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quarta-feira, 04 dezembro 2019 10:19

Sumbi

Apaixonei-me por ela, logo no primeiro dia que a vi passar em frente a minha casa. Passam dois anos, e de lá para cá  a nossa relação tem sido intensa. Cada vez que nos encontramos, o amor que nos une,  aumenta. Recrudesce a minha responsabilidade, no sentido de que não posso cometer a mínima imprudência, sob o risco de deitar tudo a perder. O azimute que me guia altera de forma espontânea quando a vejo, na rua ou no mercado, onde quer que seja. Ela já me arrebatou por inteiro, e sinto-me cada vez mais empurrado para a condição de ter que assumir a paternidade de uma criança que nem sei de onde vem. Na verdade esta menina tem idade de ser minha neta.

 

O que mete medo nela, é a sua maturidade precoce. Ela é determinada na luta pela sobrevivência,  que desenvolve todos os dias sob ambrela da verdadeira avó. Sabe que é pobre, absolutamente pobre, tem profundas necessidades. Os lábios secos denunciam um pequeno ser que passa horas e horas sem comer. Os olhos também, chamam-nos a atenção para alguém que tem quase nada para se alimentar. Mas  tudo isso não a demove, não a resigna. Parece acreditar que as coisas mais sólidas começam daqui, de baixo, onde muitas vezes temos que consentir sacrifícios.

 

Nunca me pediu nada, apesar de eu perceber que Sumbi não tem claramente nada. Se não a chamo para entrar no meu quintal, ela passa. Olha para as abundantes mangas dependuradas na copa das duas árvores fartas, que se erguem no meu espaço, e continua o seu caminho. Sem olhar para trás. E se não calha eu estar por ali, olhando para o caminho que usa sempre, quase todos os dias, então a minha neta vai engolir saliva para dentro de um estômago que nunca esteve saciado. Porém, se a vejo, por entre as frestas das plantas que servem de vedação, saio a correr e chamo-a.... Sumbi! Ela sustem a marcha, como uma tigreza que apesar de não ter encontrado a presa, mantem a confiança. Rodopia, e volta.

 

Enquanto a miúda entra, eu já estou a arrancar a fruta, sem medir a quantidade. E é ela  que vai dizer assim, chega, Bitonga Blu!

 

Há uma consonância entre as palavras da Sumbi, e aquilo que lhe vai no coração, e na mente. Se assim não fosse, eu já teria entendido. Aliás, ontem mesmo, no mercado da Mafurreira, nos arredores da cidade de Inhambane onde moramos, voltou a revelar-me a sua personalidade. O seu forte carácter. Ou seja, de entre muitas vendedeiras de marisco, a minha netinha estava lá, vendendo também, lutando ombro com ombro com as demais, na disputa pelos potenciais clientes, mas sem perder a postura. Ainda não a tinha visto, até que no meio daquela azáfama, ouvi uma voz que conheço muito bem, chamando-me como um leve trovão no seio das montanhas de pedra: Bitonga Blu! Olhei para ela, e senti toda a minha alma fluindo.

 

Ali, todas aquelas “magweva” (revendedoras) conhecem-me. Conquistam-me para a freguesia, freguês para aqui, freguês para ali. Mas nesta circunstância, quem ganhou foi Sumbi, a minha neta. Cheguei perto dela e perguntei, quanto custa todo este camarão? E ela respondeu-me, 150.

 

A nossa amizade vale mais que todo o dinheiro do planeta, para além de que eu queria que a miúda vendesse tudo, de uma vez, e voltasse para casa como um passarinho vitorioso, entregue ao vento, em liberdade. E foi o que fiz, comprei tudo, que nem é tanto assim, para agraciar os meus sentimentos, e da Sumbi. É um camarão miúdo, apanhado na pequena rede que ela arrasta nas noites, na companhia da avó, sem poder dormir como outras crianças.

 

Dei-lhe uma nota de duzentos meticais, e fiquei sem saber se recebia o troco, ou deixava com ela. De resto, esta é uma criatura delicada, e eu tenho medo de magoá-la.

quarta-feira, 04 dezembro 2019 06:13

Doutor" Elísio: o último arrumador de canoas

"É fácil ser sábio depois do facto" - Sherlock Holms.

 

Finalmente, o "Doutor" conseguiu entrar no estádio. No jogo da final. Exactamente no momento em que o último jogador ia marcar o último penalti. Mas se gaba de ter visto os noventa minutos e o prolongamento do jogo. Dá-se ao luxo de convocar a imprensa para fazer o resumo do jogo. Até já quer explicar por que é que o jogo chegou ao empate até ao minuto noventa e por que é que ninguém marcou no prolongamento.

 

Lembrar que o "Doutor" não viu o campeonato todo; viu apenas o último jogador a marcar o último golo de penalti, no último jogo; mas, dá-se ao desplante de afirmar que o relato que ele ouvia todos os dias pela rádio quando estava em casa (antes de conseguir bilhete no "bleki-fraidei" do Estrela) estava errado. Tem a intrepidez de dizer que todos os locutores que estavam a relatar os jogos durante todo o campeonato, desde o jogo inaugural, são mentirosos. Gaba-se de ser ele o único ser respirante lúcido capaz de fazer o resumo mais original de todo o campeonato desde o primeiro minuto. Definitivamente, a humildade escasseia.

 

Agora que o julgamento acabou, o "Doutor" virou sábio. Já sabe o que se falou mesmo quando não estava. Diz que tem tudo gravado na sua barba... digo, cabeça. E nós agora temos de esperar que ele esvazie a sua cabeça para entendermos todo o filme deste famigerado endividamento oculto.

 

Esquece-se o "Doutor" que ele é jurista, e os outros, jornalistas; que o "Doutor" foi "aprender", e os outros, trabalhar. Portanto, têm metodologias, abordagens, expectativas e interesses totalmente diferentes. O "Doutor" foi aprimorar conceitos técnicos de Direito, enquanto que os outros foram descodificar os conceitos e relatar factos no "dialecto" do povo. Ignora o facto de o "Doutor" ter estado ali por simples curiosidade, enquanto que os outros, pelo compromisso tipificado, estrutural e rotineiro da sua profissão - informar. E, não menos importante, os outros estão a cobrir as dívidas ocultas desde os tempos de Kempton Park, quando "Chopstick" ainda era Chang, antes da divulgação da tabela de Teo.

 

Mas enfim, é caso para dizer que a corrida já começou. Nos próximos dias iremos assistir à uma olimpíada renhida de lamber botas jamais vista. Iremos assistir a truques mais inovadores quanto arrojados de puxar saco. Haverá "acólitos" que em vez de lamberem vão engolir as botas para, em seguida, vomitarem já polidas. Gajos que vão investir em novas tecnologias de implantar graxa e escova na laringe.

 

Se se parecesse com intelectual, como muitos de nós pensávamos, o Elísio iria apresentar a sua versão dos factos sem atacar ninguém. Que fizesse o seu resumo sem mencionar problemas linguísticos nem ausências dos demais. Era escusado cobrar pelos esclarecimentos ou pela tradução que forneceu, de livre e espontânea vontade, a quem quer que seja.

 

Parecia estar a erguer a sua carreira honestamente. Parecia humildade com a ciência. Mas nada. Nesta fotografia a imagem do Elísio está tremida. Literalmente, o Elísio apresenta-se como o último arrumador de canoas. Está a tentar organizar canoas que já foram organizadas, na doca de areia, pelos respectivos donos para ver se apanha restos da ceia dos pescadores. Uma cabeça de camarão aqui, uma barbatana de madjembe acolá. Vale tudo.

 

Na verdade, o objectivo desse arrumador voluntário de canoas é ser reconhecido como o gajo que organiza as coisas na doca para amanhã ter a legitimidade de apanhar restos. Mas todos sabem que o gajo passa a vida a beber. Não tem tempo para pescar. Chega no fim de tudo e quer dar palestra sobre arrumação e higiene. É um preguiçoso.

 

De resto, o "Doutor" está a passar por um processo bastante sofrido e desconfortante: a transferência da massa encefálica do crânio para o intestino grosso. Muitas vezes neste deslocamento anatómico perde-se a vergonha. É compreensível. Mas, seja como for, talvez a melhor parte seria explicar em que posição "apanhou" esse bilhete.

 

- Co'licença! 

2019 foi um ano em que a política no feminino trouxe surpresas ao mundo, em português. Duas mulheres que, aparentemente não têm nada a ver, que nunca se cruzaram e não partilham dos mesmos ideais políticos, nem dos mesmos valores na conduta política destacaram-se pela negativa.  

 

Joacine Katar Moreira, guineense, radicada em Portugal e Helena Taipo, a mediática Ministra do Trabalho que interrompeu o seu percurso político, abruptamente, como Embaixadora de Moçambique em Angola, foram notícia pelas piores razões.

 

A primeira, a residir na Europa, e ainda na casa dos 30, ficou conhecida por se assumir como uma mulher “diferente”. É ridículo dizer isto nos dias de hoje, mas foi este o cartão de visita que Joacine apresentou quando transitou de ativista feminista e anti-racista para candidata a deputada do partido Livre, que se posiciona à esquerda europeísta e ecologista.  

 

Num país em que os brandos costumes racistas e os tiques colonialistas ainda estão muito presentes quando um negro ou uma negra “ousa” ser mais que uma diarista, funcionário de shopping ou ultrapassar a barreira do sector terciário, Joacine apresentou mais uma carta ao baralho rumo às eleições – a sua gaguez.

 

A partir daí passou a ser uma espécie de most wanted. Tudo o que era jornal digital, impresso, programa de tv generalista, de informação, cor-de-rosa, amarelo e azul descobriu a pólvora, aliás a futura deputada.

 

Os politicamente corretos, mais conhecidos em Portugal como a “Esquerda Caviar”, uma espécie de Louis XIII da Rémy Martin do conhaque, já que é muito novo rico beber champanhe, apoiaram-na com unhas e dentes. E quem discordasse ou se opusesse a esta candidatura era racista ou intolerante. Como a nossa realidade. Ou és do partido do poder ou estás contra. Foi eleita em Lisboa, como cabeça de lista do partido Livre, e nas freguesias mais endinheiradas da capital.

 

Todo este processo foi mediático, com uma identidade própria que fazia transparecer uma posição global alinhada ao partido. A senhora deputada soube usufruir do palco que lhe foi dado. Da piada que lhe achavam, como dizem na Tuga, tal como nós vibrávamos com as ações da Ministra do Trabalho.

 

Cada vez que a Dra. Helena Taipo encerrava uma empresa de um estrangeiro, considerada ilegal, ou eram denunciados maus tratos a nacionais era aplicada a “quase” a lei de 20/24 para a empresa sair do país. Todos a considerávamos a Super Ministra e ficávamos à espera de assistir mais notícias na televisão sobre as suas emboscadas e as denúncias que chegavam ao Ministério do Trabalho, quase em tempo real. Tornando-se assim a dirigente mais televisiva da governação Guebuza.  

 

Mas há sempre os bastidores destas jogadas políticas. Se por um lado, em Portugal, a deputada Joacine não entendeu que em política ser camarada é um juramento, em Moçambique a camaradagem levou Helena Taipo para trás das grades.

 

Em jornalismo também usamos este termo que vai muito para além de uma palavra.

 

Os camaradas não se separam. Apoiam-se. Não revelam pormenores de bastidores, Protegem-se. E Joacine, talvez pela inexperiência que teima em não assumir, já que acha que uma ativista sabe fazer política e não entende que a Sociedade Civil influencia nas políticas públicas – posição completamente diferente, mas igualmente importante - deixou-se deslumbrar pela sua subida de posto. À semelhança de Helena Taipo revela ter sede de poder e prepotência nas suas ações. Quase que se sente intocável. Um tique de muitos políticos ou aspirantes a serem-no.  

 

À primeira crise pública “denunciou” a comemoração da subvenção que o seu partido ia receber antes de “Ela” própria ser eleita. Passo a redundância. Tal como Taipo se deslumbrou pelo excesso de poder, à deputada bastou-lhe o barulho das luzes e os convites para entrevistas em programas de TV que, se não fosse candidata, teria de ligar 100 vezes para que a produção dos mesmos programas em que  participou a recebessem, em nome da associação que dirigia. Mas ficou-se aos 45 minutos do primeiro tempo. Isto é, bastou um mês e poucos dias de Assembleia da República para lhe estalar o verniz.

 

Foram quase 45 dias de redes sociais, love and hate com a imprensa e opinião pública – porque parece que ninguém pode contrariar a deputada - pois é racista, invejoso ou preconceituoso -  nenhuma ação política palpável que impacte a vida ativa dos portugueses e dos seus patrícios -  tipo uau, nós Africanos estamos orgulhosos da Mana - , uma abstenção sobre um voto de condenação à agressão israelita a Gaza e uma falha crassa no atraso da entrega da proposta da Lei da Nacionalidade, em Portugal.

 

Para muitos de nós, aqui na Pérola do Índico, o erro de Katar Moreira pode influenciar na vida ativa dos nossos familiares. Tudo bem que há outros partidos a avançar com a mesma proposta de lei e se o Governo for inteligente aprova e arruma já o assunto. Mas era parte da Bandeira da Identidade! Afinal?

 

Já Helena, está presa e com presunção de inocência, até ser julgada.

 

O que desejo para ambas é que reflitam sobre o percurso que pretendem fazer, a partir de agora. Percebam que ser ministra, deputada, embaixadora, presidente é servir um interesse comum e não individual. Que se é eleito por um grupo de pessoas que acredita naquilo que “prometemos”. Aqui em Moçambique estamos mal, lá ainda se pode exigir. E que neste mundo em que nós, Mulheres, ainda temos que lutar por um lugar de fala, não venham estragar tudo em nosso nome se afinal o que conta são os vossos interesses pessoais.

 

Khanimambo.

Beatriz Buchile tinha razão: os americanos não gozavam de jurisdição sobre o caso. Adriano Maleiane deu um empurrão sem precedentes à defesa de Boustani, indo mesmo no sentido contrário ao do Conselho Constitucional (e da própria PGR, que processou em Londres o Crédit Suisse, seus banqueiros, a Prinvinvest e seus gestores de topo). O melhor destino para Manuel Chang pode ser Maputo.

 

Eis três aspectos que agora emergem mais claramente das “águas turvas” do julgamento que ilibou, Jean Boustani, o vendedor de barcos libanês da Privinvest, um dos mentores do calote que defraudou o Estado moçambicano em mais de 2 mil milhões de USD. “Carta” contextualiza a absolvição de Boustani tendo em conta aspectos legais relevantes e a postura e provável sina de alguns actores incontornáveis.

 

A questão da jurisdição

 

A defesa de Jean Boustani, a firma Willkie Farr and Gallagher LLP, representada pelos advogados Michael S. Schachter e Randall Jackson, bateu-se desde o início numa coisa: se houve crime, esse não foi cometido nos EUA. Ou seja, Whashington não tinha legitimidade jurisdicional para acusar Boustani. O argumento foi esgrimido ainda nas primeiras alegações por escrito em Agosto. Mas nunca foi atendido pelo Juiz Kuntz.

 

Durante o julgamento, a defesa voltou à carga e, nas alegações finais, a 19 de Novembro, Randall Jackson fez questão de “cansar” o jurado com essa ladainha. A estratégia da defesa de apresentar as planilhas de suborno da Privinvest enquadrava-se nesse desiderato. Alegar que Boustani pagou (como gorgeta) funcionários moçambicanos (a pedido destes) e banqueiros do Credit Suisse, mas nunca defraudou os investidores americanos.

 

Boustani confessou práticas de corrupção que nunca se enquadrariam nos tipos-legais de crimes constantes do FCPA (Foreign Corruption Pratice Act). Pagou subornos a moçambicanos ávidos de encherem o bolso, mas o fluxo desse dinheiro não passou pelo sistema financeiro americano. O jurado deu-lhes razão.

 

Beatriz Buchile

 

Depois que o debate sobre a extradição de Manuel Chang tomou conta da agenda mediática, no primeiro trimestre deste ano, Beatriz Buchile deixou claro nalguns círculos que fazia mais sentido que este caso fosse julgado em Moçambique e não nos EUA. “Nós é que temos jurisdição”, frisava ela. Ninguém lhe deu ouvidos. E, pelo contrário, foi veementemente criticada por “querer trazer o Chang de volta”. Ela chegou a solicitar aos EUA apoio com “provas” para que um julgamento em Moçambique tivesse sucesso. O Departamento de Estado fez-lhe, também, ouvidos de mercador. Agora, com o veredicto que iliba Boustani, parece claro que Beatriz Buchile estava certa. 

 

Maleiane I

 

Nos derradeiros dias do julgamento de Jean Boustani, na segunda semana de Novembro, a defesa usou de um trunfo que lhe tinha sido ofertado pelo Ministro da Economia e Finanças, Adriano Maleiene. Para mostrar ao jurado que os investidores americanos nunca foram defraudados, nem por Boustani nem por qualquer entidade em Moçambique, a defesa chamou à colação o facto de o Governo de Maputo estar a reestruturar a dívida da Ematum, ter chegado a acordo com mas de 60% dos credores, e ter inclusive pago a primeira tranche dos valores acordados.

 

E, seguindo as peugadas de Maleiane, a defesa de Boustani desvalorizou completamente o acórdão do Conselho Constitucional de 2018, que considerou a dívida da Ematum e sua garantia soberana como sendo ilegais. Literalmente, tal como Maleiane, a defesa de Boustani “rasgou” esse acórdão. O esforço de Maleiane foi fundamental para Jean Boustani. Interessante!

 

Maleiane II

 

Nos últimos dias do julgamento de Boustani em Nova Iorque foram várias as referências a um alegado papel “nocivo” de Maleiane depois que ele tomou posse no cargo de Ministro da Economia e Finanças do Governo de Filipe Nyusi, em princípios de 2015. A ideia de que ele sonegou informação ao FMI e aos investidores, nomeadamente sobre a existência das dívidas da Proindicus e da MAM, quando se fazia um “roadshow” para a reconversão da dívida da Ematum em Eurobonds. Ele viajou para os States na companhia de Rosário, no quadro desse "roadshow".

 

Alegou-se vivamente que também ele, a par de Boustani, tinha defraudado investidores americanos. Agora com Boustani ilibado, ele (Maleiane) ganha o estatuto de inimputável. Tanto mais que só começou a envolver-se no assunto em 2015, quando todo o calote já estava consumado. Maleiane é uma das figuras que deve ter aberto seu “moet” de reserva, ontem, quando se soube da ilibação de Boustani. O homem pode agora respirar de alívio.

 

Chang e Rosário

 

Também Chang e Antonio Rosário podem ter ganho, na absolvição de Boustani, um trunfo em sua defesa, em face da acusação de que são alvo nos EUA. No “indictment” final do Departamento de Justiça, datado de 19 de Agosto, eles vêm acusados dos mesmos crimes que Jean Boustani. Por lógica, é provável que já não haja, nos EUA, caso contra eles. E, por isso, no caso de Chang, o melhor mesmo seria ele ser extraditado para Moçambique, a não ser que uma ida aos EUA contribua para se extrair dele um poucos mais de informação sobre os “podres” da corrupção em Moçambique e seus actores relevantes no quadro do calote.

 

Nhangumele também

 

O mesmo se diga para Teófilo Nhangumele. Sua posição é, aliás, agora, mais confortável. Tanto mais que a acusação americana comete sobre ele um erro crasso, ao identificá-lo como funcionário do Estado em Moçambique, falso estatuto veementemente denunciado pela defesa de Boustani.

 

Imputáveis em Moçambique

 

Chang, Rosário e Nhangumele não deixam, no entanto, de serem imputáveis em Moçambique. Aliás, o julgamento de Boustani só serviu para mostrar como uns tantos funcionários e cidadãos de um pobre Estado africano se endinheiraram na corrupção, levando todo um país à quase bancarrota. (Marcelo Mosse)

segunda-feira, 02 dezembro 2019 05:39

A penosa história do estafeta de gatunos

Havia um velhoto que era Governador do Banco Central há muito tempo. No tempo que muitos de nós éramos putos. Foi nessa altura que nos demos conta que dinheiro levava uma assinatura. E o assinante era esse tal velhoto Governador do Banco.

 

Para nós, era como se o cota fosse o dono do dinheiro. O dono do país. É que nem o próprio Presidente da República assinava dinheiro. A ideia que tínhamos era de que o cota sentava no seu gabinete e começava a rubricar todas as notas uma por uma e, querendo, podia levar para si a quantidade que desejasse. Afinal, era o dono.

 

Éramos fãs desse cota. Não o conhecíamos, nunca o tínhamos visto, mas crescemos tendo-o como referência de idoneidade moral e ética. Já nos anos dois-mil-e-picos, com a tê-vê e os seus telejornais, conhecemos o cota. A nossa admiração por ele aumentou: magrinho, pálido, humilde e cauteloso no verbo, e sempre com um sorriso administrativo nos lábios para polir o rosto. Nunca o tínhamos imaginado assim. Fugia em grande medida dos nossos estereótipos de assinante de dinheiros.

 

Quando o Novo Homem foi chamar o velhoto da sua merecida "reforma" para o cargo de Ministro de Economia e Finanças, congratulamo-lo. Era, quanto a nós, a melhor aposta. Sempre esperamos boa coisa dele.

 

A nossa fasquia de respeito pelo velhoto caiu aquando da descoberta das dívidas ocultas. O velhoto ficou tonto como uma barata em chuva de "baigon". Viajava para Washington sem um posicionamento de Estado firme e convincente. Falava coisa com coisa. Optou por mentir e esconder a verdade debaixo do tapete. Ora porque o povo já está a comer o atum da Ematum sem saber, ora porque o pagamento aos credores não é nenhuma afronta à decisão do Cê-Cê, é uma cena que devia ser feita. Coisas de vergonha! 

 

Hoje, o cota está aí todo desacreditado e melancólico. Com toda a sua reputação na lama. Nem o canudo de Londres, nem a experiência acumulada o podem ajudar. E, para piorar, é co-conspirador. Co-conspirador é espécie ajudante ou auxiliar do verdadeiro conspirador. Assim do tipo o velhote é ajudante duns putos aí que estão na "djela".

 

Quer dizer, o velhoto caiu tanto que nem consegue fazer parte dos verdadeiros negociantes-vendedores da pátria. É simples testemunha de uma festa que não presenciou, nem viu o "di-djei" e nem sabe quem dançou mais. Só sabe dizer que houve farra porque sentiu cheiro de maionese e viu gajos com babalaza.

 

Mas como é que um cota daqueles se deixa levar por caloteiros miseráveis? Como consente ser lacaio e mensageiro de mafiosos como esses com alcunhas de talheres do oriente asiático? Como permitiu ser serviçal de larápios de baixo quilate? Como se deixou virar auxiliar de lesa-pátrias... Estafeta de gatunos? Quanta baixesa!

 

Ai, ai, ai... Quão é fundo o fundo do poço! - como diria a tia Muanacha.

 

- Co'licença!

quinta-feira, 28 novembro 2019 07:20

Técnica "versus" ética

Para mim, um líder deve ostentar duas coisas: a técnica e a ética. Ou seja, um indivíduo competente para ocupar um cargo de liderança deve ser uma pessoa com conhecimentos de gestão, mas acima de tudo - repito, acima de tudo - deve ser uma pessoa que saiba viver e convier em sociedade. Deve saber o que quer, saber o que pode e saber o que deve.

 

Um líder não basta apenas estudar e carregar diplomas, é importante que tenha humildade e solidariedade. É importante que tenha humanidade.

 

Um líder dever ser uma pessoa que entende que ele é "chefe" porque existem subordinados. Aliás, deve saber que o que lhe faz "chefe" não é a sua nomeação, mas - sim - a legitimidade dos seus súbditos. Há "chefes" que não são chefes porque os seus subalternos simplesmente não o vêem como tal. Não o consideram "chefe". Não tem legitimidade dos que ele devia chefiar.

 

Um "chefe" deve saber que a chefia passa e a sociedade continua. Deve saber que diploma não é título de propriedade do saber. Deve reconhecer a sua falência como ser humano. Deve reconhecer que os seus diplomas e a sua posição não fazem dele um extraterrestre.

 

Mas, a primeira exigência de competência é sobre quem o povo confiou para nomear os outros. Isto é, o "chefão" que nomeia os "chefezinhos" deve ter maior competência técnica e ética na escolha dos seus escolhidos para não cair no ridículo.

 

Gerir uma instituição é gerir pessoas e bens patrimoniais. Pelo que, qualquer decisão deve ser tomada com muito humanismo. Muita solidariedade.

 

Eu não teria coragem de nomear para um cargo público de relevo um indivíduo que disse que "quem morreu com o ciclone Idai quis". Quem assim pensa não se deve ter por perto. A falta de solidariedade é a pior forma de carácter. Aliás, não há sociedade sem solidariedade.

 

De resto, o Jota-Jota podia ser apenas e unicamente Pê-Cê-A de uma agremiação de feiticeiros. Haja paciência! Quem o nomeou é insensível. Só um Vampiro pode preferir um Drácula.

 

- Co'licença!