Director: Marcelo Mosse

Maputo -

Actualizado de Segunda a Sexta

BCI
sexta-feira, 01 abril 2022 09:06

Epístolas do amor em tempos de guerra!

Escrito por

Não hei-de morrer sem te ver, meu amor!

 

Sei que estás ao serviço da pátria pela qual juraste derramar o sangue defendendo a sua soberania. Sei que tens sofrido nas matas de Pundanhar combatendo terroristas, meu amor – James Germano! Meu capitão, o homem que eu escolhi.

 

Há mais de um ano que os nossos filhos esperam por ti. Rezamos para que não voltes num saco preto e irreconhecível!

 

Sabes, esposo! De tanto pensar, ler e ouvir o que tem acontecido nesta missão em que estás, comecei a sofrer de coração. Às vezes, choro quando oiço que houve mais um ataque dos terroristas – penso que foi a vossa base ou posição que foi atacada, mas acabo ficando tranquila quando no meio da noite ou pela madrugada recebo sua mensagem ou chamada, perguntando como estamos aqui em casa e que estavas bem – és um homem sortudo. Um combatente competente. Um verdadeiro anjo da guarda!

 

James, os teus filhos te esperam. O mais novo, o Nito, acorda chamando pelo teu nome. O Bito não se cansa de ver tuas fotos. E o Beto está sempre atento às notícias sobre a guerra em Cabo Delgado. A minha doença vem piorando, mas espero que me encontres viva! Quem sabe não serás a minha cura meu amor, embora os médicos tenham dito que dos seis meses não passarei!

 

A tua ausência James, embora seja em defesa dos mais de 30 milhões de moçambicanos e não só, tem sido uma outra guerra para nós aqui em casa! O peso da esperança e canto da dor têm sido difíceis de suportar. Vivemos sonhando e pensando em tudo, na verdade, a gente não vê a hora de tudo isso terminar.

 

Os nossos corações rebeldes não param de palpitar. Às vezes, quando entra uma chamada tua, temos medo de atender, mas quase sempre uma voz esquecida cochicha nos nossos ouvidos e diz: atenda, é o James Germano, o vosso herói – o nosso Marechal. O anjo da guerra em Cabo Delgado, ele quer ouvir as vossas vozes!

 

Espero viver até a tua chegada, meu amor! Espero caminharmos pelo jardim do amor e juntos subirmos à cabeça do velho para orar e agradecer ao senhor por sempre nos proteger. Quero andar de mãos dadas pela linda paisagem de Chimanimani. Molhar a tua boca de beijos e lágrimas! Promover o nosso amor como sempre fizemos desde que nos conhecemos há mais de 15 anos.

 

Espero que me encontre com vida e que juntos aproveitemos os últimos segundos deste mundo, meu amor!

 

- Aqui escreve a sua Maria, a mãe dos teus três filhos, a sua general!   

 

- Em resposta:

 

Em breve estarei em casa, meu amor!

 

Enxugue as lágrimas meu amor que em breve eu estarei em casa. Sei que passaste noites sem dormir. Madrugadas frias sem a ternura do meu abraço e da minha respiração ofegante durante a libertação do milagroso creme do mangalho. Estou a caminho meu amor - para juntos conjugarmos o verbo "amar"! Para juntos sentirmos a emoção de ver os nossos filhos brincarem. Para juntos andarmos de mãos dadas pelas ruas e avenidas da nossa cidade amada - Chimoio.

 

Meu amor, travei um bom combate! Defendi inocentes de depravados. Homens sem alma. Pessoas que se alimentam de sangue humano e alegram-se com a dor e flagelo de crianças, mulheres e idosos sem protecção. Libertei a terra ocupada e devastada pela força das armas e a ignorância dos invasores.

 

Eu, seu esposo, James Germano, capitão e militar condecorado por bravura e abnegação, estou de volta meu amor! De volta para exercitar o nosso amor que tanto estremeceu com a distância e os horrores que são reportados pelos órgãos de comunicação social e as redes sociais - felizmente salvei vidas de companheiros de trincheira e civis. Em combate coloquei inimigos fora de combate. Agora que posso repousar e ver o sol nascer, os pássaros apitar e a lua brilhar, quero beijar os teus pés e fazer amor até a alma reclamar! 

 

As saudades são tantas e a mente só canta. O coração já não aguenta. Os nossos corpos chamam-se de tanto suor e dor da distância. Em breve chegarei meu amor - para mergulharmos nas abcissas do amor. Para contar-te as minhas aventuras nas montanhas de Macomia e nas florestas fechadas de Nangade, Muidumbe, Palma, Quissanga e Mocímboa da Praia - foram dias intensos e de muito choro. 

 

Mas eu sabia que não se vence um combate sem que não haja almas paridas e fugas inesperadas. As noites eram tenebrosas e passadas a seco. Ninguém conseguiu mergulhar no sono quando homens com espadas e facões decapitavam inocentes em nome de seitas que mesmo eles não entendiam, mas consegui e voltarei meu amor!

 

Quero que no aeroporto venhas com os nossos três filhos (Beto, Bito e Nito) quero abraçar-vos e libertar este coração cheio de saudades. Sei que não foi fácil, até porque do meu grupo apenas 10 conseguiram voltar, embora nem todos estejam como foram. Quero ver-te vestida no traje africano. Maquilhagem de casa - mussiro. Espero que prepares o meu prato predilecto - Chima, peixe kapenta assado e uma couve no estilo Maniquense. Quero esquecer as dores que senti e o sangue que vi. Quero estar em paz com a minha família e ver meus filhos a crescer - espere por amor, já, já estarei em casa!

 

Quero levar os meus filhos ao rio para pescar. Ir a Chimanimani ver a beleza da natureza. Subir o monte Cabeça de velho para agradecer os meus ancestrais pela protecção durante a defesa da nação. Pela defesa sempre que estivesse na linha do tiro. Quero rezar e honrar os grandes homens que tombaram aos meus olhos. Aos pais que jamais verão os filhos e esposas em defesa da pátria. Quero regar as flores do meu jardim e embelezar o meu quintal com rosas de paz e a beleza do mundo. Quero esquecer coisas ruins que vi, por isso estou a voltar meu amor!

 

Espere por mim meu amor! Espere por este homem que só viveu graças às vossas orações e a constante perseverança e pensamentos positivos. Espere por mim meu amor...

 

A música e as palavras que toda a mulher de um militar que vai a uma guerra quer ouvir e ler! 

 

Em homenagem aos grandes homens - os heróis do nosso tempo!

 

Autor: Omardine Omar

Sir Motors

Ler 1716 vezes