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Por: Jorge Ferrão[1] e Patrício Langa[2]

 

Em 2022, o ensino superior em Moçambique completa 60 anos. Com efeito, foi a através de um decreto-lei 44530 de 21 de Agosto de 1962, que foram criados os Estudos Gerais Universitários em Moçambique e de Angola. Surgiam assim as primeiras instituições do ensino superior (IES) nos países africanos de língua oficial Portuguesa.

 

Seis décadas passadas podem representar um tempo histórico significativo para um país fundado em 1975, mas incipiente para o ensino superior como instituição milenar competindo apenas com a igreja em termos de antiguidade. O termo ensino superior, aqui, é tomado como se referindo a todas as formas de educação terciária, pós-secundária, incluindo a do tipo universitária, e politécnico. De facto, se nos atermos a história do ensino superior antigo, a África pode até reclamar-se o berço deste tipo de educação antes de mesmo de Cristo, com a Academia de Alexandria no Egipto fundada em 331 AC. 

 

As famosas Universidades de Timbuktu, no actual Mali, fundada em 1100, a Universidade do Cabo, na África do Sul, fundada em 1829, mas também as universidades de Cartum, no Sudão (1902), Makerere no Uganda (1921), Ibadan (1948) na Nigéria, e Nairobi (1956) no Quénia são a evidência de que o ensino superior nos países de expressão Portuguesa fora de Portugal (PALOP) ainda esta no seu despontar.

 

Com a excepção do Brasil, cuja historia indica que a primeira instituição de ensino superior foi a Escola de Cirurgia da Bahia, criada em 1808 e a posterior as faculdades de Direito de São Paulo e de Olinda, em 1827, os PALOP tiveram que esperar até ao inicio da década de 1960 pelo ensino superior.

 

Nos casos de Moçambique e Angola o percurso inicia com um processo respaldado na mudança da política colonial em relação às colônias, a crescente demanda dos colonos e assimilados, associada a pressão inestimável das Nações Unidas que apelava a criação de mais condições de ensino, nas então colónias portuguesas do ultramar. Ainda assim, o ensino superior nestes países nasce com o pecado original da exclusão dos nativos. Pecado este cujo legado, seis décadas depois ainda se procura redimir.  

 

Assim, celebrar seis décadas de ensino superior constitui em si um acto de regozijo, particularmente, quando se faz num contexto de independência política do jogo colonial relativamente consolidado. Não obstante, os avanços, os desafios são reflexo de um subsistema da educação ainda emergente, num país que ainda busca seu rumo no concerto das nações. Em 60 anos em média criamos 6 novas universidades a cada década. Os desafios que temos em seis décadas muitas vezes olvidam que se equiparam as mesmas aspirações de sistemas nos quais cada década nossa equivale a um centenário. Alias, no Hemisfério Norte, de onde nos inspiramos e herdamos a ideia moderna do ensino do superior, as IES são até milenares. Sem ser cáusticos, precisamos ser condescendentes em qualquer que seja a avaliação das seis décadas. Até porque mais do que a própria avaliação é dos critérios que mais precisamos nos ocupar para análises concernentes a projecção das próximas décadas. 

 

Os desafios do ensino superior incluem um sistema que procura definir o seu caracter, com IES com maior pendor para o magistério em detrimento da pesquisa, corpo docente em processo formação, necessidade de estudos específicos sobre o desenvolvimento do subsistema, e melhoria dos processos de formulação de políticas públicas mais assertivas, entre outros. Tal como Angola, não admira, pois, que tenhamos percorrido a mesma trajectória, experimentando desafios muito semelhantes e, fundamentalmente, que o processo de consolidação se mostre, ainda, muito distante do seu final.

 

Sendo que o ensino superior se caracteriza não só pelo ensino, mas também pela pesquisa, extensão e inovação para a produção de conhecimento com impacto na sociedade, a comemoração dos 60 anos deste subsistema em Moçambique é uma oportunidade ímpar para se repensar o subsistema, as instituições e o seu papel na transformação da sociedade. Nesse repensar, cabe um debate profundo sobre as políticas do ensino superior, o lugar da pesquisa e extensão na formação dos estudantes, a formação de docentes, que, conjugados, e num contexto de inovação, concorrem para a qualidade almejada neste subsistema.

 

Entre avanços e retrocessos, desafios e oportunidades o ensino superior passou por diferentes processos de continuidade e rupturas. O esforço e empenho de jovens académicos, com todas as limitações, esteve sempre presente e tem sido o garante das mudanças, aprimoramentos e paradoxalmente dos problemas correntes. Não existem dúvidas e nem reservas que as IES nacionais foram as grandes responsáveis pela formação da maior parte do capital humano em Moçambique, que providencia e garante serviços essenciais ao Estado, sector privado, familiar e noutras esferas económicas, culturais e até na manutenção dos serviços dos ecossistemas.

 

Todavia, prevalecem questões estruturais, de governação e coordenação do sistema, atitudes autocráticas e de poder discricionário dos gestores, tanto nas IES públicas como nas privadas.  Os investimentos em infraestrutura, planos temáticos e curriculares são fundamentalmente desenquadrados, o tempo de formação questionável, esquemas de corrupção, e, coincidentemente, a ascendência e precedência da política sobre a academia ou, por outras, a politização da academia que desvirtua o sentido da autónima “real” (e não apenas no papel) das IES que, noutros contextos, paradoxalmente tende a ser protegida pelo Estado. 

 

Apesar dos avanços em termos de acesso ao ensino superior, com a expansão numérica e geográfica de IES um pouco por todo país, fruto da visão de política pública dos diferentes Governos, a base de conhecimento que sustenta os processos decisórios sobre o ensino superior assenta em convicções fortes, com princípios normativos – do dever ser – em contraste com a fraca evidência produzida através de estudos de base. 

 

Os quadros normativos e reguladores do sistema revelam um problema fundamental dum sistema político descentralizador apenas na retórica, mimético (do Copy & Paste) de modelos exógenos mal re-contextualizados, mas também com tendências centralizadoras e autocráticas na prática.  Com efeito, trata-se de um sistema que emula a sua insciência na medida em que se desenvolve num ciclo vicioso de relatórios técnicos comissionados e produzidos por agências de consultoria generalistas e profissionalizadas, que subcontratam, a preço rendeiro, académicos cuja autoridade e legitimidade radica do simples facto de advirem das IES e conectados aos circuitos do lóbi da consultaria.  

 

Assim, documentos estruturantes da Governação do sistema são produzidos através de esquemas em cima do joelho, com um teatro das auscultações no Norte, Centro e Sul, dos parceiros, apenas para legitimação politica do processo, e com o beneplácito de agências de financiamento que justificam a sua existência através da reprodução da nossa mediocridade enquanto nos endividam. Sim, é, do algoz Banco Mundial e entidades congéneres que concorrem para a reprodução da incapacidade interna de produção de política pública das próprias instituições do Estado através de seus projectos de desenvolvimento de capacidade e assistência técnica. É um sacrilégio para o ensino superior que em pleno 2021, os Planos Estratégicos e outros documentos directores sejam produzidos em esquemas de consultoria, que promovem a exploração de académicos moçambicanos por empresas parasitárias que dominam os espaços do lóbi das consultorias, relegando as próprias IES ao mero papel de entidades auscultadas.

 

O ensino superior vive, portanto, copiosas encruzilhadas. Por um lado, a pressão das demandas duma sociedade cada vez mais ciente e crente dos benefícios do retorno do investimento no ensino superior, apesar duma apreciação e avaliação baseada no bom senso, informada por uma visão redutora e instrumentalista do ensino superior como o trampolim da mobilidade social através do emprego formal, no Estado, e nas Organizações não Governamentais (ONGs), mercado preferencial para a transação da reputação dos títulos e credenciais académicas. Por outro lado, a saturação prematura dos lugares de emprego, particularmente, no aparelho do Estado, mas também nas ONG com maior proeminência, que prematuramente desfazem a ilusão da empregabilidade, dos graduados, num sistema cuja taxa de participação entre Jovens dos 18 aos 24 anos não atingiu sequer 10% em sem mil habitantes, reforça o estado de crise do sistema. Este paradoxo gera a ilusão da escassez, mobiliza empreendedores educacionais a criarem novas IES, por razões adversas a educação como bem-público, mas funcionam na propalada lógica neoliberal da mercantilização e co-modificação da educação, abordada por um de nós (PL), noutros escritos.

 

As IES, e, em particular a universidade, no conceito mais genérico, sempre tiveram um sentido de utopia e de um espaço de encontro de tradições e quebra de horizontes do conhecimento humano. A universidade é, igualmente, um espaço onde se cultivam a sociabilidade com a diferença de pensamento, com o pluralismo democrático, e igualmente, a esperança da humanidade. Esperança porque a sociedade deposita confiança nos processos deliberativos associados ao pensamento crítico, em principio, que radica da formação superior.

 

Assim, as universidades seriam, também, ao longo destes 60 anos, parte do projecto de consolidação da nação com representatividade dos diferentes grupos sociolinguísticos, suas tradições e utopias. As IES constituem espaços convencionais onde a expectativa seria a criação do designado ‘bildung’, quer dizer, à preparação da pessoa humana visando produzir cidadãos responsáveis, maduros, autônomos e capazes de refletirem sobre os seus próprios problemas, e da sua sociedade.

 

Este exercício constitui o lançamento de um repto. O repto que ocasião que se aproxima da efeméride do sexagenário nos oferece para repensar o etos ensino superior no país. Lançamos o repto neste mês de novembro, demasiado simbólico e representativo para o ensino superior, quando celebramos o dia mundial da ciência e o dia dos estudantes, que enfrentam as vicissitudes de um sistema de ensino superior emergente. O impacto da pandemia que escancarou, em 2020, as fissuras e fragilidades do sistema diante das restrições, incapacidade e outras aporias que provaram o quão longo será o caminho a percorrer na edificação de um ensino superior robusto.

 

No entanto, mas do que lamentar a ausência do óbvio, que a pandemia apenas veio desnudar, este tempo oferece-nos a possibilidade, de outras possibilidades, isto é, da reinvenção. Sim falta tudo para muitos, e há tudo para poucos, mas há também a oportunidade da ausência do padrão, da tradição, pois tudo se tornou experimental e não há espertos (experts) em matéria de sobrevivência melhor que nós. Portanto, se a inclusão digital parece ser um problema de fundo, não poderemos negligenciar o potencial da reinvenção social. Se existe algo para o qual poderíamos prestar atenção só celebrar o sexagenário é a capacidade recreativa, inventiva, dos Moçambicanos, mesmo em condições adversas.

 

Ao celebrar os 60 anos do ensino superior teremos de, entre outras, pensar que tipo de ensino superior queremos para que tipo de sociedade. Celebrar estes 60 anos tem de assumir um papel bem mais profundo e incisivo. Redefinir o papel e a função do ensino superior num contexto de múltiplas necessidades sociais e humanas, para que as IES continuem impondo-se e respondendo aos desafios da sociedade com recurso ao pensamento crítico tão caro a sociedade.

 

Não poderemos continuar dissociados dos adventos que movimentam o mundo da quarta Revolução Industrial, do advento da ciência artificial, da robótica e nem a redefinição da grelha de cursos que mais condicentes com as novas profissões. Não podemos ser apenas vitimas de mudanças climáticas, sem que sabíamos debater suas origens e consequências diferenciadas. Estes tempos apontam para cenários verdadeiramente desafiadores, e que obrigarão Moçambique a repensar na direcção do seu ensino superior de forma geoestratégica e mais estruturada.

 

Nos próximos anos, os desafios serão acrescidos. Os impactos das sociedades de conhecimento colocam competências tecnológicas e digitais como activos ultra importantes. Seguir as novas tecnologias e os efeitos da revolução cientifica e tecnológica, evitará que sejamos marginalizados e esquecidos pelo tempo. (X)

 

[1] Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo

[2] Sociólogo, Faculdade de Educação, da Universidade Eduardo Mondlane

E de repente, na cabeça um ruído estridente como o de um meteoro a abrir um buraco na terra. Nenhuma gaivota nos meus olhos; nenhuma mão na minha mão. Apenas um ruído estridente a vaguear na minha cabeça, a fumaça a enturvecer a visão, as chamas a engolirem tudo como uma serpente gigante e o cheiro a queimado a espicaçar-me as narinas como a máquina do vizinho a moer os grãos de milho, sem piedade, até tudo ser farinha ou pó que um dia voltaremos a ser.

 

O fogo era tão intenso como um desejo maldito que nos visita sem aviso e sentia ferverem dentro de mim as tripas de todo o mundo. Não sei onde tinha começado, nem o que queria connosco, mas ele estava dentro da nossa casa, estava no nosso bairro que ardia numa madrugada que insiste em colar-se às paredes da minha memória.

 

Desde que me conheço por gente, foi sempre dentro daquelas paredes de madeira e zinco que vivi; foi sempre neste bairro de madeira zinco onde cresci e aprender a ler a cidade de Maputo que à nossa volta vai erguendo prédios gigantes que meia-volta e meia vão nos sufocando e proibindo o sol de chegar até nós. Nunca vivi noutro bairro, não conheço outras paredes para além das chapas de zinco que acendidas pelo fogo naquela noite assavam-nos vivos.  O primeiro aniversário na sala de madeira e zinco, o primeiro sonho no quarto de madeira e zinco, as primeiras gotículas de menstruação e o primeiro beijo num beco de madeira e zinco, o primeiro gemido e os olhos na madeira zinco. Tudo aqui.

 

Perdi a conta de vezes que o presidente do município, a governadora da cidade, os sucessivos governos da República prometeram construir casas novas, melhoradas, de cimento como as outras tantas que crescem a cada dia na cidade. Mas sempre tudo o mesmo. Tudo solução de curto prazo, a peneira em cima do sol. No lugar de casas de madeira e zinco que caiem, outras casas de madeira e zinco, talvez para preservar o património histórico da cidade, talvez para preservar a nossa pobreza. Outras casas de madeira zinco até o fogo chegar de novo e consumir tudo de novo. Outras casas de madeira e zinco porque reclama-se uma semana e na semana seguinte ninguém mais fala no assunto, uma indignação que dura uma semana e uma madeira e zinco que dura até o próximo incêndio.

 

Quando a fumaça começou a invadir o quarto e a pequena porta de madeira foi engolida pelo fogo, o bairro já andava irrequieto e construía-se, uma vez mais, a maior chaminé da cidade. Uma chaminé que deitava para o céu uma nuvem rugosa, densa e suja de nossas memórias e passados.

 

Não era a primeira vez que o bairro ardia, mas era a primeira que o fogo invadia a nossa casa e devorava tudo o que tínhamos.

 

O fogo a consumir a porta com gula. A cara da minha mãe assustada e as suas em cima de mim a abanarem-me o corpo para que acordasse enquanto fosse tempo. As mãos da minha mãe, que com os anos foram ganhando rugas de tanto lavar os pratos nos quais os outros comiam num dos principais restaurantes da cidade, em cima de mim a abanarem-me desesperadamente até que eu acordasse, porque mais tempo e deixaria de haver tempo para escapar do fogo que devorava a porta do quarto.

 

Lembro-me da arrelia ao acordar; do medo no lugar da arrelia; do calor dentro da casa; a luz incandescente das labaredas a espalhadas pela casa; o medo a devorar-nos coma mesma intensidade que o fogo devorava a casa enquanto minha mãe e eu atravessamos o mesmo buraco entre as chapas por onde sempre entrou frio no Inverno. 

 

Não era a primeira vez que o bairro ardia, mas era a primeira que o fogo invadia a nossa casa e devorava tudo o que tínhamos. Muita algazarra naquela madrugada, uma nuvem cinzenta e rugosa na chaminé gigante que cuspia no céu tudo o que tínhamos.

 

Sinceramente, nenhuma gaivota nos meus olhos; tudo pó no lugar da casa; no lugar do tecto de zinco apenas o céu cinzento em cima de mim, de minha mãe e do meu pobre bairro.  

Nos últimos anos, em Moçambique aumentaram os grupos do narcotráfico, daí que todos os dias são apreendidas quantidades elevadas de drogas diversas e detidos os respectivos traficantes, embora maior parte seja apenas Pombos-correios e não os mandantes. 

 

Em quase todas as províncias do país, o tráfico de drogas ocorre de vento e pompa. A situação demonstra estarmos a caminhar para uma situação descontrolada. Vídeos de adolescentes, alunas uniformizadas “viralizam” nas redes sociais. Todos os dias filhos e pais são internados por perturbações ligadas ao consumo abusivo de substâncias psicotrópicas. Socialmente, alguns mentecaptos vêem a coisa como normal, mas não é! Se queres perceber, circule por Mafalala, Zona Militar (Cidade de Maputo), Namicopo, Muhavire-Expansão (Cidade de Nampula), Paquitequete, Natite (Pemba), são apenas alguns exemplos dos vários. 

 

Hoje, facilmente, as pessoas se tornam milionárias num zás! Entretanto, quando se vai mais a fundo na origem da riqueza percebe-se que tudo foi adquirido na base de caminhos sinuosos, maior parte deles ligados ao mundo do crime organizado. Foi o que ficou patente no dia 10 de Novembro do presente ano, na capital do Norte, Cidade de Nampula, quando as autoridades anunciaram a maior apreensão de drogas e a detenção de um dos "big dealers in town", muita coisa veio à tona.

 

Afinal, o homem não é qualquer. Movimentava as substâncias químicas em corredores devidamente protegidos, como aeroportos e transportes aéreos que levavam a mercadoria como se de roupa, peixe ou mesmo ovos de um canto para o outro se tratasse, para a Cidade do “cota” Vahanle. O pior é que como o negócio tinha parceiros policiais estratégicos, o homem chegava a fazer promoção dos estupefacientes todas as quintas-feiras, com trabalhadores espalhados um pouco pela cidade vendendo e distribuindo as bolas e os bolinhos de chocolate.

 

Em Nampula, os consumidores e os pequenos traficantes rezavam para que todos dias da semana fossem quinta-feira. Dia em que compravam a muamba (drogas), a um preço de rebuçado. A praga já estava espalhada, o homem já vivia sem medo, de tal sorte que, na hora da detenção, foi enganado com uma chamada em sinal aberto, como se de um negócio normal se tratasse. As más línguas contam que a árvore plantada pelo tipo que produz pó e fumo já tem raízes robustas, sementes e encontram-se a germinar em outras partes da província e do país, onde os turistas gostam de estar e ficar.

 

A par das outras regiões do país, em que a praga se espalhou, onde a swazi gold é vendida em qualquer esquina, a capital do Norte tornou-se, actualmente, Skid Row, Downtown, Los Angeles, nos Estados Unidos da América (EUA), onde há anos as ruas estavam infestadas de consumidores de crack e cocaína, outros andando pelas ruas e avenidas rotos e rasgados, com caras de zumbi em plena madrugada. 

 

Sobre o Escobar de Nampula, dentro do circuito das más línguas, há quem diga que, na cadeia, o homem será substituído por uma mula, que assumirá o papel principal da telenovela que está a ser montada, uma vez que, na vida real, o homem representa vários chefes devidamente posicionados e que não aceitaram que o homem coloque a boca no trombone e o negócio milionário vá à falência.

 

Precisamos de repensar neste novo inimigo que invadiu a nossa sociedade e começou a colonizar a mesma com recurso a substâncias químicas e o fumo mágico. Temos de encontrar um caminho diferente e que melhore a nossa vida. A droga não pode capturar e subverter a juventude, o motor do desenvolvimento e da transformação de qualquer pátria. É importante que tenhamos pessoas a promoverem o acesso aos livros, comida nutritiva, ao emprego e o que temos de belo e bom em tudo que é canto, e não drogas pesadas que aos poucos tornam a nossa Pérola do Índico num Narco-Estado e falhado!!!

 

Moçambique é caracterizado, pela respectiva Constituição da República, como um Estado de Direito e de justiça social, baseado no respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, conforme se depreende dos artigos 1 e 3 da mesma lei mãe. Outrossim, as alíneas c) e e) do artigo 11 da Constituição da República, respectivamente, consagram como parte dos objectivos fundamentais do Estado moçambicano: “a edificação de uma sociedade de justiça social e a criação do bem-estar material, espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos.” “A defesa e a promoção dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei.”

 

Curiosamente, há anos que no ordenamento jurídico moçambicano foi instituída a figura de Vice-Ministros, os quais para além de não serem, constitucionalmente, membros do Governo, não tomam decisões por competências próprias senão por delegação dos seus Ministros e em casos raros, atendendo que a principal função dos Vice-Ministros é a de substituir os Ministros em caso de situações de impedimentos destes. Trata-se de uma espécie de suplentes dos Ministros nos vários Ministérios em que tal figura foi concebida. “O Ministério é dirigido por um Ministro, que pode ser coadjuvado por um ou mais Vice-Ministros.” Assim determina o n.º 3 do artigo 43 da Lei n.º 7/2012, de 8 de Fevereiro (Lei de Base da Organização e Funcionamento da Administração Pública).

 

O Governo da República de Moçambique é o Conselho de Ministros, o qual é composto pelo Presidente da República que a ele preside, pelo Primeiro-Ministro e pelos Ministros. É o que dispõe o artigo 199 e o n.º 1 do artigo 200 da Constituição da República. Daqui resulta inequívoco que os Vice-Ministros não integram a composição dos membros do governo e apenas participam em reuniões do Conselho de Ministros na qualidade de convidados, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 200 da Constituição.

 

No entanto, em virtude desse cargo de Vice-Ministro que é meramente cosmético, estes beneficiam de uma remuneração significativa aproximada a dos Ministros, incluindo subsídios e/ou regalias e alguma equipa de trabalho de assessoria ou assistência. Em bom rigor, os Vice-Ministros não têm uma função pública que justifique a remuneração que auferem, até porque sequer deviam existir, na medida em que quase que nada fazem para a prossecução do interesse público no contexto da governação ou Administração Pública. Importa aqui referir que o autor do presente artigo não conseguiu, rigorosamente, apurar o valor actual da remuneração dos Ministros e Vice-Ministros e respectivas regalias e/ou subsídios devido à deficiente disponibilização do interesse público no País.

 

De acordo com o n.º 1 do artigo 96 da Constituição da República: “A Política económica do Estado é dirigida à construção das bases fundamentais do desenvolvimento, à melhoria das condições de vida do povo, ao reforço da soberania do Estado e à consolidação da unidade nacional, através da participação dos cidadãos, bem como da utilização eficiente dos recursos humanos e materiais.” Na mesma sequência, determina o n.º 2 do mesmo artigo constitucional que: “Sem prejuízo do desenvolvimento equilibrado, o Estado garante a distribuição da riqueza nacional, reconhecendo e valorizando o papel das zonas produtoras.”

 

Ora, os Vice-Ministros constituem, pois, cargos cosméticos, senão parasitas, de inaceitável elevado custo nas contas do Estado, o que contraria a promoção da justiça social e realização dos direitos humanos, representando mais uma evidência de má distribuição da riqueza entre os cidadãos e o cada vez mais empobrecimento dos pobres que com muito sacrifício pagam impostos para, de entre outras coisas, sustentar os salários e regalias dos Vice-Ministros. 

 

  1. Notas conclusivas

 

Nos termos em que foi concebida e aprovada a função do Vice-Ministro, mais do que promover um Estado despesista e consumista para uma certa classe elitista, promove a discriminação, a desigualdade e injustiça social entre os cidadãos, principalmente entre os funcionários e/ou servidores públicos, com tarefas bastante significativas, quando comparados com os Vice-Ministros.

 

Portanto, os custos suportados pelo Estado com os cargos dos Vice-Ministros contribuem anualmente para a denegação da materialização do direito ao desenvolvimento dos cidadãos no que à distribuição da riqueza para o bem-estar das populações diz respeito, uma vez que parte significativa dos fundos públicos que deviam ser canalizados para a satisfação do interesse público com impacto directo na melhoria das condições de vida dos cidadãos são alocados para alimentar cargos irrelevantes para os objectivos da Administração Pública, conforme é o caso dos Vice-Ministros, cuja eliminação se mostra urgente.

 

Por: João Nhampossa

 

Human Rights Lawyer

 

Advogado e Defensor dos Direitos Humanos

Ao longo da vida, tenho sido galardoada com alguns prémios. Não questiono  as suas dimensões, as organizações que as outorgam, ao mérito e seu alcance geográfico. O mundo sempre encontrou formas de expressar  reconhecimento e apreciação. Porém, sempre assumi, de forma muito consciente, que estas menções honrosas são dedicadas e atribuídas, em primeiro  lugar,  aos moçambicanos e a todos que têm um compromisso para com este povo. A experiência me ensina a discernir o simbolismo e o realismo de qualquer premiação. Não importam as circunstâncias, existe sempre uma mensagem por detrás de qualquer premiação.

 

Pessoalmente, mesmo sendo avessa a estas premiações, assumo o  princípio de que todos merecem um reconhecimento pelo trabalho que realizam. Reconhecimento e condecoração sempre foram o factor mais importante da condição humana. Eles ocorrem e podem ser entendidos como elogio por tarefas bem-sucedidas ou valores pessoais. Mas, tem de ser, sobretudo, sinónimo de identificação com uma causa e a aceitação de que seguimos causas correctas e justas, que estimulam um engajamento naquele que acreditamos ser o caminho a seguir.

 

Reconheço, ainda assim, que esta indicação tem um sentido diferente; não apenas por ter sido a primeira nesta categoria, mas, e fundamentalmente,  porque retoma as questões essenciais, nesta fase crítica do planeta e da humanidade. Investir na humanidade não pode significar apenas uma alusão ou apanágio. Tem de ser assumido como um propulsor cujos retornos são, por si só, apropriados, úteis e ajustados aos diferentes desafios contemporâneos. Testemunhamos momentos dramáticos no planeta; a nossa própria existência parece estar em jogo. Da pandemia, que continua ceifando vidas de milhões; das mudanças climáticas, que devastam a esperança de dias mais seguros; dos conflitos sociais e militares; das crises económicas, de governação e de lideranças, parece que cavamos a nossa própria sepultura, a cada dia e ano que passam.

 

O meu pensamento, neste momento, e ainda com esta condecoração em mente,  continua dedicado às mulheres e crianças do meu país. Para elas, em particular, dedico as minhas energias para que elas possam desfrutar e sonhar com um Moçambique que lhes seja acolhedor, amigo, seguro e de sonhos.

 

Tenho acompanhado o retorno às aulas presenciais, os esforços sobrenaturais para que se ofereça um ensino que diminua as profundas desigualdades educacionais neste Moçambique em que estamos imersos. Sigo, a rigor, as condições das infra-estruturas educacionais, o reduzido número de horas lectivas, enfim, a sempre debatida atractividade da carreira de professor, com salários insuficientes e jornadas fragmentadas, que tornam o processo de ensino pouco efectivo. Eu não tenho dúvidas que com o advento da Covid-19, as desigualdades educacionais e a insuficiência de aprendizagem se aprofundaram. Muitos dos alunos ficaram isolados, sem acesso às plataformas e outros meios digitais menos afluentes. E reverter estas desigualdades exige um esforço gigantesco de toda a sociedade.

 

Seria injusto pensar, apesar de tudo, somente nos alunos, excluindo, deliberadamente, os seus principais condutores e mentores: os professores, sobretudo, aqueles que são os mais engajados e comprometidos, mais esforçados e que não se deixam influenciar por práticas corruptas e nepotismos. Existem muitos que são sérios e que merecem um reconhecimento e uma vénia. Professores que, com acções mais proactivas,  formam a linha da frente e asseguram a transmissão mínima de conhecimento e de valores, princípios e regras de sã convivência e disciplina. 

 

Portanto, que este prémio humanidade, do Instituto de Iniciativa de Investimento Futuro para a Humanidade, seja, igualmente, um reconhecimento generalizado para todos os que auxiliam na transformação equitativa e qualitativa da educação, na sua relevância e na abordagem que transforma a aprendizagem na ferramenta que abre os caminhos para uma vida digna, honesta e solidária. Esse tem de ser o caminho da educação. Uma escola onde se aprende e se ensina, um espaço onde se sonha, se pode ser feliz e se caminha de mãos dadas rumo ao humanismo.

 

Não queria terminar sem deixar uma palavra de apreço à outra premiada, a  cantora americana Gloria Gaynor, uma personalidade comprometida com o humanismo. O galardão reconhece sua distinta e brilhante carreira, o seu  empenho exemplar no bem-estar do seu povo e, naturalmente, no próprio  progresso e impactos positivos na humanidade. Gloria Gaynor, com a sua “I will survive’, uma das minhas canções favoritas, tem sido um exemplo inequívoco para os artistas e o para mundo. Não é por acaso que a sua canção mais famosa tem sido recriada por dezenas de cantores de diferentes gerações.

 

Recebi, por estes dias, entusiásticas felicitações de amigos, colegas, conhecidos e até pessoas anónimas. Não podendo retribuir para todos, da mesma forma, aproveito para  agradecer humilde e sinceramente à todos que acreditam e que fazem de tudo para ajudar na estabilidade deste país, se empenham para que Moçambique seja desenvolvido, respeitador dos direitos das mulheres, das crianças, dos direitos humanos; aos agentes e instituições que promovem o bem-estar social, as artes e cultura, enfim, à todos cujo esforço e empenho têm impactado esta trilha do progresso e esta jornada mais sustentável e brilhante para a humanidade. (X)

terça-feira, 16 novembro 2021 08:36

O difícil caminho para a nossa realização

 

Uma das variáveis de desenvolvimento de uma sociedade é o grau de incerteza no seu dia-a-dia por parte dos seus membros. A possibilidade de de repente acontecer alguma coisa desagradável e desastrosa que ponha em causa a sua existência, da sociedade ou deite a perder todo um projecto social, ou os seus valores e percurso. Quanto maiores ou muitas forem as incertezas no dia-a-dia, menos desenvolvida será essa sociedade; menor será a estabilidade emocional, social e económica. Olhe-se para as sociedades desenvolvidas. Não há nenhum investimento, individual, colectivo, institucional ou social,  sem o controlo desta variável. Ninguém investe sem ter a certeza de que se não vai ganhar o dinheiro que projecta, pelo menos não vai perder o seu capital inicial, de investimento; isso seria o que os outros chamam de haraquiri!

 

As sociedades primitivas eram cheias de muitas incertezas, não tinham os instrumentos e mecanismos de que nos servimos hoje para reduzirmos as incertezas: o conhecimento científico, a ciência e a racionalidade! Instrumentos que nos permitem aferir o grau de risco de qualquer empreitada que pretendermos desencadear. Dependiam grandemente da natureza, pouco sabiam dos estudos de viabilidade, dos cálculos de risco, das previsões meteorológicas, se vai chover ou fazer muito calor, se haverá seca prolongada ou precipitação normal, ciclones ou vendavais e quais os efeitos disto ou daquilo.

 

Hoje, as sociedades desenvolvidas são aquelas em que o grau de incerteza é muito menor; o risco é calculado, é especulado. Nas sociedades desenvolvidas, quando os indivíduos se dirigem a instituições do estado, mas não só, sabem muitas vezes que tratamento vão encontrar. Quando chega o fim do mês, sabem quais as facturas e mais ou menos as despesas que têm que pagar (entre nós, nunca se tem a certeza do valor da factura de água, ainda que seja aproximada; tanto pode vir 100 como mil meticais). Quando saem à rua, sabem, mais ou menos, o que vão encontrar, tipo não serem assaltados de qualquer maneira, chatices desnecessárias do agente de trânsito, estradas partidas que podem danificar o carro, POS e ATM que não funcionam, lojas onde só se paga a cash, etc., etc. Portanto, incertezas atrás de incertezas!

 

O nobre dia da “Cidade das Acácias”, 10 de Novembro, coincide com a data de aniversário da minha esposa. Feliz coincidência, porque, assim, temos o feriado para todo o tipo de actividade que possamos ter programado. E de facto tínhamos programado o almojantar da ordem. Uma combinação de almoço e jantar: está fora da hora do almoço, mas também ainda antes da hora do jantar.

 

Lá fomos nós a um grande restaurante! Grande. O Casino Polana. Em plena Marginal, nas imediações da novíssima embaixada americana. E em pleno século XXI! Tudo correu às mil maravilhas… menos a sessão de encerramento. Lá veio a conta, conferimos, batia certo e lá pedimos a tal POS. Com uma voz trêmula, menos convicta, o servente que nos atendera muito bem e sempre com voz carinhosa, diz-nos que “POS não está a funcionar…” - e, cabisbaixo, acrescenta que “... aqui na porta de saída tem uma ATM em que podem ir levantar o valor…”

 

Não lhe escondi que não tinha percebido, tamanha era a surpresa que a informação que me estava a ser dada causara. Repetiu, visivelmente embaraçado. Também ficamos bastante embaraçados. Um dia especial estava a ser beliscado… mas para não estragar tudo, lá me levantei, bastante contrariado, para a tal ATM, para ir pegar o taco. As tais incertezas! Você nunca sabe o que lhe pode acontecer. Mas nem era tudo!

 

Outra surpresa das surpresas desagradáveis, num ápice o cartão é engolido! A máquina nem sequer deu chance para digitar o código!… Imagine-se como se fica nestas condições. Uma tarde que estava a correr lindamente, romântica, estava a terminar desagradavelmente. Algo completamente imprevista. E assim ficou marcada aquela data querida.

 

A pergunta é: como pode um restaurante de luxo, em plena Marginal, a zona A, não ter em certo momento uma POS a funcionar e, para piorar, a ATM? Quer dizer, os muitos cartões com que andamos não chegam para estarmos à vontade, temos que andar com dinheiros e dinheiros nos bolsos com todos os riscos: a tal incerteza!

 

É isto que é a nossa sociedade: cheia de surpresas acima de surpresas no dia-a-dia. Prenhe de incertezas. Você nunca sabe o que lhe pode acontecer ao sair à rua. Como podemos desenvolver o país assim? Como podemos investir nestas condições? Para investirmos, precisamos de economizar e para economizar, precisamos de ter certeza das despesas do mês. Ou seja, de certeza e não de incerteza. Se você nunca sabe o que vai pagar ou não ao fim do mês, como vai calcular o que pode ou não investir? As estradas estão sempre a partir o carro; a factura de água está sempre a variar; você pode ser assaltado, ou raptado a qualquer momento… as POS e ATM embelezam a cidade, no momento certo, dão dores de cabeça…

 

Vamos em frente, irmãos… isto não será o Governo a resolver!