Director: Marcelo Mosse

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Actualizado de Segunda a Sexta

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NandoMeneteNum texto anterior falei da reconfiguração do vocabulário popular por conta de narrativas de acontecimentos políticos, internacionais e nacionais. Hoje e no contexto das recentes eleições volto a partilhar uma parte (e adaptada) do referido texto e com alguns acréscimos cujo título também foi sujeito a ajustes para o do presente texto.

 

Na segunda guerra do golfo/Iraque (2003) foi despoletado um debate cujo foco era saber se os americanos atacariam Bagdade, a capital iraquiana, por ar ou por terra. E creio que um general americano – se a memória não me atraiçoa - tratou de encerrar o pretenso debate valendo-se da frase: “O objectivo é Bagdade!”. E de que era indiferente se a invasão fosse terrestre ou aérea. Depois, com a tomada de Bagdade e do resto do Iraque, era frequente que se registassem - num e outro local - ataques dos iraquianos que o mesmo general apelidou de “Bolsas de Resistência”.

 

Certo dia e no decurso de preparativos de um evento de “copos & papo” de um grupo de amigos subsistia a dúvida em relação a compra de um barril de cerveja 2M ou de Laurentina Clara, atendendo a austeridade imposta pela falta de verba. O impasse foi sanado quando um dos amigos – que adequando os novos termos da guerra do golfo ao vocabulário - sentenciou à americana: “Não interessa se o barril é de Laurentina Clara ou de 2M: o objectivo é Bagdade!”.

 

O dia “D” para os “copos & papo” amanheceu com chuviscos. Um elemento de avanço - já no local de batalha e preocupado com a chuva - ligou para um outro a manifestar alguma apreensão quanto a comparência do resto da legião. E ele só ficou descansado quando do outro lado da linha ouviu que a chuva era apenas uma “Bolsa de Resistência” e insignificante para impedir o assalto à “Bagdade”. Nesse dia “Bagdade” foi tomada de forma retumbante e inequívoca.

                                                                                                                            

Um outro episódio e à reboque de acontecimentos políticos resulta da sequência e contexto da assinatura do Acordo Geral de Paz (AGP), nomeadamente, no que se refere ao acantonamento das forças militares das partes signatárias - Governo e RENAMO - em quartéis/bases até que fossem desmobilizadas ou reorientadas.

 

O mesmo conceito – acantonamento – foi acomodado no vocabulário de uma determinada residência universitária onde os quartos eram partilhados por dois a três estudantes. Nos finais de semana era comum um visitante chegar à dita residência e encontrar um ou dois quartos apinhados com a maioria dos estudantes. Segundo eles, estavam acantonados por força de outras assinaturas – as da paz biológica – que decorriam em paralelo e de forma sonorosa nos restantes quartos.

 

Recordei-me destes dois episódios a propósito das recentes eleições (15 de Outubro de 2019) e por duas situações. A primeira prende-se com as recomendações “votou, ficou” (no local) e “votou, partiu” (para casa) que se assemelham ao acantonamento forçado que acontecia na residência universitária em dias de flexões locais. E a segunda situação tem a ver com o enchimento das urnas. Isto e considerando os relatos de que as urnas foram enchidas, é suposto que a palavra de ordem tenha sido - nada mais e nada menos - a célebre frase: “O objectivo é Bagdad!”. 

 

Por fim e por alguma razão - na residência universitária e nos dias aludidos - a opção de ficar no local do voto não era necessariamente proibida. Contudo, há quem preferisse ai acantonar e observar todo o processo in loco, tal “bolsa de resistência” (ou de assistência na esperança do avesso “ficou, votou”), mas - no final do dia - insignificante para travar a grande e ofegante marcha pela tomada completa de “Bagdade”.

 

PS. Este final de semana (25, 26 e 27 de Outubro) e face a agressividade propagandística do “Eixo Jardim-Bobole” (CDM-Heineken) paira mais um impasse em relação a escolha do que sorver para deleitar a abertura da estação de verão. Mas seja como for: “O objectivo é Bagdade!” e tenha um final de semana feliz!

terça-feira, 22 outubro 2019 07:44

Chifunde... outra vez... agora mais do que nunca

Eu morava no bairro Canongola, nos arredores da cidade de Tete, e tenho o orgulho de ter assistido ao lançamento da primeira pedra para a construção da Ponte “Base Kassuende”, em 2010, na fase crucial da governação de um presidente audaz, que entretanto poderá ter sido traído pela rede de emelhar da ganância. Guebuza era a águia que percebeu na sua inteligência, que o coração da cidade de Tete não podia continuar a ser flagelado por camiões pesados, na sua passagem incessante para Zâmbia e Malawi. Por isso decidiu erguer a “Base Kassuende”, com  o fim de  desviar  os mastodontes que também contribuiam para a destruição  da ponte Samora Machel, que  une as duas margens  do grande Zambeze, abraçando a urbe e o bairro Matundo, para gáudio dos tetentes.

 

Eu estava lá, naquele torrão, praticamente nas mãos do Daniel da Costa, o escritor  exaltado  por Fernando Leite Couto, como sendo um dos maiores cronistas do nosso país, ao lado do Fernando Manuel. Couto disse de forma descomplexada, clara,  obedecendo a honestidade intelectual, que  Da Costa detém o domínio da língua portuguesa, e ferramentas literárias que fazem dele um cronista invejável. Na verdade eu tenho inveja dele. Inveja do tipo “quem me dera ser como este manyúngwe de um raio”! Ou como Fernando Manuel. Aliás, estes dois, são as minhas principais velas na dissipação da escuridão.

 

Foi uma estadia efémera, que me permitiu, mesmo assim, conhecer boas pessoas. Melhores do que eu. De entre elas a Chifunde, mulher  delicada, de cuja amizade sou indigno. Chifunde é uma almofada de sumaúma, capaz de proporcionar repouso aos errantes mais exaustos e inúteis, como eu. Sem exigir nada em troca, senão fazer votos de que depois de recobrar as energias, a etapa a seguir seja livre de escolhos.

 

E porque a vida é inesperada, Chifunde também é inesperada.  Ligou para o meu celular na manhã de ontem, nove anos depois de nos termos despedido com um “vai com Deus, meu amigo”. E ainda me lembro do profundo abraço que me fez acreditar, mais uma vez, de que a vida é bela.

 

- Sabes quem fala?

 

- Desculpa, não estou a ver quem é!

 

- Esta voz não te lembra nada?

 

Na verdade a voz lembra-me alguma coisa. Pelo sotaque pressuponho que a mulher que fala do outro  lado seja de Tete. Mas quem será? O Daniel da Costa já me tinha dito que o mais importante não é tu teres muitos contactos na tua agenda, mas estares registado em agendas de muitas pessoas. E eu consto na agenda desta criatura cuja voz me empolga. Ainda por cima nas primeiras horas horas da manhã, quando estou a preparar-me para  a caminhada de manutenção das longarinas.

 

- Podes falar mais um pouco?

 

- Estou triste, amigo, por não te lembrares desta voz que gostavas de ouvir. Dizias que, quando eu falava,  parecia o kwatchena (amanhecer)!

 

- Chifunde, meu amor!

 

- Quando é que vens me visitar, meu bem?

 

- Tu guardaste o meu número durante este tempo todo?

 

Era uma pergunta estúpida que eu fazia. Impensada. Que até podia ferir o coração da Chifunde. Mas ela, sóbria,  mostrou-me, uma vez mais, que na verdade não percebo determinadas dimensões.

 

- Eu gosto muito de ti, meu saudoso amigo. Cada palavra de tudo o que me dizias, era um grão de ouro, que  juntei e guardo para sempre no meu coração.

 

- Chifunde!

segunda-feira, 21 outubro 2019 14:24

O cota é lixado!

O resultado que à conta-gotas é publicado pelo braço operacional (STAE) da Príncipe Godido, a rua da sede da Comissão Nacional de Eleições (CNE) – por sinal o nome do príncipe herdeiro do Império de Gaza (outra vez Gaza) - e referentes às eleições de 15 de Outubro lembra-me um outro resultado e de matéria similar na arte da conquista.

 

E bem a propósito quem não se recorda de situações corriqueiras das noites de Maputo (e não só) em que uma prendada garota é cobiçada até a exaustão por todos que se fazem à discoteca. Por toda a noite e por ela passam todos – na sua maioria jovens e adultos - exibindo atributos que se resumem aos de ordem física, financeira (com algum esforço) e papista. Entre os concorrentes algumas apostas são feitas cujo vencedor será o afortunado que lograr sair com a prendada garota.

 

Uma certa noite - enquanto os jovens concorrentes afinavam as estratégias e ajustavam as apostas - um cota aproveita a brecha e se aproxima da prendada garota do dia. Ele sussurra algo no ouvido dela, arrancando-a um sorriso de matar. Em segundos os dois estavam na pista de dança. Aqui o cota capricha e incha a inveja dos mais novos. E estes – sem ideias para o contra-ataque – reconhecem que o adversário é de peso, mas concluem que não os punha em causa. “O cota não é uma ameaça, “O cota não passa de uma bolsa de resistência” e que “ O cota é um cansado”. Eram os prognósticos dos mais novos. E os novos mais velhos – feitos em grandes analistas – ficavam pelo refrão de que a dama aceitou o passo de dança apenas para se exibir e os provocar. “Uns fanfarrões”, diria o cota.

 

E o cota - acostumado aos comentários desabonatórios e sobre os quais nem liga - depois de exibir os seus dotes de dançarino e em grande estilo, acompanha a prendada garota ao seu lugar de proveniência: uma mesa que se transformara em cardápio dos olhares e apetites dos que se achavam elegíveis para o assalto às fartas riquezas da prendada garota.

 

Uma hora depois o cota abandona a discoteca. Logo em seguida foi a vez da prendada garota fazer o mesmo, deixando curiosos os ditos elegíveis. E estes se apresam à porta e desta observam a presa a entrar no velho Toyota do cota e não restavam dúvidas quanto ao vencedor da noite. No dia seguinte a confirmação do VAR (Vídeo Árbitro) - no exacto momento em que alguns dos ditos elegíveis viram o cota e a prendada garota de mãos dadas e aos beijos na praia - de que o golo aconteceu e foi legalizado.

 

Em conversa – baixa e alta - os ditos elegíveis e correligionários questionam o que terá aquele cota de excepcional? Todos tinham respostas. Uns e outros alegavam que era o taco acumulado. Outros e uns juravam que eram os anos de experiência do cota na arte da conquista e por isso sabia do que elas realmente gostam. E de outros tantos que citavam truques mágicos, pois o cota só conseguia conquistar à noite e que de dia não via “game”. Enfim, um leque de justificações para contrariarem o sucesso ruidoso do cota na praça.

 

No final da conversa – e por sinal inconclusiva no seu todo - todos os elegíveis e correligionários foram unânimes num único ponto: o cota é lixado! E o “lixado” foi a alternativa a uma outra palavra que por questões de pudor não será aqui chamada. E cá entre nós – mesmo a fechar – e adicionando o outro sucesso ruidoso da praça nada melhor que se recorrer ao latim dos juristas: Quid Juris?

segunda-feira, 21 outubro 2019 07:29

A corajosa Mariana Namulile

A deslocação braçal direita pode ter atingindo os 2300 watts de potência e o som produzido, com certeza, alcançou os 80 decibéis; o suficiente para que os mais próximos e nos arredores terem escutado o impacto ocasionado pela chegada da costa da mão da atacante a bochecha esquerda da senhora administradora do distrito de Muaga na região centro de Moçambique. Com os pés descalços firmes no chão, ela posicionou-se de perfil como um boxeador profissional para desferir o ataque.

 

Um “ohhh” colectivo ressoou profusamente, os populares estupefactos levaram tempo a processar o que estava a suceder.

 

Tudo aconteceu no auge da celebração da inauguração do fontanário no terreiro da aldeia 4 de Outubro na vila de Muaga,O magote ali presente havia acorrido ao local depois da propaganda radiofónica ter difundido com alguma insistência “amanhã pelas 10h00 a senhora administradora do distrito irá inaugurar o fontenário”

 

Os populares captaram a notícia com satisfação e alguns celebraram ingerindo cabanga e esperaram ansiosos pelo dia seguinte.

 

Depois do ululo popular animado com palmas que não paravam de se fazer ouvir, uma segunda salva de palmas foi angariado pelo mestre cerimónia.

 

A protagonista do acto violento, uma mulher franzina, parecia possuída por um poder supremo que lhe conferia tamanha força.

 

A tonalidade do rosto da senhora administradora Benilde conferido pelos produtos de clareza ficou alterado ganhando uma cor avermelhada com marcas de dedo da agressora e a sua obesidade que ondulava no vestido de capulana, parecia ter ganho uma magreza instantânea.

 

Ela, a senhora administradora tinha toda vontade de ripostar, mas ficou submersa num misto de palermice e ódio.

 

A polícia não demorou a intervir, desarmaram-na dos seus membros superiores, algemando-a, ela ainda esperneou, e um dos seus pontapés atingiu um dos polícias.

 

- Devíamos todos esbofeteá-la, senhora administradora e não bater palmas! – conferiu a mulher convicta – Eu perdi dois filhos engolidos pelo rio quando carretavam água.

 

- Abrir fontenários é vosso dever e não nos estão a fazer favor nenhum! – gritou a mulher, fora de si

 

- Prendam-na! – gaguejou a senhora  administradora Benilde.

 

A revoltosa ainda conseguiu recorrer a mais uma arma, e antes de retirarem-na do local, disparou um grosso escarro que atingiu a dona Benilde na testa.

 

- Quantos familiares perdemos no rio? – perguntou a atacante e ganhou anuência dos seus conterrâneos.

 

Semblantes perplexos conferiram a recolha da sua conterrânea pelas autoridades policiais, detiveram-na na esquadra da vila. O auto foi instaurado, e na débil caligrafia do oficial de serviço lia-se “agressão a sua excelência senhora administradora”

 

O dia ficou refém daquele acto insólito, os aldeãos, uns celebravam a abertura do fontenário e outros a ousadia da dona Mariana Namulile.

 

A ressaca da dupla celebração do dia anterior fez com que muitos não se descolassem as suas machambas.

 

E as mulheres que antes iam ao rio, agora caminhavam com os seus recipientes para o fontenário, comentavam sobre os acontecimentos do dia anterior. A manhã já não era a mesma que se haviam habituado, parecia que estava refém do sucedido.

 

Quando chegaram ao destino perfilaram e a que se posicionava na vanguarda manuseou a bomba e aguardou que a água jorrasse, esperou e nada aconteceu, outra mulher a auxiliou, mas nada, a água continuava a não jorrar. Convocaram então o responsável pela gestão do fontenário. Este fez de tudo mas a água não brotava, o homenzinho não sabia o que dizer nem fazer.

 

Muitos maridos preguiçosos que aguardavam a chegada das esposas para lhes preparar algo quente ficaram intrigados com a demora destas “não foram ao rio, mas ao fontenário porque demoram” cogitavam alguns deles.

 

Um e outro venceu a preguiça, pensou numa ralha e dirigiram-se ao fontenário. O mais ousado dos homens antes de proferir o seu discurso autoritário para a sua mulher percebeu da anomalia que ali se operava.

 

“ Não funciona, enganaram-nos“ – conferiu o homem que vinha com vontade de repreender a mulher.

 

“ Libertem Mariana Namulile” – gritou o homem e um coro não demorou a fazer-se ouvir.

 

Saíram marchando em direcção a esquadra da vila.

 

sexta-feira, 18 outubro 2019 07:16

Uma vida cheia de "sempre"

É mais fácil ser sábio depois dos eventos, dizia um sábio. Agora é tudo fácil. É fácil encontrar bode-expiatórios. É fácil culpar as fraudes da FRELIMO. É fácil culpar a desorganização da RENAMO. É fácil culpar o Nhongo. É fácil culpar as querelas da oposição no seu todo. É tudo fácil.
 
A única coisa que tenho a dizer é que estas eleições aconteceram como sempre têm acontecido aqui. Nada mudou. O parlamento é o mesmo. Os partidos políticos são os mesmos. A Cê-Ene-É é a mesma. O STAE é o mesmo. Os membros e simpatizantes dos partidos são os mesmos. Os candidatos, também, são quase os mesmos. A sociedade civil é a mesma. Os observadores são os mesmos. Os eleitores somos nós, de sempre. 
 
Nada mudou. O parlamento faz as mesmas coisas. Os partidos políticos fazem as mesmas coisas. Os deputados continuam a gastar os seus tempos discutindo sexo dos anjos e se insultando. O STAE continua sendo rebocado pela Cê-Ene-É que por sua vez é rebocada pela FRELIMO. A sociedade civil continua a atacar as consequências e não as causas. Os observadores continuam a observar sem microscópio. Os doadores continuam a forçar conceitos e estratégias descontextualizada. E os eleitores continuam a votar por simples votar. 
 
Nada mudou. É tudo uma continuação. Espanta-me, portanto, que a sociedade esteja a espera de alcançar resultados diferentes quando ela só sabe fazer as mesmas coisas. O que é que fizemos de diferente para esperarmos resultados diferentes? Por que é que estes resultados eleitorais deviam ser diferentes dos anteriores? Mudou algo na Cê-Ene-É? Mudou algo na FRELIMO? A RENAMO mudou alguma coisa? O Eme-Dê-Eme fez algo diferente? O povo-eleitor melhorou? 
 
Filipe Nyusi ganhou as presidenciais. A FRELIMO ganhou as legislativas e as provinciais. Filipe Nyusi e FRELIMO ganharam como sempre vêm ganhando. A máquina funcionou como sempre funcionou. Os órgãos de gestão eleitoral estão a trabalhar como sempre trabalharam. A RENAMO está a lamentar como sempre e daqui a pouco os seus deputados vão tomar a bendita posse e tudo vai passar como sempre. Os observadores já observaram como sempre. Os internacionais já comeram camarões e galinhas à zambeziana e tocossadas e já estão a bazar, como sempre fizeram. E nós vamos continuar a discutir os Messis & Ronaldos, as Melancias de Moz, os Dercios, as bandeiras nos rabos das donzelas, etecetera, etecetera, como sempre. 
 
A FRELIMO sempre ganhou assim. A RENAMO sempre perdeu assim. A oposição toda sempre perdeu assim. E nós sempre lamentamos assim e depois vamos continuar a vida assim. Em 2024 será também assim. 
 
Nada mudou. É tudo uma continuação. E não podemos esperar outra coisa a não ser uma continuação também. Uma continuação gera outra continuação. Continuação não gera mudança. Mudança é que gera uma outra mudança. É assim a vida. Se queremos viver uma vida pós-eleitoral diferente, temos que adoptar acções pré-eleitorais e eleitorais também diferentes. 
 
Se queremos mudança, temos que mudar como sociedade. E isto começa na mudança dos nossos conceitos de política. Enquanto continuarmos a conceber partidos políticos como empresas, não vamos sair daqui. Enquanto continuarmos a pensar que ser deputado é profissão, continuaremos na "shit". Enquanto os candidatos e partidos políticos continuarem a pensar que as dívidas ocultas votam, nunca chegarão ao poder. 
 
A vida continua! Eu sonhei com um parlamento equilibrado, mas era apenas um sonho. O mesmo sonho de sempre. Até esta publicação é uma continuação. É o mesmo texto pós-eleitoral de sempre. 
 
Ouve lá, disseram que Ndambi fez o quê? 
 
- Co'licença!

Estacionaram o carro em frente ao botle store ao lado da Associação dos Escritores Moçambicanos, na  Avenida 24 de Julho. É manhã solarenta, e o movimento  pacato surpreende uma cidade buliçosa que parece degenerar a cada dia que passa. Não há viaturas por sobre os passeios, mas a explicação para isso está subjacente no facto de que maior parte desses meios, são trazidos de fora da urbe em dias normais de trabalho. E hoje é sábado. Mesmo assim, em termos de expectativa não muda muita coisa, ou seja, há uma certeza inabalável de que Maputo é um espaço cosmopolita que não sabe muito bem para onde vai. Pode ser que esteja a avançar para o caos, porque os conglomerados habitacionais que surgem imparáveis em todo o perímetro, parecem querer sufocar a história das acácias. Não há alternativa. Todos acordam e vêm para o centro, em bandos como pássaros desesperados, para encher os pulmões de oxigénio contaminado.

 

Da porta da frente, do lado esquerdo, sai um deles. São quatro. E dirige-se directamente à loja de bebidas, de onde pouco tempo depois volta com duas garrafas de Ballatin´s, e mete-se novamente no mirabolante BMW com vidros fumados. Lá dentro estão bem, com ambiente climatizado. Têm gelo no pequeno coleman e copos que vão ser imediatamente abastecidos, porque não há tempo a perder. O tempo ruge. Por isso, antes de saírem da linha de partida, é preciso bater um gole-um gole, cada um. E foi isso que fizeram. Beberam numa espécie de ritual, e sentiram o escorrer do corpo. Entregue à bebida que lhes vai dar uma falsa sensação de bem estar.

 

A viatura sai suavemente das “boxes”, onde, no lugar de os ocupantes trocarem os pneus, compraram duas garrafas de ballatin,s  para festejarem a viagem que os levará a Chongwene. O motor é imperceptível, mas a máquina não deixa de chamar a atenção pelo seu lustro. Viraram à esquerda, pela “Salvador Allende”. Desembocaram na “Keneth Kaunda”. Tornaram à direita e desceram até à Costa do Sol, passando pela Praça 25 de Junho, acabando por entrar na imponente “circular”.

 

Neste troço, até à EN1, já em Marracuene, eles estão em plena ascenção. Têm tudo. Incluindo a ilusão de que são felizes. Aliás, o ballatin,s reforça-lhes essa sensação. É por isso que depois de cada gole, querem logo a seguir outro gole, na procura profusa pela órbita que lhes transmitirá a estabilidade. Mas não há a menor dúvida de que são doidos. Não sabem que tudo aquilo é uma fantasia.

 

Na EN1, o condutor certifica-se de que está tudo em ordem. Pergunta aos companheiros se “podemos bazar”, como se todos os movimentos que fizeram até ali, fossem um simples ensaio. Os outros responderam que sim, “podemos bazar, brada, pisa essa merda”. Na verdade o jovem pisou fundo no acelerador de uma viatura de caixa automática, que em menos de três minutos tinha o ponteiro a oscilar entre os 180 e 220 quilómetros à hora. É uma loucura. Naquela velocidade eles estão pendurados por fio. Porém, têm dois elementos que lhes impede de perceber isso: a estabilidade do carro, o conforto, e o ballatin,s.

 

Quando chegaram à Macia, depois de rasgarem a espectacular paisagem oferecida pelo  canavial de Xinavane, um deles perguntou, já estamos na Macia! O condutor disse assim, “avia lá o meu copo, meu caro, está vazio!”. Bebeu num trago. E daqui para frente perdeu completamente o medo. Os outros também.

 

Aí vão eles, sem saberem que a morte lhes esperava na planície de Xai-Xai. Passsam de  Chicumbane como um meteorito, deixando as pessoas pasmadas. Assustadas. Mas o que é isto! Os jovens minimizam todos os perigos. Já não estão em condições de descernir. E a morte sorria. Sinistra. No cadafalso onde o BMW saíu da sua faixa de rodagem e foi contra um tractor estacionado. O resto ninguém sabe explicar. “Só vimos chamas”!