Assinalam-se os primeiros seis meses da epopeica páscoa de João Baptista de Sousa; o nosso João de Sousa. O lançamento, mais virtual do que físico, do seu livro “Os meus tempos de rádio”, crônicas e outros escritos, serviu de mote para aglutinar seleccionados amigos, familiares e colegas; admiradores. Um memorial digno e à altura de quem vive nas alturas, próximo das estrelas, cuidando dos seus, vigiando as aporias de um país que se constrói com remendos e roturas, seguindo as mudanças políticas e sociais, culturais, as democracias e, sobretudo, as transformações desportivas.
Estaríamos, em absoluto, equivocados se considerássemos que a sua voz se apagou, para sempre, com o seu desligamento físico dos nossos olhos. Essa voz, como o fio da memória, permanecerá viva e acutilante, remexendo nossas consciências, apelando ao rigor e excelência, revisitando o palco da solidariedade, da união e fraternidade entre os irmãos e patriotas e, sobretudo, fazendo com que as ondas hertzianas sirvam para educar uma nação e um povo.
Não sou contemporâneo, porém, convivi, intensamente, com os seus ensinamentos, com sua voz, cidadania e seu nacionalismo. Sim, ele era esse homem de múltiplas capacidades e revelações. Gostaríamos de ter lançado o seu livro na Universidade Pedagógica de Maputo. Era esse seu desejo. Nós indagamos sobre as razões, mas, o mais sensato seria pensar que ele entendia que a educação era a primeira e a última batalha para edificar esta sociedade e país. Ele acreditava na educação de forma devota.
Todos nós, salvaguardadas as devidas proporções, tivemos, em João de Sousa, um ídolo, um farol, um companheiro e um irmão mais velho. Ele pareceu ser, sempre, essa chama que iluminava todos os caminhos; a voz que alimentou gerações. Revisitar, hoje, estes contos dos milhares de contos que foram a sua vida e seus escritos, tem um simbolismo que vai muito para além de lançamento de seu livro, deveria ser encarado como a reconfiguração dessa imagem que desaparece, da voz que perdurará em diferentes plataformas, enfim, da admiração que ele granjeou junto de todos quanto o conheceram.
Em 2005, o Ministério do Turismo organizou um concurso infanto-juvenil sobre os parques nacionais. Os jovens concorreram, apresentando redacções e fotografias. Claúdio, filho primogénito de João de Sousa, participou e foi um dos seleccionados para visitar o Kruger Park, como parte da premiação. João de Sousa, pai babado, acompanhou este concurso e revelou seus dotes de ambientalista, ecologista feito pela vida e desnudou todo o amor que o ligava a natureza, mesmo que nunca o tivéssemos conhecido nesses pergaminhos.
Hoje, me recordo daqueles diálogos sobre Quiterajo e Mucojo, lá em Mocímboa da Praia. Aos alunos de duas escolas, foi solicitado que fotografassem os animais que mais prejudicavam, e os que mais ajudavam a comunidade. Eles foram unânimes. Elefante era o que mais ajudava. Foi um aprendizado para todos nós e, igualmente, uma rotura ao discurso do conflito homem-animal.
Mais logo, regressarei às histórias de música e vou escutar Steve Wonder, Fany Mpfumo, Hortêncio Langa, João Cabaço, Zeca Alage dos Ghorwane e Pedro Langa, músicos de sua eleição, dos quais fez, tantas vezes, referência. Os céus ganharam uma voz de ouro e ele deve estar encantando o paraíso com seu talento. João de Sousa deixa ficar um abraço de saudade à minha querida amiga e irmã Afra Ndeve e que o espírito dela nos empolgue para outras vitórias de que tanto carecemos.
Estive em Maputo entre os dias 25 e 27 deste mês de Abril, contra a minha vontade. A capital do meu país já não me seduz, nem quero mais sentir o cheiro que ela expele em toda a dimensão das avenidas e ruas, e dos prédios degradados. Fui porque era inevitável, o assunto requeria a minha pessoa em presença. É verdade que já fiz parte em tempos, do ram-ram desta grande metrópole, levando uma vida intensa que incluia bares noturnos onde ia ouvir música livre, com muito fumo à mistura e outras coisas que me levavam ao paraíso do céu. Mas hoje perdi a estrutura do anarquista que eu era, por isso todo este bulício, todo este cheiro de mijo alagando as acácias e as vedações e os becos dos subúrbios, as intermináveis buzinadelas, tudo isso repele-me.
Saí de Inhambane no domingo, dia 25 de Abril, transportado num autocarro da empresa ETRAGO, que podia considerar-se confortável, não fosse o inoportuno televisor colocado lá dentro e que nos é forçado a assistir, “querendo como não”. Mesmo que eu quisesse fechar os olhos para conciliar o sono e desligar-me deste castigo, seria impossível por causa do som que incomoda. A música que toca não faz parte da minha formação, pior os vídeos que vão sendo mostrados, não têm mais do que a exibição gratuita do corpo feminino. É isso que somos obrigados a assistir ao longo de uma longa viagem de quinhentos quilómetros.
Maputo não tem nada a oferecer-me, a não ser a frustração dos jovens completamente destruidos pelo álcool e pelo fumo, o desespero das mulheres sentadas na berma das ruas vendendo tudo. Dói-me sobremaneira o tratamento a que somos submetidos nos “chapas”, nos my love. Os prédios que Samora Machel nos deu estão a ruir um a um, e ninguém sabe o que será o nosso dia de amanhã, perante gritante incapacidade.
Ainda fui a tempo de ver, à entrada da cidade de Maputo, na zona de Marracuene, a nova fábrica da 2M. Lembrei-me ter visto, por via da televisão, o ilustre Tomaz Salomão na inauguração da mesma, fazendo um discurso de pompa, enaltecendo os empregos que irão para a juventude, e o milho das nossas machambas que será empregue na fabricação da cerveja. Mas o que eu não confirmo é se a 2M que se bebe em Moçambique é de boa qualidade ou não. Isso eu não confirmo nem desminto, por isso não me empolguei tanto com a intervenção dessa fugura que é membro da Comissão Política da Frelimo. A menos que volte e nos diga que a cerveja que ele mesmo propala na publicidade, é de boa qualidade.
Mas Maputo pode ser a síntese de que todo o nosso país está a ser abalroado no alto mar, em todas as vertentes. Eu desdenho Maputo, uma cidade que tem na mesma moeda um lado falso, e outro lado real. O lado falso é da Av, Julius Nyerere para lá, onde se arrotam fígados. O lado real fica mais para cá, onde a podridão nunca vai se esconder. É aqui onde vou me hospedar entre os dias 25 e 27 de Abril, convivendo com todo o fedor dos guetos sem futuro.
Maputo não tem futuro!
Era mais um dia alegre e de muita adrenalina juvenil no conhecido bairro de Laulane, na cidade de Maputo. Tantas gajas, muitas guitarradas desfilando. Belos rostos de moçoilas endiabradas. Tarde quente. Jovens tomando cervejas e fumando charutos, maconha e snifando coca. Crianças correndo de um lado para outro. As mamanas suportando a poeira nas paragens com a corrida de Fórmula 1 dos chapeiros enquanto vendiam legumes.
Os passageiros estavam tão aflitos em chegar à praia da Costa do Sol; naquele dia o sol era intenso, embora fosse uma segunda-feira, da 3ª semana do mês de Fevereiro do ano de 2020, as meretrizes do Laulane e Hulene estavam semi-nuas.
Naquele dia, uma alma era parida à força. Um jovem contabilista de profissão e consultor de uma empresa em ascensão na capital do país, deixava o mundo dos vivos, num crime que chocou a comunidade de Laulane e os amigos do finado que horas antes da morte haviam trocado copos com ele. O crime ocorreu no modo siciliano – típico da cosa nostra.
Em vida, a vítima respondia pelo nome de Stélio Filipe Budula. Um jovem promissor, mas com amizades super-estranhas. Alguns deles metidos em negócios sinuosos e protegidos pela bófia. Os contornos da sanha assassina de Stélio parecia uma cena cinematográfica nos moldes sicilianos. Mas não, era em Maputo, Moçambique – a terra das oportunidades da Pérola do Índico.
Tudo terá acontecido quando um amigo que seguia com ele na viatura disse que a mesma não tinha combustível, tendo parado num local quando era meia-noite. No dia Stélio levava 4 mil meticais no bolso, mas mesmo assim, a cabala havia sido feita; repentinamente chegou uma viatura da polícia com agentes fortemente armados que lhe pediram a documentação. O jovem apresentou os documentos.
Na ocasião, mandaram Stélio Budula seguir em frente, donde viriam a ser cercado na zona da Igreja Maposse, onde foi apertado o pescoço por dois homens e disseram que lhe queriam matar. Dadas as suas habilidades, uma vez que tinha treinamento de artes marciais, começou a lutar com os assaltantes que na ocasião disseram-lhe que vinham para acabar com ele. Stélio Budula gritou e lutou pela vida, até que se desfez dos dois agressores, tendo estes ficado com seu telemóvel, valores monetários e uma pasta com laptop que continha informações do sector laboral.
No referido dia Stélio Budula teve que recorrer à casa do pai, sediada a escassos metros do local da agressão em Hulene. No dia seguinte, o telemóvel não foi desligado e sempre que a família ligava, os criminosos diziam para que ele fosse buscar o telemóvel na Casa Branca, Matola. O telemóvel permaneceu ligado todo dia. Um mês depois, num domingo, um amigo do finado veio tirar-lhe de casa com o objectivo de fazerem um trabalho, tendo regressado no período da noite; à calada da noite o jovem Stélio saiu e regressou no dia seguinte com o comportamento totalmente alterado.
No dia 17 de Fevereiro, Stélio Filipe Budula foi perseguido por agentes da polícia e violentado com uma AKM e depois desapareceu; os telemóveis do mesmo estavam desligados até que a família começou a procurar-lhe, tendo encontrado o seu corpo na morgue do Hospital Geral de Mavalane. Não havia nenhum registo até que a família teve que recorrer a subornos para que tivesse acesso ao livro onde constava o nome da pessoa que o levou àquele local.
Foi disponibilizado o corpo. Que estava todo esfolado, com sinais de ter sido torturado, com os braços quebrados, sem dentes e o grupo fez de tudo para que na autópsia viesse que o jovem tinha sido atropelado, uma versão que não era verdadeira. No dia da morte estava com alucinações. Os passarinhos dizem que o homem teria feito uma alta consultoria empresarial para uma das famílias envolvida no calote mediático. Donde terá facturado uma boa massa e descoberto várias malandrices que não deveria ser do seu conhecimento!
Emanuel Macron convidou Nyusi para uma conversa em Paris à margem da Cimeira França/Africa. O assunto é Cabo Delgado. Encurralado num colete de forças, Nyusi uma opção: aceitar a intervenção da força da SADC já, antecipando-se a qualquer oferta francesa de intervenção militar. Trata-se de uma força regional e não do exército de um único país metendo suas patas cá dentro. Neste momento, argumentos tipo protecção da soberania ja não servem. Essa toda "soberania" ja foi oferecida de bandeja ao senhor Dyck, o velho mercenário a quem confiaram a defesa dessa soberania. Depois do ataque a Palma, ele se pôs a vender para o mundo toda a informação sobre nosso miserável exército e sua cúpula.
O argumento de uma possível corrosão da soberania (e de implicações nefastas) caso Moçambique aceite o apoio militar estrangeiro (presença física no teatro de operações em Cabo Delgado) não me entra. Falta gelo e limão. Aliás, foi/é por conta da defesa da integridade da soberania nacional que os países recorrem a este tipo de ajuda. Quem assim age, certamente que não o faz de ânimo leve ou por mera imposição de terceiros, mas sim decorrente do reconhececimento da própria incapacidade de per si poder lidar com o problema, no caso (Moçambique), a insurgência terrorista em Cabo Delgado.
Todavia, é compreensivel os receios de uma presença física militar estrangeira, em particular o receio de que uma vez no terreno, a dita força estrangeira não saia mais e nem o problema é resolvido e até é agravado. Em alguns países africanos, também flagelados com o terrorismo, a presença militar da França é um exemplo, e muito citado, disso. Contudo, em contra-mão, embora em contextos diferentes, cito a presença militar do Zimbabwe em Moçambique e até a de Cuba em Angola que estiveram no terreno e sairam. A menos que o receio seja o da presença física de grandes potências (França e EUA), mas, no final do dia, mesmo a presença militar de países com menor poderio militar não retira o ónus de uma presença militar estrangeira. Ademais, e ainda a propósito da corrosão da soberania, correm décadas que o país corrói deliberadamente a sua soberania por coisas (aparentemente) menores, comparadas com a guerra, quando solicita e recebe, sob certos condicionalismos (alguns arrepiantes), a ajuda externa de quem quer que seja.
Dito isto, e face a uma possível presença militar estrangeira, o problema que se coloca não é o da corrosão da soberania nacional, mas sim o da exposição da corrosão da nossa responsabilidade (política) por permitir que os problemas (graves) que apoquentam o país, atinjam níveis cujas soluções requeiram a nossa sujeição a interesses de terceirios. Neste contexto, e para fechar, referir que a corrosão da soberania nacional é um problema instalado, antigo (e estrutural) e bem anterior ao terrorismo, ditando assim que uma provável presença militar estrangeira em Moçambique (Cabo Delgado) seja apenas uma pura e natural consequência. Aliás, foi notícia, na última semana de Março, a presença de mercenários estrangeiros (de uma empresa privada sul-africana) no rechaço do ataque terrorista à vila de Palma.
Relaxa, camarada João Lourenço! Aqui relaxa-se. O melhor lugar do mundo para curtir umas férias é aqui. Aliás, aqui todo santo dia é dia de férias, feriado ou tolerância de ponto. Aqui trabalhar é pecado. Não entre na onda desses moçambicanos agitadores que dizem que o camarada devia ensinar alguma coisa ao nosso Presidente da República Filipe Nyusi. Não tente ensinar a trabalhar aqui. Não entre nessa. Vá por mim.
Não tente ensinar como se caçam marimbondos daqui. Se tentar, não será bem-vindo. Marimbondos daqui não se caçam. Não são para matar. Aqui caça-se a quem trabalha. Se tiver que caçar, que sejam vendedores, operários e camponeses.
Samora tentou caçar esses facínoras e pagou com a própria vida. Siba-Siba, Cardoso, Cistac (a lista é longa) também viraram de caçadores a presas de marimbondos.
A Kroll chegou aqui tipo James Bond e voltou depenada no dia seguinte. O seu relatório de mais de uma centena de páginas foi revisado, corrigido e editado que sobraram apenas cinco faces de folha de papel onde a primeira página é capa; a segunda, acrónimos; a terceira, índice; a quarta, agradecimentos e; a quinta, ficha técnica. Um todo trabalho de uma equipa forense internacional renomada virou lixo. Relaxa, senhor presidente, pois aqui a vida é essa mesmo: descansar. Aqui descansa-se.
Quando se cansa de descansar, volta-se a descansar. É assim que se ganha dinheiro por aqui. Veja que aqueles nossos deputados que só sabem elogiar a gravata e o penteado dos seus chefes são muito bem pagos. Aqueles Juízes sem juízo estão a pedir aumento das suas mordomias. Veja que até os trabalhadores da EMATUM, aquela empresa que comprou pranchas de surf pensando que eram barcos, têm feito greve por falta de salários (numa situação normal, a greve seria por falta de trabalho). Dizia, não tente ensinar a eliminar os nossos marimbondos, por favor! Esses são de estimação escolhidos a dedo num "pet-shop" de luxo para fazerem "marimbondagem" nas nossas vidas. São muito nossos.
Boas férias, camarada presidente!
Publicado em 13-12-2018
*Desde a primeira edição de Carta, em 22 de Novembro de 2018, o cronista Juma Aiuba impregnava nestas páginas o doce sabor da sua escrita. Sua morte abrupta foi um tremendo golpe. Para tentar manter sua voz viva, Carta decidiu reeditar semanalmente uma das suas crónicas. Seu perfume permanecerá vivo!
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