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quinta-feira, 03 outubro 2024 11:48

Unanimidade nas promessas eleitorais: ludibriando e burlando eleitores?

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Diz-se, entre políticos ilusórios, que as eleições são momento de festa da democracia, entretanto, verdades podem ser reveladas por controvérsias entre partidos e candidatos. É raro que os partidos políticos, candidatos presidenciais ou candidatos independentes tenham pilares e agendas similares. O comum na competição eleitoral é a diferença nas perspectivas, agenda e avaliação do regime do dia. Da tradição política, os candidatos à sucessão tendem a trazer discurso de continuidade e melhoria, porém, é incomum o que ocorre na competição para as eleições presidenciais e legislativas de 2024 em Moçambique. Nestes casos, a competição pode tornar-se momento de desabafo, fúria e falsidades.

 

O atípico da agenda pós-Nyusi e, porventura, da Frelimo como um colectivo, é de resgate, revolução e prosseguimento. A Frelimo tenciona resgatar os valores que o partido destruiu e seguir sempre em frente. A Renamo pretende usar das suas vassouras para limpar o estado moçambicano que se encontra infestado desde 1975. O Movimento Democrático de Moçambique (MDM) pretende trazer ao Povo moçambicano o desenvolvimento que a Frelimo não conseguiu desde 1975. Finalmente, Venâncio Mondlane pretende escangalhar a actual perspectiva de governação e desenvolver um estado livre da corrupção, do amiguismo e da partidarização. Parecendo agendas diferentes pelos termos usados, na essência, os candidatos estão em uníssono pela necessidade de resgate do que foi perdido ao longo do tempo e preservar o que pode ser de bom uso. Entretanto, um aspecto particular, é da incongruência entre o resgate, o curso e o futuro no seio da Frelimo.

 

Ora, Frelimo pretende resgatar os valores perdidos no seio do partido. Nas palavras de líderes do topo e influentes da Frelimo, Daniel Chapo “sabe ouvir”. A análise de resgate dos valores do partido é complexa pela falta de objectividade, o que pode resvalar em dissonância na análise. No entanto, os discursos de Graça Machel, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, que são figuras proeminentes da primeira geração de governação da Frelimo, desde o monopartidarismo – entre 1977 e 1990, bem como do multipartidarismo, desde então, são contraditórios. Ora, do resgate dos valores da Frelimo, é implícito que em algum momento da sua governação e liderança, o partido Frelimo descarrilou e se estagnou. Identificar a altura em que o partido perdeu valores é de debate complexo no ambiente extra-partidário, porém, óbvio é que as três figuras estiveram nos mais altos órgãos do partido e do Estado moçambicano. Qual será então o marco da perca de valores na liderança de Chissano e Guebuza, bem como da proeminência de Graça Machel?

 

Assumir a actual liderança, encabeçada por Filipe Nyusi, como marco do desvio de valores é especulação. Não se sabe, do ambiente extra-partidário, qual tem sido a gestão do poder e dos valores “daquela Frelimo que pretendia servir o povo”. Se é da presidência de Chissano, de Guebuza ou também da proeminência de Graça Machel, o explícito é que eles desviaram e desrespeitaram o rumo do seu partido, daí que seu mérito na campanha eleitoral é duvidoso. Das poucas tentativas de argumento de desvio, seria da candidatura de Samora Machel Jr sem anuência da Frelimo para as eleições autárquicas na Cidade Maputo em 2018. Seria legítimo concluir que Machel Jr tivesse se apercebido da perca de valores do partido e, assim, tomar tal decisão de candidatura fora da Frelimo, em defesa dos valores “perdidos” do partido. De qualquer forma, talvez seja legítimo que a liderança do partido explicasse ao eleitorado, o momento da perca de valores. Chissano, Guebuza e Graça Machel, figuras activas no partido e na campanha eleitoral, devem explicação ao povo moçambicano.

 

A Frelimo e seu candidato, Daniel Chapo, apresentam dois lemas: “vamos trabalhar” e “Moçambique para Frente.” Ademais, em forma de apêndice, figuras proeminentes do partido, como os presidentes honorários, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, bem como ex-ministra da educação e cultura Graça Machel, afirmam em uníssono que Chapo “sabe ouvir” e este é momento crucial para resgatar os valores perdidos no seio da Frelimo. Encontra-se uma dissonância entre “Moçambique para frente” e “resgate dos valores perdidos” no seio do partido, mesmo havendo necessidade do “vamos trabalhar.” Ora, do resgate, avanço e trabalho, está explicito que, em algum momento, o partido não trabalhou e ficou estático. Não seria desarmónico Chapo “sabendo ouvir”, o que ser-lhe-á dito por seus antecessores? Dos discursos, tanto de Chapo, como dos seus antecessores, procura-se simultaneamente recuar para o resgate e avançar. Para alcançar qualquer dos fins, “vamos trabalhar”, significa que Chissano, Guebuza, Graça Machel e seus camaradas, foram preguiçosos e inertes.

 

Apartando-se o lado individual das três figuras, com o apoio de Samora Machel Júnior, a Frelimo sempre obteve maioria na Assembleia da República. Aliás na legislatura que está a findar, o partido teve maioria absoluta que permitiu que o partido optasse pela alteração do dispositivo constitucional que previa eleições distritais, adiando-as sine die. Nas anteriores legislaturas, a Frelimo obteve maioria que, sem dificuldades, aprovou legislação, planos e definiu políticas. Um questionamento, mais uma vez, é sobre o momento em que a Frelimo teria descarrilado, aprovando legislação ou políticas que fossem contra seus valores. Se Chapo “sabe ouvir”, talvez fosse justo e harmónico que seus camaradas optassem pelo silêncio, visto serem de legitimidade duvidosa para serem ouvidos pelo candidato que pretende um Moçambique seguindo em frente através do trabalho.

 

Moçambique sempre foi estado de regime presidencialista, com ou sem exageros de visibilidade do presidente e seu colectivo partidário. Se assim sempre foi, em que momento terá o partido perdido seus valores sem anuência tanto individual como colectiva. Se “saber ouvir” é valor do partido, resta a Daniel Chapo filtrar do que é dito, principalmente de Graça Machel e dos honorários presidentes Chissano e Guebuza, sob pena de manter o partido fora dos valores do mesmo. Aliás, Daniel Chapo talvez tenha que parar de ouvir para evitar prometer acções fora das suas competências. Chapo pretende combater erosão nos municípios, prover água nos municípios, construir estradas e outras infraestruturas municipais. Qual foi, então, a necessidade de criação de edilidades? Talvez seja por apetência ao poder, mas se for por resultado do “saber ouvir”, seria justo não os ouvir.

 

Os eleitores são geralmente emocionados nas jornadas eleitorais e podem deixar passar mensagens com as quais não concordam. Mas estes eleitores não são tolos, muito menos os edis que podem estar somente acompanhando a onda da campanha do seu partido. Será que concordam com a eliminação das suas competências nos municípios a favor das pretensões de Chapo? Se for o caso, com que tipo de democracia Chapo fará nos municípios governados por outros partidos? Quem promete deve, mas como político em campanha, é permissível mentir, desde que não burle sobre matéria que não é da sua competência e nem depende de si. Chapo está a prometer violar a Constituição da República, mas enquanto os eleitores aplaudem discursos de tal conteúdo, a tolice é duvidosa.

 

Tal como outros candidatos, Chapo promete transferir ou criar capitais. Mocuba irá hospedar a Assembleia da República de Moçambique; Vilankulo tornar-se-á capital turística; Pemba tornar-se-á capital turística; Niassa capital da agricultura, Nampula será capital económica. Com excepções, a história revela que as capitais de órgãos políticos são definidas por ditadores ou fenómenos políticos atípicos. Não é por acaso o exemplo de Brasília, no Brasil, aprovado no regime de Juscelino Kubischek. A Alemanha do pós-segunda Guerra Mundial ficou dividida e, em resultado, Berlim e Bona como capitais, o que se dissolveu com o fim da Guerra Fria. A Tanzânia tem Dodoma como capital administrativa resultante de um longo processo de transição e discussão sobre a fusão da parte continental com Zanzibar. Mesmo assim, a transferência da capital política de Dar-es-Salaam, mantém o estatuto de capital económica por força da economia, e não da política. Outra complexidade sucede com Nova Iorque, que é capital económica do mesmo Estado, dos Estados Unidos, e do mundo, mas Syracuse é a capital política do Estado de Nova Iorque, enquanto Washington, DC, território cedido por Maryland e Virginia, é a capital política dos Estados Unidos.

 

Em democracias, contrariamente ao que Chapo promete da transferência do Parlamento para Mocuba, tal decisão é definida primariamente pela elite político-económica. Se apostar pelos princípios democráticos, estará preparado para debate nacional para tal tomada de decisão e implementá-la em cinco anos? Terá o candidato Chapo feito negociação com a elite da Frelimo, habituada ao luxo dos centros urbanos, com centros comerciais para transferirem suas actividades ao “mato” de Mocuba? Garantir tal promessa é burla política que não está no manifesto da Frelimo. Aventando a possibilidade de ditadura, como sugere da retirada do poder dos edis, terá capacidade para fazê-lo em cinco anos? Entre emoções eleitorais, não haverá aqui burlas e ilusões? E a todos os candidatos, para onde vai a capital económica senhores políticos?

 

Uma capital económica não é transferida, mas sim construída em resultado do ritmo da economia para o desenvolvimento. Investimento não resulta de discurso político e o mesmo país não pode ter mais do que uma capital do mesmo bem ou serviço. É incongruente o discurso de Vilankulo e Cabo Delgado serem ambas capitais turísticas, nem Niassa e Manica, ambas se tornarem capitais da agricultura. Que investimentos tornarão esses locais capitais de tudo? Não serão ideias para ludibriar os eleitores num discurso de resgate, sempre em frente, mesmo com o “vamos trabalhar”? A ideia de capitais para quase tudo, na verdade, revela discursos inconsistentes.

 

Na unanimidade que os candidatos comportam. Daí que vós candidatos, podem mentir, mas as ondas de capitais para tudo na campanha eleitoral, parecem exposição de sevícias, burlas e ilusões no chamado “momento de festa da democracia.” Promessas sem premissas fundamentadas, nem avaliação de exequibilidade, não tornam a campanha eleitoral momento de festa. Incongruências no discurso de resgate, estagnação ou prosseguimento, são problemáticos e seus promotores, em particular, os presidentes Chissano e Guebuza, bem como a ex-ministra da educação e cultura, Graça Machel, devem explicação ao povo moçambicano, antes que Chapo os oiça. Aos demais candidatos, talvez não precisem de tais conselhos a serem ouvidos.

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