Há uns dias, um amigo perguntou-me se eu já tinha feito um teste na internet - denominado de “Prova de Saúde” - que avalia a qualidade de saúde. Respondi de que não e de que mal sabia da existência de tal teste. Ele passou-me o link e contou-me, bem preocupado, que o resultado dele foi uma pergunta que o questionava se estava vivo. Isto porque dos dados fornecidos e analisados pela aplicação não era possível que ele estivesse vivo. E antes que eu iniciasse o teste, fiquei curioso em saber o tipo de dados solicitados. Imagino que o leitor também esteja curioso e nada melhor, sobretudo em tempos de pandemia, que aferir a qualidade da nossa saúde.
Por acaso os dados são corriqueiros (nome, idade, habilitações, profissão, hobbies, contactos, endereço, alimentação, segurança, rendimentos, referências, etc), entre os quais destaco os relacionados com a alimentação, segurança e referências que, por coincidência, segundo o meu amigo, possam ter contribuído para o resultado obtido (a possibilidade de ele ser um óbito). Já sensibilizado com os dados, avancei para o teste. E no lugar dos meus dados inseri os de Moçambique. Nome: República de Moçambique; Idade: 45 anos; Contacto: + 258…; Renda: 400/500USD per capita; Alimentação: Mutxotxo; Segurança: Terroristas e Nyongo; Referências: Idai, Chalane e Eloise. E bem antes de terminar, a aplicação pergunta se eu estava numa UCI (Unidade de Cuidados Intensivos).
Perante o meu repentino silêncio (não respondi) e bem ao fundo (usava auscultadores) ouvi: “Deve ter entrado em coma”. Felizmente, salvo melhor opinião, o país (Moçambique) não se encontra numa UCI, nem morto e nem em coma. Contudo, tal não significa que goze de boa saúde e recomenda-se que se, face aos sintomas conhecidos, que dirija, quanto antes, a uma unidade de saúde mais próxima.
É expectável que o discurso do Presidente Nyusi hoje à Nação não se resuma apenas a um agravamento das medidas de privação das nossas liberdades, da mobilidade geral, do consumo e da actividade económica, culpabilizando a sociedade pelo incremento das infeções por Covid 19 no trágico mês de Janeiro. O cidadão teve também a sua quota parte mas foi ele, quem abriu as postas da transmissão comunitária com o relaxamento de Dezembro.
Mais do que agravar, Nyusi deve também prestar contas, explicando o que é que o Governo fez ao longo destes meses, e como é gastou o dinheiro orçamentado para a Covid 19 (incluindo dinheiro dos doadores). Há muita informação desencontrada. E profissionais da Saude a morrer. Hoje perdemos o Dr Narciso Mucavele, Clínico Geral, Médico no Hospital Geral de Manjacaze. A questão da protecção do pessoal medico é pertinente. Sem eles, perdemos a guerra. Ainda não é clara uma estratégia de testagem; como estamos de oxigénio; e por que é que o MISAU não cria um Gabinete de Crise para responder às solicitações do sector privado? Diga-nos, pelo menos, quanto é que já foi gasto em dinheiro e em quê...
PS: Por falar em dinheiro, foi repetida a alegação de que o Senhor recebeu 1 milhão de USD da Privinvest, no quadro do calote. Pode dizer-nos (aos moçambicanos e em Moçambique) em primeira mão, de sua própria boca, o que aconteceu? (M.M.)
Os bayas pescam, nas extensas áreas de exploração de ouro e outros minérios. Não pescam golfinhos e nem carapaus, mas sim preciosos recursos a preço de banana. Idosos, crianças e mulheres ralam durante dias nas bocas dos buracos, lagoas e cavernas cavando minérios e, do nada, os bayas chegam e compram tudo como se de molhos de bananas se tratasse. Os tipos circulam com maços de dinheiro em redor dos garimpos, enquanto os "novos escravos" labutam para serem os primeiros a acharem o recurso…
São os bayas que definem os preços a pagar por grama ou quilograma do minério, mas estes valores não chegam nem a 1% do valor que os mesmos vendem para os compradores libaneses, somalis, paquistaneses, israelitas, nigerianos e sul-africanos. Os bayas desgraçam as almas das crianças, mulheres e idosos; plantam eles um enorme clarão de pobreza. E com a magia dos maços de dinheiros fazem "escravos" obedientes que aceitam tudo para calar o ronco dos estômagos. A verdade é que os bayas cercam o perímetro para que nenhum "escravo" saía da caverna platónica, a caverna da escravatura onde todos estão amarrados a maços de dinheiro.
Compram um determinado minério a 50 meticais do garimpeiro na mina e vendem o mesmo a 4500 meticais ou mais aos intermediários na vila, aos libaneses, aos bengalês e aos israelitas. A situação é deplorável e crítica. Insana e desumana. Os bayas vivem à francesa diante da pobreza acrescida das comunidades detentoras do recurso precioso. Brindam pelo sucesso enquanto os garimpeiros brindam-se de incerteza cavando a terra para achar os minérios.
Em Manica e Sussundenga, o termo "baya" é usado para referir todos aqueles que compram ouro ou outro minério nas proximidades das minas e não só. E há diferença nos valores entre os que se enterram procurando minérios e aqueles que ficam de fora molhando o dedo e contando valores.
Os bayas não olham para os riscos que os outros correm, o interesse é adquirir o recurso e pronto. Vender hoje e dia seguinte regressar ao local à procura de uma outra pedra a preço de amendoim. Os bayas nem pensam na poluição dos rios e lagoas que a actividade mineira está provocando, o importante é ter a maior e melhor pedra para vender e dar-se bem na vida! Quantos bayas temos em outros sectores hoje?
A retirada do cartão de imprensa de Tom Bowker e depois a tentativa de expulsá-lo por não ser jornalista oficial sublinha o fracasso de altos funcionários do governo em compreender que nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha a liberdade de imprensa significa que não há registo de jornais ou jornalistas. Qualquer um pode ser jornalista e qualquer um pode publicar um boletim informativo ou escrever um blog. Em Moçambique, onde os funcionários querem controlar e registrar tudo, isso está além da sua imaginação.
Sou jornalista profissional no Reino Unido há 50 anos. Tenho um cartão de imprensa, mas é emitido pelo meu sindicato - o National Union of Journalists (NUJ) - que é um dos 21 membros da Autoridade do Cartão de Imprensa do Reino Unido, que é gerida pelos meios de comunicação, não pelo governo. O cartão é reconhecido pela polícia e órgãos públicos.
Mas não preciso de cartão para ser jornalista. Quando vou a uma audiência de uma comissão parlamentar, por exemplo, sento-me na bancada de imprensa e ninguém pede provas de que sou jornalista. Para publicações impressas, há dois requisitos: o nome e endereço da editora devem ser incluídos na publicação, e uma cópia da publicação deve ser enviada para a Biblioteca Britânica. E, é claro, jornalistas e editores estão sujeitos às leis de calúnia, difamação e segredos oficiais.
Mas nos Estados Unidos e no Reino Unido, qualquer pessoa pode ser jornalista e qualquer pessoa pode publicar - sem registo e sem pedir permissão. Isso se chama liberdade de imprensa.
Num documento1publicado recentemente pelo Centro de Integridade Pública (CIP), em que são apresentados os argumentos da defesa da Privinvest no tribunal de Londres, é possível verificar que uma das novidades apresentadas é que o então Presidente da República, Armando Guebuza, tinha conhecimento dos pagamentos de milhões de dólares efectuados por aquela empresa aos membros do seu Governo e a pessoas do seu círculo, incluindo ao seu filho, Armando Ndambi Guebuza.
O documento revela que a Privinvest efectuou pagamentos de cerca de 7 milhões de dólares a Manuel Chang, então Ministro das Finanças¸ e um milhão de dólares a Filipe Nyusi, na altura candidato da Frelimo à presidência da República.
Era expectável¸ e até previsível¸ que esse cenário acontecesse. Num contexto como o moçambicano, a imunidade alcança-se através de alianças estratégicas com os indivíduos “certos” que possam garantir a segurança física, dos bens patrimoniais, os direitos contratuais e até constitucionais. Afinal de contas, “apesar de o cabrito comer aonde está amarrado” – ditado popular- é sempre melhor não comer sozinho.
O então Presidente da República, Armando Guebuza, não podia dançar sozinho este tango. Era necessário que arrastasse consigo pessoas da sua confiança e não só. Pessoas que pudessem¸ num futuro a curto ou médio, garantir que este assunto fosse abafado, não por temerem a ele – Guebuza - porque já não teria o poder de outrora, mas sim porque¸ defendendo Armando Guebuza, significaria defenderem-se a eles próprios.
Desde as descobertas das dívidas ocultas até aos mais recentes desenvolvimentos deste caso, Filipe Nyusi tem tido uma actuação hesitante e titubeante. Duas hipóteses podem ser lançadas:
A segunda hipótese parece ser a mais provável. Pode não ter resistido ao dinheiro fácil. Juntou-se à festa e dançou tango onde os mestres da orquestra eram Armando Guebuza e Iskandar Safa. Recebeu as migalhas, mas que foram suficientes para lançar um enorme descrédito à sua imagem de actual Chefe de Estado.
Até que seja transitado em julgado, Nyusi, tal como todo e qualquer cidadão num estado de direito, tem direito a presunção de inocência. E oxalá que ele consiga provar que o é.
Agora, mais uma vez, os olhos da sociedade vão-se virar para a reactiva PGR, a ver o que ela irá fazer com mais este capítulo dos detalhes sórdidos daquele que é¸ até hoje¸ considerado o maior escândalo de corrupção em Moçambique.
Fiquemos atentos aos próximos capítulos!
Redigi um texto emotivo e demasiado espontâneo quando Calane da Silva, nosso professor, aniversariou os três quartos de séculos, dessa generosa longevidade, marcantes passagens e vivências culturais. Têm sido anos intensos e profícuos de inevitáveis intervenções em prol do fascinante mundo das artes e letras e do jornalismo. Calane aniversaria, no mesmo dia que o artista plástico Naguib. A vida fez deles irmãos consanguíneos de sonhos, imaginação e fantasia. A complementaridade do signo libra que confere impulso emocional e tatua as identidades através das distintas épocas históricas.
Com ambos desenvolvi e privei, nos últimos anos, uma relação que perpassa a amizade ou convívio fraternal. Tornou-se viral e se situava nesse plano de múltiplas excentricidades e cumplicidades. Calane acreditava que ainda poderíamos agregar valores às crianças e jovens. Sentia que o capitalismo selvagem, dos novos tempos, os excluirá, sem apelo e nem agravo. Essas gerações bebiam o pecado do descaso e omissão. Educação poderia ajudar, defendia Calane. Educar gerações não significava, tão somente, ingresso. Teria de ser acesso. Crianças e jovens são minha matéria-prima e, confesso, continuo céptico sobre o futuro de muitos, até sobre o presente de poucos.
Retomar as cumplicidades, neste pequeno texto, não pode e nem deve, em nenhuma situação, ser entendido como uma homenagem ou louvor à sua obra e memória. Antes, tem de ser interpretado como uma forma de desmascarar a omissão e a displicência que acompanham os criadores artísticos e os talentos que criam e recriam este mosaico étnico, racial, social, cultural e, estranhamente, literário do país.
Calane era um samoriano convicto, porém de coração dilacerado pelos sucessivos falhanços de fazer uma nação reconciliada e com valores. Também Samora, deixou um país à beira do caos e do opróbrio. Mas, Calane era também um monoteísta. Com sangue miscigenado hindu e português, ADN africano, ele nasceu católico e professou a religião de forma convicta e leal. Lealdade que tipificou sua vida e amizades. As relações e matrizes cruzadas que fizeram dele um muçulmano reconvertido. Mas, a sua espiritualidade o transformou em espírita. Procurava a pureza do altruísmo e a força e poder da luz e do sol. Parte como líder espírita de um grupo que criou e, quem sabe, experimentará outras esferas espirituais, nos próximos anos, sentado à direita do Pai.
Quis fazer um texto sem recorrer, forçosamente, às suas características, gostos e vontades. Um texto de reencontro com Craveirinha e Gulamo Khan, Ricardo Rangel e Fanny Pfumo, com Malangatana e tantos outros, com quem ele conviveu e foi feliz. Este texto, então, seria uma espécie de penhorado agradecimento por tantos caminhos e obras que ficarão como legado.
Decidi rever um texto que ele compartilhou, o qual eu deveria ler, obstinadamente e sem tréguas. Marcelo Rubens Paiva, brasileiro, que Calane não conheceu, mas que respeitou, como respeitou a todos com a mesma simplicidade e cordialidade. Numa das passagens, o texto recordava “Apesar de você, as cores do arco-íris continuarão as mesmas, estarão sempre entre o céu e a terra e continuarão emocionantes e lindas”.
Temo que, com a sua ausência, esse amor com as cores de arco-íris, continuará tão infinito e contagiante. Sem limites. Imaginativo e apaixonado pela fantasia, pedia, sempre, que observássemos tudo com olhares apaixonados, como se tudo fosse tão lindo e fascinantemente rejuvenescido.
Calane era, pois, essa espécie de Júlio Verne. Esse novelista e poeta francês, cujo nome original foi adulterado, Jules Gabriel Verne 1828-1905. Júlio Verne foi dramaturgo, poeta e ensaísta, cuja obra se configurou como a mais traduzida em toda a história. Fazia predições, em seus livros, sobre o aparecimento dos novos avanços científicos. Sonhou em passar 40 dias no fundo do mar e a ciência criou os submarinos. Invejou a liberdade dos pássaros e imaginou que o ser humano voaria e, até, transportaria carga, algo que os pássaros não conseguem fazer. A aviação deu azo a estas predições. Calane era um pouco este arquitecto das palavras que não deveriam ser esquecidas nos gabinetes e nem nos cacifos ou estantes.
Em tudo que já foi dito e, eventualmente, será escrito, retomo suas duas últimas aparições públicas na Universidade Pedagógica do Maputo. Aqui estudou e se converteu em professor, mentor e guia de centenas de estudantes pelo país afora. A UP-Maputo era o seu predilecto projecto de unidade nacional que a independência trouxera e o cativará infinitamente.
A UP-Maputo decidiu homenagear o Professor e médico Fernando Vaz. Completava só noventas Primaveras, exuberantemente, dedicadas à sua medicina, cirurgia médica e compaixão para com seus pacientes. 90 Anos de formação e educação de profissionais de saúde. Calane da Silva usou e abusou da graciosidade de sua voz e fez as honras da casa. Deixou que as palavras se transformassem em armas que libertam as ideias progressistas. Pelas suas palavras e abraços, agora tão raros, foram revistos os momentos azuis de uma revolução que agora virou vermelha. Ali estavam a sua Xicandarinha e Malanga, fervilhando as memórias da Lenha do Mundo, de Fernando Vaz e de todos nós.
Meses mais tarde, replicou a dose durante as celebrações dos 150 anos de Mahatma Gandhi. Cerimónia inusitada e de rara beleza espiritual e intelectual. Um momento indescritível e de contagiante emoção. Calane vestiu-se de branco, encarnou Gandhi, gesticulou a pureza da paz, liberdade da palavra e reconciliação. Exercitou Yoga e fez meditação transcendental. Espalhou seu perfume poético e fez acreditar num amanhecer sem ódios, sem tiros, na mão plena de bondade e no coração altruísta.
Por instantes, sentimos que Gandhi estava ali, visitando Moçambique, falando da sua luta pacífica, no dom da bondade. Ghandi visitará Moçambique e os privilegiados desfrutarão dessa bênção. Nunca mais voltamos a fazer yoga e nem meditamos. Alguns, quem sabe, ainda devem fazer. Inesquecível Calane. Todos nós, com uma peça de roupa branca, sem muita certeza das cores do nosso sangue e vontades.
Ao Calane, ficou essa enorme dívida educacional, literária e jornalística. Um penhor que só o tempo saberá pagar e retribuir. Aqui fica, então, esse pedido de desculpas pelas nossas incapacidades, fraquezas e omissões, por não sabermos reconciliar o país, não sabermos transformar os sonhos das crianças e jovens, pela incapacidade de proporcionar um novo amanhecer para todos, ávidos de oportunidades e respeito pela diversidade. Uma pátria de valores e liberdades respeitadas. Também, devemos por não termos sido céleres e mais assertivos para lidar com esta traiçoeira pandemia, covarde e assassina, Covid-19, que rouba de nós, o melhor de nós mesmos. Perdoe-nos por ter-te desacompanhado e te deixado no meio do povo para o qual você sempre viveu.
Neste momento da Páscoa, fica, apenas, essa vontade de reler no poema dos olhos das crianças, o amor e a reconciliação, acreditar que essa maldade vai desaparecer. Queremos essa luz esplêndida em nossos corações, para que amanhã seja um outro e novo dia.