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segunda-feira, 12 fevereiro 2024 07:57

Sou a Zaida Lhongo, vossa maluca agora no cosmos

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Fiquei feliz, eufórica como nunca, no dia em que o meu corpo descia para sempre ao depósito das ossadas. O centro era eu, de todas as vossas comoções. Senti o amor inteiro que tendes por mim, da mesma forma que acontecia em palcos infinitos, todos queriam me ver. E abraçar. E dançar comigo. Parecia que o sol nascia de novo depois de fenecer em noites de promessa e de loucura. Mas eu era erguida por vós. Oh, meu Deus, como foi bom! Obrigada!

 

Lembro-me que toda a av. Eduardo Mondlane na cidade de Maputo, enquanto era transportada a minha carcaça pelas ruas do povo,  tornou-se palco também, igual aos espaços de música onde me colocavam como estrela que enloquecia a todos vocês.  A “24 de Julho”, a Av. de Moçambique! Senti meu coração a engordar ao ver nos prédios gente espreitando e  atirando flores imaginárias e beijos para mim, dizendo, hamba kalhe, Zaida (vai em paz, Zaida). E eu dançava em espírito, sem que me vissem.

 

Todos queriam testemunhar a derradeira partida do  meu corpo, sabendo que nunca mais o veriam nos movimentos sensuais que serão o vosso delírio. Queriam tocar minha carne pela última vez, e na impossibilidade de fazerem isso, muitos penduravam-se nas árvores do cemitério à volta do sepúlcuro e choravam lágrimas de amor como se eu fosse a deusa deles. Outros ainda, em vários cantos da cidade e do país, em cachos humanos, deixavam minha música tocar em aparelhos de vários tipos, resignados perante algo irreversível. O meu corpo é irreversível.

 

Mas a culpa de toda esta glória  da qual desfruto hoje, é do Carlos Lhongo, meu marido, rendido ao encanto da minha postura em palco e do meu corpo esbelto feito para se desembrulhar por inteiro na dança, sem preconceitos. A minha vocação não era o microfone, era o chão que sempre vesti com os pés nus, porém acabei  cedendo ao chamamento do Carlos que dizia, Zaida, daqui para frente  vais cantar e dançar. E eu disse que sim. “Se você quer que assim seja, eu também quero que assim seja”.

 

Agora é que percebo que a música não é escutada em função da língua ou da sua origem, música é música, em todo o lado, basta que ela nos penetre o coração. É como a dança, quando é bonita será celebrada. Se assim não fosse, então eu não seria aclamada em Pemba, em Nampula, em Niassa, em Tete, na Zambézia, em Sofala, em Manica, onde não entendem a minha língua. Mas todos desejavam ir aos palcos onde eu estivesse, não queriam me perder.

 

E hoje sou uma mulher feliz, tão feliz como quando estava imbutida no meu corpo sem limites. Estou no cosmos insondável onde não há gravidade, vivo leve como a pluma que não poisa. Exulto sobretudo quando me lembro das noites soberbas em que ninguém queria que amanhecesse.

 

Sou eu a Zaida Lhongo, vossa maluca. Os vossos aplausos eram a minha rampa, faziam-me voar. Cada vez que me ovacionassem, eu ficava mais maluca ainda, então a culpa não é minha, é vossa.

 

Muito obrigada a todos.

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