem estar adiadas ou nem por isso!

 

Adelino Buque

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