A família Hilmer vivia há décadas em Cabo Delgado. Eram provenientes da República da África do Sul e tinham vários negócios. Alguns duvidosos e outros não. Os Hilmers eram bons contribuintes para a economia local e não só. Com um Resort luxuoso numa das Ilhas da linda província, estabelecimentos comerciais e outros investimentos. Vivendo em Moçambique há décadas, os Hilmers também eram apoiantes do partido no poder - Frelimo. Mas quando a guerra começou a sua vida entrou em decadência.
Tudo começou quando agentes do Serviço secreto moçambicano intersectaram alguns jovens que frequentavam os seus estabelecimentos e apresentavam algum comportamento esquecido. Os homens transportavam valores monetários e circulavam pelas zonas afectadas pelo conflito. Capturados, alguns apontaram August Hilmer como financiador. O caso foi bastante investigado e houve até mulheres infiltradas, uma vez que mesmo casado, August Hilmer apreciava uma boas pernocas das lindas jovens da terra do gás e do pescado.
Na investigação percebeu-se que Hilmer tinha uns negócios duvidosos que coincidiam com uma das coisas que mais circulava, nos distritos afectados pela – órgãos de seres humanos. Os agentes escalaram a casa de Hilmer – balearam-no num dos membros superiores e foi raptado. A sua esposa Janeth Hilmer circulou por tudo que era esquadra e hospital, mas não o encontro – o homem estava desaparecido. Foram criadas várias narrativas sobre o homem. Mas a verdade é que havia sido detido.
Foi um caso melindroso. O homem morreu na posse das autoridades e sem responder pelas alegações criminosas que lhe eram feitas. Pássaros da justiça argumentavam que o homem só abriu a boca para dizer que iria falar na presença de grandes chefes do país – dois presidentes! Estranhamente, foi encontrado morto num hospital, depois de passar mal quando tomava uma refeição no estabelecimento penitenciário – o homem não aguentou e o caso foi tratado a sete chaves.
Janeth Hilmer com vícios ligados a droga e álcool, perdeu-se mais. O medo de enfrentar a longa luta pela justiça e do nome do chefe de família que estava linchado na praça pública e corredores internacionais. Ela lutou até onde pode. Desamparada e sem permissão para que os filhos entrassem em Moçambique, Janeth Hilmer perdeu a vida doente, uma vez que desde que August, seu grande amor, já não estava no mundo dos vivos – mesmo com toda riqueza, casas luxuosas e dinheiro para fartar, ela perdeu a vontade de viver e dormia no carro– sentiu a dor da injustiça e de estar do lado dos perseguidos – mesmo com os amigos presidentes, ministros, governadores e empresários renomados que antes confraternizavam juntos, na hora H, desapareceram e ficaram a ver o filme ao vivo.
Na montanha das tramoias contra a família Hilmer, estava o combate por uma área turística e de exploração de recursos petrolíferos e gasoduto que haviam ocupado e tinham o título de propriedade há anos. Mas os "novos ricos" da província e do país não tinham como o retirar formalmente – então, inventaram que o homem era um financiador depravado, viciado em sangue humano e que tinha passagem pelo famigerado batalhão Búfalo, designado 32º da elite sul-africana que interveio na guerra civil Mangolé e na guerra da independência dos Nama e Herero – na Namíbia. Os inimigos vaticinaram estes factos e difundiram falsas informações sobre o homem e sujaram a sua biografia para sempre…!
Os Hilmers deixaram muita riqueza e com a guerra ninguém sabe quem terá se apoderado dela, uma vez que os filhos todos foram proibidos de pisarem em Mossambike!
Já antes de pairar por aqui a Covid-19 eu era uma mulher sem esperança, não acreditava no futuro, nem meu nem da minha cidade. Há sinais que me chegavam de vários lados com a mensagem de que do outro lado da porta não há nada, e eu levei tempo a perceber isso. Houve insistência por via de acontecimentos nefastos, testemunhados pelo silêncio que afinal vem dos tempos, para me fazerem entrender as parábolas, então acabei sentindo que ao final do dia não haverá flores para colher.
Nasci aqui há mais de 70 anos e nunca vi nada de extraordinário a acontecer. A princípio virava-me contra aqueles que saíam e não voltavam mais, eu sempre pensei que aqui fosse um paraíso. Por isso era incompreensível que alguém abandonasse um paraíso, era assim como eu pensava. Mas agora percebo esse êxodo dos filhos da dita “Terra da boa gente”, têm medo de voltar. Temem sucumbir como eu, que na verdade estou em estado vegetativo.
Um amigo meu, cuja intimidade vem dos tempos de infância, apareceu na minha cidade vindo da Europa, depois de longos anos de ausência e disse assim, Nhambuli, quero construir um complexo de lazer para divertir a juventude aos fins-de-semana, e o lugar escolhido é um bairro que fica a cerca de cinco quilómetros em direcção à praia do Tofo, saíndo do centro da urbe.
Delirei ao ouvir aquilo que me parecia uma música afinada em grandes conservatórios. O sonho em si era lindo, capaz de atrair o belo, porém a realidade veio mostrar que o homem que acabava de desembarcar com um projecto daqueles no regaço, não conhecia com profundeza o terreno que pisava, afinal movediço. Ergueu as infraestruturas que incluiam uma piscina para o público. Fez publicidade. Conquistou de facto a juventude que foi em avalanche. Badalou-se o complexo em terras outras. Vieram músicos de renome para noites de festa, em catadupa, mas pouco tempo depois a casa fechou as portas e o jovem regressou à Europa. Deixando seu sangue vertido no chão. Em vão.
Eu acreditava no sonho do meu amigo. Ia lá sempre passar o tempo e beber a minha cachaça e queimar o tempo num lugar retirado e tranquilo, e chegava mesmo a mergulhar na piscina sem qualquer complexo de mostrar o meu corpo envelhecido e enrugado, eu vibro por dentro mesmo assim. Mas o sol não demorou a cair no ocaso e deixou aquelas ruinas que ainda hoje me flagelam o espírito.
Não era a primeira vez que eu chegava a um limite doloroso como este, mas agora o meu cepticismo quanto ao futuro da minha cidade, que entrou em decadência, contrariando os tempos de euforia da juventude, aumentou. Não acredito no amanhã, e o que me resta é ruminar as dores sem poder fazer nada. Absolutamente nada! A não ser passar o tempo a beber cachaça e ouvir a música de Elizeth Cardoso, “Eu bebo sim”, sem esperança porém, de que o sol vai nascer outra vez na minha cidade.
Pitágoras deixou-nos uma solução para quando estivéssemos perdidos: “Saiam da estrada e sigam o trilho.”
Acabo de ler textos recentes (agrupados em “Corrigir para fazer melhor”) do professor Elísio Macamo em que debruça sobre a Frelimo, em parte a partir do Relatório do II Congresso da FRELIMO (1968), um relatório que o Elísio Macamo reconhece qualidade. “Um relatório impressionante” na suas palavras. E por falar da qualidade deste relatório, lembro-me que já cruzara com algo parecido sobre os documentos da Frente de Libertação de Moçambique. Foi há uma década ou pouco menos, que em conversa ocasional com um membro sénior da Frelimo (frente e partido), contara-me que o filho o questionara sobre a qualidade dos documentos produzidos pela Frente de Libertação de Moçambique. Na verdade o filho queria saber como é que foi possível jovens, em tenra juventude, produziram documentos de tamanha qualidade, coisa que jovens de hoje, até com o dobro da idade e em melhores circunstâncias (tecnológicas e outras), não conseguem. Ainda na conversa, o citado membro confessara de que essa qualidade era conhecida e respeitada pelos outros movimentos de libertação (e não só) e de que tal foi um grande diferencial da FRELIMO na arena internacional. Foi uma conversa interessante, mas mais interessante, foi o que conto abaixo e que me invadia a mente, enquanto decorria a conversa.
Em 2019, num meu texto ( Por onde andas, Kalungamo? ), em jeito de homenagem aos 90 anos de Marcelino dos Santos (1929-2020), outro destacado membro sénior da FRELIMO, relato um episódio de uma reunião em que participara com ele. A reunião, decorrida em finais de Dezembro de 2006, foi convocada por ele e eu tomara parte com outros colegas, na altura a equipe executiva que organizara, meses antes, o 1º Fórum Social Moçambicano (FSMoç), um espaço aberto de debate crítico de ideias. Na abertura da reunião e conforme o relatado no citado texto: “Marcelino dos Santos tinha na mesa os documentos do FSMoç, destacando o Plano Nacional. Este estava excessivamente sublinhado e com diversas cores e anotações, evidenciando que o tinha lido, como também, que vinha “chimoco”. Para a nossa satisfação, Marcelino começa a reunião elogiando a qualidade dos documentos, admitindo que não via há bom tempo algo parecido na pérola do Índico, o que o deixava contente (…)”. Em outro desenvolvimento da reunião, Marcelino perguntara se já havíamos lido os estatutos da fundação da FRELIMO, pois os documentos estruturantes do FSMoç (O Plano Nacional e a Carta de Princípios), tinham o mesmo espírito.
E aqui, o mesmo espírito, começa a parte mais interessante e que me invadia na conversa ocasional acima relatada. Soa até a uma confissão. Uns anos anos (2003/2004) antes da realização do 1º FSMoç (2006), ainda no processo de discussão da sua constituição, fora criado um Grupo de Trabalho para redigir um documento informativo/orientador sobre o FSMoç. O grupo era encabeçado por Hélder Martins, outro membro sénior e fundador da Frelimo, e este, em tempo programado, apresentou o documento, que por sinal, e não vem ao acaso, ele lamentara a pouca ou nula participação dos restantes membros do grupo . Este documento, em 2006, é resgatado e servido de base, a par da “Carta de Príncipios” do Fórum Social Mundial (FSM), para a elaboração do Plano Nacional do FSMoç, o tal documento que Marcelino dos Santos elogiara a sua qualidade e dissera de que era do mesmo espírito dos estatutos da fundação da FRELIMO. Em reunião de seguimento, em Janeiro de 2007, Marcelino até sugerira um intercâmbio entre o partido Frelimo e o FSMoç, pois os propósitos do FSMoç eram os mesmo que guiaram a fundação da FRELIMO e que conduziram a luta de libertação nacional.
É desta Frelimo - a da qualidade (conteúdo) dos seus documentos - que não vi…e tenho saudades. Por sinal, concluo que é a mesma Frelimo que o professor Elísio Macamo debruça sobre ela e torce para que seja resgatada na reunião do seu Comité Central que se avizinha. Uma vez resgatada, e para fechar, “Um outro Moçambique é Possivel!” conforme ditava o lema que guiava o FSMoç. A Luta Continua!
Coincidindo com o dia Mundial da Terra, declarado pelas Nações Unidas, e servindo de antecâmara para a próxima cimeira da ONU sobre as mudanças climáticas, agendada para o final deste ano, 2021, em Glasgow, na Escócia, mais de 40 líderes mundiais revisitaram, neste considerado novo normal, a complexa e pertinente agenda sobre aquecimento global e os efeitos imediatos das mudanças climáticas. A grande novidade, se assim a podermos classificar, está associada ao retorno dos Estados Unidos da América, por via do recentemente eleito Presidente Joe Biden, à agenda global sobre o clima, sobretudo, em relação à emissão de gases de efeito estufa, rompendo com um afastamento imposto pelo anterior Presidente norte-americano.
No sentido inverso, a não participação directa de Moçambique, por não ter sido convidado para o efeito, me pareceu inesperada, inexplicável e sintomática de como as agendas internacionais negligenciam e se afastam das preocupações de quem mais sofre com os efeitos conjugados das mudanças climáticas.
Moçambique, de acordo com os diferentes índices de risco climático global, que muitas vezes tem indicadores diferentes, mas muitas vezes coincidentes, ocupa, tristemente, o primeiro lugar na lista dos países mais vulneráveis às alterações climáticas. Por outras palavras, Moçambique é vítima de actividades industriais que alteraram o curso normal do clima e tem que arcar com o ónus de fazer face aos efeitos desastrosos de ciclones mais constantes, chuvas mais devastadoras e, até, longos períodos de seca.
Em bom rigor, esta cimeira até coincidiu com o segundo ano da passagem dos ciclones Idai e Kenneth, que assolaram as províncias de Sofala, Zambézia, Manica e Cabo Delgado. A ferocidade destes ciclones ceifou a vida de mais de 700 cidadãos moçambicanos, para além de ter gerado acima de 370 mil deslocados. Estas famílias continuam dependentes de ajuda para recompor as suas vidas. As mudanças climáticas, cujo aporte científico ainda precisa de ser melhor disseminado pelo país, não dilaceram, apenas, o tecido social, não destroem os campos agrícolas e as florestas, arrasam, principalmente, a esperança de um povo.
Se, por um lado, o mundo necessita, com urgência, de implementar o quadro de medidas mitigatórias e rever as suas ambições industriais, para manter o aquecimento global abaixo dos 2 graus centígrados, preferencialmente, abaixo dos 1.5 graus centígrados, por outro lado, carece da redefinição de uma agenda sobre a participação, no processo decisório, dos actores que mais sofrem com estas mudanças climáticas, dando voz aos jovens e às mulheres.
Faço parte de um grupo designado The Elders, dirigido por Mary Robinson, que inclui Ban Ki-moon, Harlem Brundtland, Ellen Johnsonn Sirleaf, Ernesto Zedillo e Fernando Herinque Cardoso. Cientes da realização desta Cimeira, decidimos fazer um apelo, para que a Cimeira não se concentre numa discussão apenas das principais potências, mas que seja um momento e uma oportunidade para que os países mais afectados possam veicular as suas preocupações e se afirmarem como os que, mais directamente, sofrem com os efeitos das mudanças climáticas.
Nestes momentos, eu me recordo, e com um misto de tristeza e desespero, que Moçambique registou, com o ciclone Idai, o mais devastador fenómeno das mudanças climáticas no hemisfério Sul. Por conseguinte, é um direito que assiste ao país de erguer a voz e, de forma legítima, clamar pela sua integração na agenda internacional e de todos quanto sofrem e que se sentem excluídos.
Este debate sobre as mudanças climáticas, que continua de forma errónea, ainda tímido e esporádico em Moçambique, terá de passar por uma posição nacional que incorpore os pontos de vista da academia, do sector privado, das organizações não-governamentais e, sobretudo, dos nossos especialistas que, a par e passo, acompanham e pesquisam sobre a temática sobre o aquecimento global. O nosso país, e outros países que fazem parte da lista dos mais vulneráveis às alterações climáticas, têm legitimidade natural para expressar e revelar as questões essenciais que os afectam, neste presente sombrio, e que afectarão o futuro ainda mais intricado e complexo.
Os sinais da inacção podem ser muito mais devastadores do que os efeitos pelos quais passamos. Nestes momentos, nos recordamos do sábio ditado africano que diz que a luz com que nós vemos os outros é a mesma luz com que os outros nos vêem a nós próprios. Em bom rigor, o clima não pode destruir as nossas esperanças e os sonhos de sermos uma sociedade e um país que vive com dignidade e harmonia.