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quarta-feira, 16 outubro 2019 07:06

O voto-eléctrico, o voto-fermento e o voto-bebé

De eleição em eleição temos experimentado novas espécies de voto que acabamos normalizando a sua prática. Há uns votos aí que já deviam ser legalizados e aperfeiçoados. Estou a falar do voto-eléctrico, do voto-fermento e do voto-bebé.

 

O voto-eléctrico é aquele produzido pela É-Dê-Eme na hora da contagem dos votos nas mesas. É um voto que aparece com o corte de energia. O voto-eléctrico é amigo da escuridão, e não gosta de lanterna, panti/xipefu, lua e quaisquer outras fontes de luz.

 

O voto-fermento é aquele que se multiplica depois que entra na urna. É um voto multiplicador. É um voto que faz "vezes dois" sozinho. Quando você pensa que tem cem votos na urna (que é o número real de pessoas que votaram), milagrosamente, você encontra duzentos. O voto-fermento sofre de mitose - um processo de divisão celular onde a célula do voto se divide e dá origem a duas células-filhas, portanto, dois votinhos. O voto-fermento cresce sozinho como Arroz Ngonhama na panela.

 

Por fim, temos o voto-bebé. O voto vem no colo. É acompanhado pelas suas mães ou pais. Muitas vezes, o voto-bebé sai das blusas das membros das mesas de votação. O voto-bebé nasce na maternidade da sede do partido e, em seguida, é escolhida uma mãe para ele. Normalmente, as mães costumam carregar cerca de uma dúzia de bebés de cada vez. Mesmo sem chorar, a mãe sortuda enfia o novo filho no "sutiã" para mamar e, quando se sente sozinha e sossegada na Assembleia de Voto, a mãe expele os bebezinhos na urna tipo "virungunhas" (girinos).

 

Devíamos deixar a vergonha de lado e assumirmos a nossa moçambicanidade. Esses tipos de votos são tipicamente nossos. Fomos nós que os inventamos e não devíamos ter vergonha deles. Devíamos legislar, legalizar e legitimar. Só assim todos os candidatos e partidos podem ter a chance de concorrer por igual.

 

Devíamos dar a cada candidato e partido concorrente a oportunidade de introduzir os seus votos-eléctricos durante o apagão, os seus votos-fermento a cada troca de urna e os seus votos-bebé a cada sossego. Assim, para além dos votos válidos, nulos e brancos, podíamos mencionar também os eléctricos, os fermentos e os bebés de cada Assembleia de Voto e podíamos contabilizar esses últimos para cada candidato e partido concorrente.

 

É que assim como as coisas estão não é justo. Apenas certos candidatos e partidos têm o privilégio de usar esses novos tipos de voto. E isso não é bom para a nossa democracia. Se há outras alternativas a democracia, que seja para todos por igual. Se há manobras, que sejam por todos conhecidas. Se é para competirmos no escuro, que digam. Se a competição é sobre qual é o partido que tem as mulheres com "sutiãs" mais bigs, que assim seja. Mas, faxavor, legalize-se!

 

- Co'licença!

segunda-feira, 14 outubro 2019 07:15

Peço “Distras”!

Das brincadeiras de infância - na zona ou na escola - de certeza que se lembram do termo “distras”. Recorria-se a ele no momento em que um dos integrantes da brincadeira em causa fosse, por exemplo, chamado pela mãe (na zona) ou se quisesse ir a casa de banho (na escola) e o visado (ou aflito) proferia o “distras” como um sinal para a interrupção da referida brincadeira. E esta recomeçava – de onde descontinuara- com o seu regresso.
 
No período em que vigorava o “distras” era uma ocasião de proximidade entre as partes da brincadeira. Um momento de harmonia, conversa amena e de afectos. O mesmo conceito pode ser tomado para qualificar algo semelhante na nossa democracia/política: os dias de fraternidade entre o fim de uma campanha eleitoral (sábado) e o do dia de votação (terça-feira). Sendo assim e por estes dias é caso para dizer que se está diante de um “distras” na nossa democracia/política. 
 
E depois do “distras”? Infelizmente – nem sempre - o cavalheirismo reinante no período do “distras” é transportado para o período posterior. Assim era (é) na retoma da brincadeira de infância. E desde 1994 - na nossa democracia/política - testemunham os períodos posteriores aos dias de votação.
 
Tudo isto foi para apelar para que o dia seguinte à votação (15 de Outubro) a nossa democracia/política continue a viver e eternamente sob a égide do “distras”. Um “distras” realmente de paz geral, sem hostilidades e definitivo. Uma razão mais do que suficiente para instar a todos os destinatários: peço “distras”! 
 
PS. Nas brincadeiras de infância um outro motivo para o pedido do “distras” era (é) a desistência do(s) proponente(s) face às exigências da brincadeira em causa. É expectável que assim seja – e a mesma maturidade - com os protagonistas da nossa praça política em obediência às exigências da democracia.
segunda-feira, 14 outubro 2019 07:12

Colcha de retalhos

Facilmente se pode arguir que, como país, estamos uma colcha de retalhos. Não de todo um traste, ou quase lixo a que (im)piedosamente nos empurram as agências internacionais de monitoria da evolução de indicadores macroeconómicos, mas uma colcha de retalhos e, como se não bastasse, curta e incapaz de cobrir a maioria dos moçambicanos que ficam inescapavelmente com os pés, tronco ou cabeça de fora, geralmente, em associação a equidistância dos círculos dos poderes para cada um.

 

Por mais que insistamos em regabofes de "visibilidade" nos maiores hotéis da capital, em celebrações de acordos de compromissos de exploração de recursos naturais nas bacias do Rovuma e de outros lugares mais, o essencial não está nas exibições tacanhas do que vamos entregar a predadores económicos que mal se compadecem com a nossa autoinfligida miserabilidade.

 

Apostar no avacalhamento dos recursos naturais, como estratégia de encaixe financeiro para conferir alguma liquidez e alento de ocasião, que aparente aliviar o sufoco nos desertos que ainda teremos que atravessar, não passa de levianos actos de oportunismo, sem genuíno  compromisso com o todo e com as gerações vindouras, para não falar destas que inescrupulosamente se digladiam.  Mais grave ainda é retomar negociatas e roteiros obscuros de utilização de recursos naturais que, em princípio, são de todos os moçambicanos e que deveriam servir aos melhores interesses e propósitos do país, a meio de uma salada de inconfessáveis desvios, como são as maracutaias das fatídicas dívidas, outrora ditas ocultas.

 

É claro que o país não deve parar até que estejam criadas condições ideais para avançar-se  em qualquer direção. Na farta sabedoria popular, é lugar comum que o caminho se faz caminhando.  Mas não nessa direcção! Uma das mais importantes partes dessa caminhada estaria em criar condições para que tenhamos mais inclusivas e consistentes deliberações sobre as formas de capitalização dos recursos naturais (e porquê não socioeconómicos e culturais) de que dispomos, particularmente na actual conjuntura de evidente erosão da significância do Estado.

 

Quando o Estado e Governos precedentes e subsequentes se confundem com indivíduos, indiciados, suspeitos, bandidos e detidos, da cúpula ministerial à presidencial, é caso de dizer-se que estamos em estado de sítio. Encalhados e encurralados nas teias das arquiteturas políticas que nós mesmo armamos, muito antes da barbárie em que embarcamos com essa história de construir um quarto andar, com este perfil de timoneiros políticos que o partidão escolheu.

 

Confesso que já não consigo descortinar vestígios identitários com essa entidade que um dia foi, expressou-se e agiu como reservatório de talentos e idoneidade engajados na mais positiva competição pela apresentação da melhor prestação individual e colectiva nos diferentes sectores. Ainda que tenhamos estado em permanentes conflitos e confrontos, nem sempre fomos reduzidos, como coletividade, aos piores exemplos de cultura política e governamental, de e sobre nós mesmos. 

 

Se, em entrevistas, líderes políticos reconhecem que o fuzilamento era parte da praxe político partidária, as ressalvas conjunturais e escolhas ideológicas podem ser invocadas para dizer que nessa altura, era o prato que lhes era dado a servir, até como reflexo de vivências e experiências de onde, de empréstimo, tomavam tais preceitos ideológicos e práticas.

 

Hoje, tendo em conta os níveis de abertura, exposição e conhecimento sobre os conteúdos intrínsecos às diferentes opções ideológicas e de governação, não faz nenhum sentido que estejamos piores que nos períodos mais negros da nossa história recente. Tribunais populares, ainda que fossem só de nome, campos de reeducação, nas ignóbeis tragédias que representaram, começam a deixar de equipara-se com o terrorismo aleatório instaurado nesta conjuntura que se poderia considerar mais informada, consciente e exposta aos valores, termos e possibilidades de convivência em espaços assumidos democráticos.

 

Se antes vivíamos em tempos de incertezas controladas, em que "rusgas" e "denúncias" poderiam ditar sinistras jornadas e imprevisíveis destinos dos indivíduos,  hoje confrontamo-nos com situações de imprevisibilidade acrescida para os que duma ou doutra forma se engajam em causas de interesse colectivo à margem da bênção do partido que confunde o Estado consigo mesmo.

 

Assim foi com Gilles Cistac, pelo "crime" de argumentar em torno da possibilidade de introdução de autarquias de múltiplos níveis, agora materializadas com a instituição das autarquias provinciais, para as quais partidos estabelecidos e nem tanto, concorrem no presente pleito eleitoral.  Assim foi com uma dezena de militantes do mais expressivo  partido na oposição. Assim foi com indivíduos que simbolizam o livre pensar, como José Macuane e Ericínio de Salema. Assim também foi com Anastácio Matavel, pacato cidadão que se desdobrava, nos interstícios da "política desinteresseira", em promover noções de consciência cívica, direitos e deveres dos cidadãos.

 

Muito para além das nossas zonas de conforto de onde teorizamos e filosofamos cidadania, indivíduos como Matavel, estão na linha da frente na árdua tarefa de contribuir para a inscrição e materialização dessas tão caras noções e valores de democracia e cidadania no imaginário social, enquanto a educação não chega para todos e enquanto tais princípios e valores não se tornam tão elementares e suficientemente banais e generalizados  a ponto de serem classificados como "cultura política nacional".

 

Às vésperas de mais um pleito eleitoral, cá estamos nós,  "a abeira dum ataque de nervos"  incertos sobre os perfis dos candidatos presidenciais e/ou "cabeças de lista" que, a serem eleitos, irão representar-nos. Das estrelas e pulhas que compõem os elencos partidários propostos para as assembleias provinciais e nacional, mal falamos, com excepção de isoladas figuras por ousarem atravessar fronteiras que cativas lealdades partidárias mal as reconhecem fictícias e voláteis. Para a santa inquisição, é sacrilégio vestir bandeiras de cores outras, para além da vermelha, presumida guardiã da "generosidade" e, simultaneamente,  que se presta à penosa tarefa de vigiar os "eunucos" e  castrar qualquer, possibilidade de regeneração. Que delírio!

 

Na "recta final", cá estamos. Entre pobres manifestos e ostensivas manifestações, a campanha eleitoral traduziu-se em exaltações de fotogenia, fechamento e aberturas angulares de camearas, para além de um inenarrável número de mortos, potencialmente evitáveis, não fosse a obsessão megalómana em fazer vincar grandezas partidárias que, mesmo com intimações e transferências punitivas de funcionários públicos para lugares distantes das suas estruturas familiares, não passaram de formas de expressão lúdica e recreativa.  Aos estrategas de plantão recomendaria, vivamente, o abandono da obsessão pelo impressionismo ondulado, que nesta campanha, confundiu-se com onda de sangue.

 

Surpreendentemente, as fragilidades e fragmentações dos azuis, ainda que levantem celeumas sobre a sua viabilidade como partido-governo, os níveis de insatisfação com o actual partido governante, bem como o descrédito sobre a sua capacidade de "purificação das fileiras" terão contribuído para  uma expressiva mediatização de alguns dos seus porta bandeiras.  Notória foi a entrada dos filhos e sobrinhos dos chefes nas linhas de frente das campanhas, prestando-se ao necessário papel de subverter os estereótipos das lealdades partidárias. Na sua aparente banalidade, não poderia haver melhor recurso de humanização do outro, e do "relaxamento", usando a linguagem parlamentar, da tradição de desumanização da oposição, qualquer que seja. O artificio da mimetização fotogénica dos rebeldes e revolucionários, a la Che e /ou a la Malema, com direito a "sungura music" parece ter contribuído para apimentar alguns desses espetáculos que, permearam a prestação de quase todos os partidos concorrentes. As diferenças de proeminência e visibilidade, ficam ao cargo das diferenças organizacionais e da pujança do capital financeiro ou capacidade de usufruir, indevidamente, dos recurso do Estado.

 

Ainda que seu líder não aparente estar a baixar a crista,  um dos mais articulados e coerentes candidatos desta maratona, o aparente declínio do partido do galo parece ilustrar, não apenas a reconfiguração de forças no cenário político nacional e soa como uma última performance de um proeminente actor político cujas escolhas e fluxo dos acontecimentos terão desgastado parte do seu capital e limitado as probabilidades de triunfo, pelo menos aos patamares de escala nacional.  Como se tivesse que carregar o carma pela imperícia na lide com gigantesco finado edil de Nampula. Pelo que leio, talvez a memória do seu muito honroso mano a mano com o ciclone Idai poderá salvar-lhe a honra.

 

Enfim... vão-se os anéis, ficam os dedos, que se esperam mais prestativos aos tocar a tinta indelével, riscar em papéis e  inebriar-nos em vaga sensação de escolha. Em qualquer que recaiam as nossas, vossas escolhas, o processo eleitoral,  descredibilizado que é, ainda é o legítimo caminho para comunicar e, eventualmente, inscrever as nossas aspirações alto e bom tom. A meio de sistémicos desencontros, que não percamos de vista que, por enquanto, Moçambique é feito e se faz com estes mesmos trapos, uns mais desgastados que outros, uns menos briosos que outros, mas que, se levados à sério, podem ser capitalizados para continuarmos a costurar essa colcha de retalhos que, ainda que não nos baste, cobre-nos como dá.

 

Aos arruaceiros, vestidos a rigor ou não, aos ladrões de votos e urnas, tenho a dizer que têm mais uma preciosíssima oportunidade de se redimirem, no dia 15 e período subsequente, fazendo a coisa certa e deixando que as consciências, vontades e liberdades de todos os moçambicanos fluam e sigam o seu curso, como é de dever, como é de direito. 

segunda-feira, 14 outubro 2019 07:10

Ficas pelo peixe com legumes?

Hoje é dia de reflexão. Dia de pensar o que queremos para o nosso futuro e, principalmente para o dos nossos filhos. Já dizia Samora Machel que “as crianças são as flores que nunca murcham”. E é verdade. Há 44 anos, quando Moçambique ficou independente, a par com outros países de expressão portuguesa, muitos de nós éramos essas crianças. Hoje, depois de já termos uma história para contar às nossas crias, somos nós que decidimos. E decidir votar é a melhor opção. É participar numa sociedade que queremos mais justa, mais ecológica e mais transparente.

 

Lembro-me de uma campanha publicitária, há 10 anos atrás, que incentivava os moçambicanos a irem às urnas. Fazia uma paródia em relação àquilo que chamamos: mais do mesmo. O comer peixe com legumes e estar sempre a reclamar. Essa campanha foi um dos motores que me levou a votar com mais afinco nesse outubro de 2009. Estávamos a viver uma nova era, com o aparecimento de uma terceira força política e a esperança de que tudo ia mudar. Que os partidos se iriam esforçar para um futuro melhor para nós todos. Hoje temos quatro candidatos à presidência. E que mais?

 

Agora, sem o poder da clarividência, mas com as marcas da experiência, olho para trás e vejo que tudo piorou. Temos um país na banca rota, altos níveis de corrupção e os raptos e a violência agudizaram na Pérola do Índico. Decidiu, quem pode, evacuar as suas crianças para fora do país. E o nosso sonho em 2009?

 

Tudo bem que agora temos um novo cartão postal, a ponte. Temos mais marcas de cerveja, o pandza juntou-se à política e o tseke ficou na moda. Mas acredito que ninguém queria que o metical desvalorizasse vertiginosamente, que milhares de crianças continuem sem escola, porque Moçambique não é Maputo. Ya. Ninguém queria que inocentes continuem a ser assassinados, porque estão a “incomodar”. Que as fake news “matem” o Azagaia na véspera das eleições, como que um sinal de que temos de andar na linha. Ninguém quer ter medo de se expressar e lutar por um país melhor e viver, aos 40 anos, sem opção.

 

Por isso, e por tudo mais, vamos votar manas e manos. Vestir a camisola do poder de decisão e contribuir para que o nosso futuro, as crianças, aprendam a cuidar do nosso país e cresçam com sentido de justiça.

 

Nada de ficar em casa. Lembrem-se como foi há dez anos.

segunda-feira, 14 outubro 2019 07:08

O partido que falta!!!

Esta campanha eleitoral mostrou que Moçambique tem espaço para um quarto partido de dimensão nacional. O MDM vai consolidar-se como a terceira força nacional e este é o grande mérito dos Simangos. Depois de derivas de estômago, de desafectos localizados, de tiques despóticos e nuances de nepotismo, Daviz consegue carregar a máquina no dorso da sua férrea ambição, não necessariamente pela Ponta Vermelha, mas pelo acesso às rendas que o negócio da politica proporciona em Moçambique.

 

Mas o país precisa de uma alternativa à Frelimo e à Renamo. E o MDM já provou que não é. O PODEMOS foi um lapso no tempo e a Nova Democracia uma efêmera proposta tachista do Salomão Muchanga. Há tambem o AMUSI, que decidiu confinar-se em Nampula.

 

Samora Machel Júnior era a esperança dessa quarta força pois ela deve necessariamente ter origem num certo "breakaway" na Frelimo, tal como o MDM resultou duma certa dissidência na Renamo. Ele se recusou a avançar e muitos eleitores ficaram órfãos de uma proposta política mais moralizante, mais responsável para com o bém público e que, em vez de passeatas com promessas com sexos dos anjos, apresentasse medidas de política comcretas para viabilizar Moçambique, dentro de um marco ideológico de esquerda.

Essa ausência vai certamente explicar a grande taxa de abstenção que prevejo, beliscando a legitimidade dos que forem eleitos. Até quando?

O assassinato bárbaro do activista social Anastâcio Matavel pelas mãos de membros do Grupo de Oprações Especiais confirmou a existência dos famigerados esquadrões da morte no seio das próprias Forças de Defesa e Segurança.

 

Vai daí que a hierarquia policial decidiu criar uma Comissão de Inquérito para apurar a verdade dos factos. À partida, parece ser essa uma medida louvável mas seria tamanha ingenuidade da minha parte chegar a essa conclusão.

 

A criação dessa Comissão do Inquérito parece-me problemática. Acho ser crucial questionar a sua composição: todos os integrantes dela são membros da Polícia da República de Moçambique. A pergunta que não cala é como é que a Polícia se pode auto-investigar, sobretudo, porque membros da corporação praticaram um crime hediondo.

 

Neste sentido, parece-me que uma saída seria ou de se constituír uma Comissão de Inquérito mista ou um Comissão de Inquérito independente. A PRM não tem credibilidade para ser árbitra onde já é jogadora. Até porque há muito que ela é sistematicamente acusada de abrigar esquadrões de morte no seu seio, sem que houvesse uma resposta célere e transparente para abordar as acusações. Se desta vez ela decidiu agir, é provavelmente porque foi apanhada com a mão na botija.

 

Sendo assim, como é que ela pode ser objectiva, ou melhor, como é que a Polícia pensa que poderá convencer a sociedade moçambicana de que o inquérito será conduzido de forma objectiva? É que se ela já foi acusada de abrigar esquadrões de morte e nunca se pronunciou sobre isso, ou se fê-lo, foi para desmentir as alegações, vai ser difícil convencer os moçambicanos de que fará uma investigação rigorosa e pormenorizada.

 

A razão disso é que não parece que os assassinos estivessem a agir fora de uma sub-cultura de abuso de autoridade, corrupção e impunidade. Esta não é uma percepção da realidade, mas aparentemente é a própria realidade no seio da Polícia. É verdade que não se pode acusar toda a polícia de corrupta e criminosa, mas os corruptos e criminosos dentro dela têm tanta influência sobre como a sociedade a vê, que a inferência é de que ela é corrupta e criminosa.

 

Sendo que, para a corporação afastar qualquer suspeita de que o inquérito resultará num encobrimento e impunidade para os mandantes do crime, seja necessário ou adiconarem-se juizes e criminologistas ou criar-se uma totalmente independente da corporação.

 

A termos uma opção enquanto sociedade, a segunda seria melhor para garantir independência visto que não haveria uma ligação hierárquica entre os investigadores e a Polícia; seria adequada porque teria o potenticial de juntar todas as evidências para determinar quem mais esteve envolvido e quais foram as motivações e sugerir recomendações; também seria transparente porque os procedimentos e a tomada de decisões seriam conhecidas; entre outros. Crucialmente, essa Comissão de Inquérito independente devia ter o poder legal de forçar a corporação a cooperar com a investigação.

 

Este seria um primeiro passo para se expurgar as maçãs podres da corporação – o ideal é que tal Comissão fosse percurssora de uma instituição independente para investigar os abusos e cultura de impunidade no seio da Polícia. A PRM já teve tempo mais do que o suficiente para se reformar e já é altura de se lhe dar uma ajudinha nesse sentido: precisamos de um organismo independente similar ao Provedor de Justiça, mas com dentes para morder, de modo a que monitorar as actividades da nossa Polícia.

 

A longo termo, a medida seria benéfica para a própria corporação porque melhoraria os padrões de desempenho dos agentes, levaria a Polícia a agir com maior transparência e accountability. Afinal, a nação quer ver uma PRM mais protectora dos direitos humanos dos cidadãos, mais próxima ao povo, e mais firme e implacável no combate ao crime.

 

Só uma Polícia que é responsabilizada, respeita e protege os direitos humanos será capaz de construir boas relações com as comunidades, e posicionar-se melhor na prevenção e combate ao crime. Sendo que, os esquadrões de morte não caberiam nessa Polícia.