Mónica Fungayi, mulher com quem tenho muitas afinidades, ligou-me às seis da manhã e disse, estou a passar Xai-Xai, e eu exclamei, a passar Xai-Xai?! Ela disse, sim, estou a passar Xai-Xai, meu caro!
Vinha de Maputo e eu estou em Inhambane. Fiquei uns instantes a pensar na maneira como ela conduz, segura, entretanto perigosa. Viajar ao seu lado é aceitar o suicídio, contudo a conversa e o whisky diluem todo o medo, apesar de já não termos idade para suportar a pressão, como nos tempos de juventude, quando viviamos a vida em cascata.
Foi ela quem retornou e disse, vou à Tete, queres ir comigo?
Mas eu nunca me surpreendi com as maluquices da Mónica Fungayi, ela podia estar a falar a sério ou a brincar, dela espero tudo, é uma pessoa inesperada, está pronta a todo o momento a responder ao chamamento da liberdade, e o que mais admiro nela, é o desejo permanente de ver os outros, livres, como Bob Marley quando dizia, “deixo as pessoas que amo, livres, se voltarem é porque as conquistei, se não voltarem, é porque nunca as tive”.
Eu volto sempre para Mónica Fungayi porque conquistou-me, não resisto ao seu fogo feito de palavras sempre novas. Então, se for verdade que está a passar Xai-Xai a caminho de Tete, vou com ela, essa proposta é irrecusável. Irresistível, por todas as diabruras que se anteveem.
Chove uma chuva intermitente aqui onde estou, e por causa disso não fui fazer a minha caminhada habitual. Se não caminho, desce sobre mim o tédio, o dia fica longo, sufocante, desgastante, e esta chamada da Mónica Fungayi vem mudar meu azimute, dá-me as luzes que preciso para enfrentar o dia.
- Daqui a uma hora e meia estou aí, meu brada, surge et ambula!
Nunca tenho as malas feitas, sou um barco fundeado. O que me safa é que as minhas amarras e a âncora, estão sempre prontas a moverem-se na dança de uma nova canção temporária, não sou prisioneiro, nem de mim. Viajar com Mónica Fungayi será uma dança vertiginosa, e quem vai cantar essa canção somos nós os dois. Falaremos, na nossa paródia cíclica, do Fela Kuti, do Hugh Masekela, dos Beatles, do Ray Phiri, da Elis Regina, da Abete Masikini, do Marlon Brandon, do Francis Coppola, nossos ídolos de sempre.
Iremos contemplar a cordilheira de Catandica, na província de Manica. Do outro lado daqueles montes fica o Zimbabwe. Então chegará até às nossas memórias o odor de Thomas Mafume e Oliver Mtukuzi e Chiwoniso Maraire, nossos ídolos imortais. É tudo isso que me faz saltar da cama nesta manhã de chuviscos descontinuados. É a Mónica Fungayi que desenha, na minha solidão, a aurora para dissipar pensamentos pensamentos nefastos, é ela que repete sempre, sem se cansar, essa lírica: quem te disse que estás sozinho!
Daqui a pouco ela vai chegar, vinda de Maputo onde vive uma vida anarquista, vem levar-me para uma viagem de 1500 km, um empreendimento que pode ser a saga dos loucos, sem previsão de chegada, pois o tempo fica por conta da nossa liberdade. Do gozo em si.
Enquanto Mónica Fungayi não chega, vou entregando-me à imaginação. Às lembraças de locais de Tete como Kwatchena Ku Nhartanda, Canongola, Matundo, Nhamabira, Chimadzi, locais que bem conheço na minha vida de ex-andarilho. Não nos faltará ainda a oportunidade – quando chegarmos - de procurar um lugar onde se vende pombe (cerveja dos aantepassados da Mónica). E aí atingiremos o auge de tudo.