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quarta-feira, 27 julho 2022 10:17

Mbate Mahata

Escrito por

AlexandreChauqueNova

O que sobra dela são as lembranças mais lindas do passado, onde a vida lhe luzia sem limites. Tinha tudo que precisava, incluindo o supérfluo, em quantidades que lhe faziam esquecer a probabilidade da estiagem. Conheci-o nesse tempo em que vivia sob a luz plena, eu era um fedelho incapaz de pensar no futuro, mas hoje, que caminho com as longarinas a ranger a caminho dos setenta, recordo-me de um homem com fina personalidade, camisa sempre engomada e calças a boca-de-sino, do tipo Beatles. Era alguém que caminhava pelos subúrbios da cidade de Inhambane a pensar que não havia ninguém mais do que ele.

 

Mas o tempo, com todas as suas lavas indomáveis, veio esfrangalhar a soberba de Mbate  Mahata, e torná-lo um retalho inútil de si mesmo. Ainda no último fim-de-semana vi-o sentado no canto de uma barraca, bebendo uma zurrapa e pedindo, cada vez que quisesse fumar, uma beata que lhe era dada com desprezo, e ele recebia com raiva disfarçada nos lábios desfigurados, incapazes de esconder dentes queimados pelo fumo do tabaco.

 

Não tem onde ir. Ficar em casa é um castigo porque está desprovido do básico para se entreter e queimar o tempo, é como se estivesse numa câmara de gás, olhando, impotente, para as gotas de cianeto que caem sem pressa.  É por isso que sai e procura um lugar onde haja pessoas a beber, ele sabe que vai aparecer alguém que lhe pague uma merda qualquer. Alguém que lhe vai ajudar a morrer numa morte que já lavra, na verdade, em todo o seu corpo e alma. Ele já não é nada. É um cadáver que deambula à espera do último suspiro.

 

Pedi uma cerveja gelada da marca 2M, que no fundo não passa de uma bebida sem muita qualidade, então sou cúmplice dos fabricantes que estão pouco se lixando connosco, eles sabem que vamos beber. Se eu não fosse cúmplice, recusava-me a ingerir aquilo que já foi de facto uma 2M, nesses tempos! Havia de mobilizar outros bebedores como eu, para não consumirmos algo que pode ser melhorado. Eles ganham dinheiro com a nossa passividade, então a culpa é nossa, que só queremos beber. E estamos a beber a marca, pensando que o conteúdo continua a manter o prestígio do Mac-Mahon.

 

Mbate Mahata olhava para mim – enquanto eu bebia - deixando abertas na cara, todas as feridas que lhe queimam profundamente o espírito e todo o fígado que já deve estar no estado de cirrose. Parece um prisioneiro esquecido numa cela sem esperança, um cão repugnante sem qualquer possibilidade de dar uma ferroada como as abelhas enfurecidas. Ele já não é nada, é por isso que se resignou ao lodo, onde mora enquanto o coração bate, e os pulmóes ainda respiram.

 

Tive vontade de lhe pagar uma cerveja, porém, a voz do coração disse que não! Se eu fizesse isso estaria a contribuir na morte de Mbate Mahata, eu também seria um assassino. Pediu-me uma beata e eu disse que não! Tive pena dele e pedi uma sopa e a dona da barraca disse que não valia a pena porque ele não vai comer. Então não suportei estar naquele lugar, assistindo a uma pessoa que vai morrendo em cada cachaça e em cada beata. Fui-me embora despedaçado!

 

Sir Motors

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