Acabo de falar ao telefone com Sangare Okapi, e ele recorda-me um verso que me remete ao silêncio: não me aguarde, basta que penses em mim. Outro verso perturbador já o tinha ouvido de Fernando Manuel: agora vivo de sons. Na verdade, Fernando não tem outra escolha senão aceitar este futuro que já encara de frente, com palavras sem fim em formigueiro nas mãos trémulas queimadas pelo tabaco. Ele está apressado em lançar toda essa enxurrada depositada no sentimento mais profundo, porque o tempo que tem pela frente é inesperado.
Quando nasceu não sabia de nada, mas já estava escrito que tudo consumar-se-ia na pesada penumbra. Quer dizer, a cegueira, cansada de esperar na vigília furtiva iniciada no ventre da sua linda mãe, abateu-se – mais de seis décadas depois - com estrondo sobre um cronista que agora respira entre os sopés e os cumes. Sem saber exactamente o que pensam as pessoas à sua volta, porque não vê o rosto delas. E o rosto, segundo o poeta, é um pouco a janela da alma.
Estou sentado frente a frente com Fernando Manuel na sala do seu apartamento na Avenida Guerra Popular, em Maputo, onde vários charcos de mijo espalham-se por um município fedorento. Onde os cheiros nauseabundos são exaltados pelas canções repetidas no silêncio dos dementes desmazelados, que gozam a liberdade infindável oferecida pelas velhas acácias. E pela rebeldia dos meninos de rua que não sabem para onde vão. Nem de onde vêm os ventos frios que varrem seus ossos nas noites e nas madrugadas.
Há muito que não nos víamos, e ele nunca mais há-de me ver. Mesmo assim não me compadeço com o cego que está à minha frente, apesar de saber que estes olhos grandes jamais voltarão a vislumbrar a cor das manhãs. O que me arrepia porém é que o cronista parece escutar-me com esses mesmos globos oculares ora escurecidos. Já não é o mesmo homem que conheci, que saía a correr da Redacção para trazer a reportagem inadiável, posteriormente burilada com saber. Já não é aquele boémio incapaz de controlar a boca que ao mesmo tempo bebia e dava azo às bojardas que só ofendiam a quem não entendesse efectivamente os tecidos da vida.
Fernando Manuel agora é um personagem resignado perante todas as derrotas infligidas pelos desfiladeiros íngremes calcorreados um a um. Passa a vida a escutar Rádio e a ouvir música, como se isso fosse lhe devolver a pujança dos músculos. Qual! O que lhe sobra é alma. E as palavras que lhe alagam as mãos. Em turbilhão.
A nossa conversa rodopia em torno do eixo do passado. É o próprio Fernando Manuel quem assim o diz, lá para frente não há nada. Tudo começa daqui para trás. Ou da trás para aqui. Aqui é o limite. É aqui onde terminam todas as paródias. Pior quando não há vinho por sobre a mesa. A vida torna-se um muchém de sal insípido, como se transformou a mulher de Lote, libertada de Sodoma e Gomorra.
É isso: a iris do Fernando Manuel perturba-me. Parece inquirir-me. E eu digo assim ao meu amigo, vou trazer-te um par de óculos escuros para esconderes esses olhos de águia em fúria, porque já não servem para nada. E ele responde-me assim, os olhos da águia são a tónica máxima da liberdade. Depois da águia não há outro animal. Ou seja, na audácia da águia está a audácia de Deus.
Assim que o governador de Nampula fugiu do palácio, por causa de ratos, e refugiou-se no Hotel Plaza como fica a sua segurança? Será que vão interditar a passagem no passeio do lado do hotel? É que normalmente não é permitido andar no passeio do palácio por questões de segurança. Ou seja, em Nampula o governador tem o seu passeio privado.
Espero sinceramente que esta estadia no hotel faça perceber que ninguém quer matar o governador. E se houver, não fará a partir do passeio. O governador vai perceber que pode dormir, sonhar, e fazer-tudo, sem interferência de ninguém.
Outra curiosidade interessante é o serviço protocolar. Aqueles carros com sirenes vão continuar? É que o Hotel Plaza, a actual residência do governador, fica na varanda do gabinete dele. Ou seja, ali nem dá para entrar no carro.
Última curiosidade: o governo da província de Nampula não tem uma casa protocolar que pudesse acolher o governador nesta situação pontual de fuga? Aquelas casas ditas "presidência" não podem acolher o governador por uns dias? Ou seja, não havia outra opção?
Se está moda de exilar-se nos hotéis pegar, sei não! Estão a imaginar o governador, o secretário de estado, o secretário permanente, o edil, o director, o vereador, etecetera, alojados em hotéis por causa de ratos ou mosquitos ou mesmo calor?
- Co'licença!
No passado dia 8 de Maio corrente, a África do Sul foi às urnas para eleger os 400 deputados para a Assembleia Nacional (AN) e membros das assembleias provinciais (AP) para as nove províncias do país, nomeadamente pela sexta vez desde a libertação do carismático Nelson Mandela. Diferentemente de Moçambique, na África do Sul não há eleição directa do Presidente da República: este é eleito pela Assembleia Nacional, de entre os 400 deputados. Geralmente, o presidente é eleito do partido com maioria parlamentar, sendo, comumente, seu líder e/ou cabeça de lista.
Um total de 48 partidos políticos estiveram na corrida para a AN. O número de partidos concorrentes para as AP varia de província em província, assim como o número de membros da AP, que varia de acordo com o tamanho da população de cada província, sendo a mais pequena AP composta por 30 e a maior por 90 membros.
Há alguma semelhança com Moçambique em relação a como os deputados da AN são eleitos: o uso do sistema proporcional de lista fechada, com as províncias formando os círculos eleitorais. O sistema eleitoral é também o mesmo para a eleição dos membros das assembleias provinciais. Portanto, na África do Sul cada eleitor recebe dois boletins de voto: um para a escolha do partido para a AN e outro para o partido para a AP.
Foram 17.671.616 de eleitores que se fizeram às urnas, dos 26.779.025 recenseados, o que correspondente a 65.99% de participação, representando uma descida, quando comparado com os níveis de participação (73.48%) nas eleições gerais de 2014. Até às eleições de 2014, a África do Sul apresentava níveis altos de participação na região da SADC; por isso, esta descida deve constituir preocupação regional e um alerta a países como Moçambique, Malawi e Botswana para tudo fazerem para maior mobilização do eleitorado. Dentre estes países que irão às urnas antes do final de 2019, Moçambique está em melhor posição em relação às facilidades de, potencialmente, fazê-lo, , uma vez que está na fase de recenseamento dos eleitores. Uma maior mobilização do eleitorado para se recensear, principalmente em zonas afectadas pelas calamidades naturais (ciclones, Idai e Kenneth, em particular), pode ser um passo significativo para o aumento dos níveis de participação.
O que dizem os resultados eleitorais
Não há nenhuma surpresa significativa. O partido libertador, o Congresso Nacional Africano (ANC), recebeu 57.50 % do total dos votos, a nível nacional, o que lhe confere uma maioria parlamentar, com 230 deputados. Este resultado não é muito celebrado entre os comrades[1], porque revela o agudizar da descida de popularidade do seu partido, descida essa que começou nas eleições de 2009 quando o ANC baixou dos 69.69% que tivera nas eleições de 2004, para 65.90%. Nas eleições de 2014 a sua popularidade nas urnas veio a baixar ainda mais, nomeadamente para 62.15%.
Existem várias possíveis explicações para a descida de popularidade deste partido histórico, desde os conflitos internos que dividem os membros próximos do antigo presidente Jacob Zuma dos do presidente Cyril Ramaphosa, muito facilmente visíveis mesmo no Congresso de 2017, quando Ramaphosa derrotou Nkosazana Zuma e ficou com a presidência do ANC. Segundo, a percepção de que o ANC, na pessoa de Zuma, abriu espaço para a captura do Estado, associados às denúncias de corrupção de alto nível, certamente terá contribuído de alguma forma. Terceiro, há também uma visível frustração dentre os apoiantes tradicionais do ANC, os mais desfavorecidos, que acham que o ANC se esqueceu deles. A campanha eleitoral para estas eleições foi caracterizada por múltiplas manifestações populares de rua, exigindo melhoria da prestação dos serviços públicos.
Certamente que o ANC estava ciente de que a colheita eleitoral de 2019 não seria das abundantes, a olhar para os resultados obtidos nas autárquicas de 2016, onde chegou a perder o controlo de grandes cidades metropolitanas como Joaneburgo, Tswane (Pretória) e Nelson Mandela Bay. Se o ANC fez uma reflexão e operou alguma mudança para corrigir a percepção negativa depois das eleições locais, então não foi suficiente para recuperar a sua imagem eleitoral.
O descontentamento dos membros do ANC com o desempenho do Governo do ANC terá também contribuído para a subida da abstenção. Em teoria, eleitores insatisfeitos com o desempenho do governo tendem a punir o partido governante votando para partidos da oposição. Mas um estudo feito na África do Sul mostra que os apoiantes do ANC preferem mostrar sua insatisfação ficando em casa, do que dar o seu voto a outros partidos.
Os conflitos internos no partido da Aliança Democrática (DA), que culminaram, de resto, com a saída de Patricia de Lille, quadro sénior do partido e antiga Presidente do Município da Cidade do Cabo entre 2011 e 2018, terão afectado negativamente o desempenho eleitoral do DA, a nível nacional. Um membro sénior do DA, Solly Msimanga, antigo Presidente do Município de Tswane, reconheceu que a maneira como o DA lidou com a ‘Questão De Lille’ terá penalizado o partido nas urnas. De Lille formou um novo partido, o Good, um dos debutantes, mas que conseguiu assegurar dois assentos na AN. DA desceu dos 22.23% conquistados nas eleições de 2014 para 20.77%. A olhar-se para os números e para as características dos partidos, o mais provável é que os cerca de 1.5% de eleitores que o DA perdeu se tenham distribuído entre o Partido Good e o VF-PLUS. Este último é um dos partidos que pode cantar victória, ao ter conseguido uma subida dos 0.9% em 2014 para 2.38%.
O partido de Julius Malema, o Economic Freedom Fighters (EFF), foi o terceiro mais votado. EFF conseguiu a mais alta subida de todos os partidos, dos 6.35% de 2014 para 10.79%. Contudo, a expectativa que se havia levantado sobre o desempenho do EFF faz com que este resultado não seja euforicamente celebrado. Em campanha eleitoral, com recurso ao uso agressivo dos media sociais, o EFF fez passar aos cidadãos sul-africanos a mensagem de que era desta vez que destronava o histórico ANC.
A questão da expropriação da terra e sua devolução aos seus “legítimos proprietários”, os negros, para corrigir os erros históricos, foi sempre o pendão discursivo do EFF. Contudo, um pouco mais de um ano antes das eleições, o ANC afogou o protagonismo do EFF, mormente quando puxou para si, a nível do parlamento, o debate sobre a questão da necessidade da correcção dos erros do passado, com a devolução da terra. Esta viragem do ANC terá, sobremaneira, influenciado os resultados do EFF.
O partido de Mangosuthu Buthelezi, o Inkatha Freedom Party (IFP), também conheceu uma ligeira subida de cerca de um porcento (de 2.40% em 2014 para 3.38% em 2019). Este é um partido predominantemente regional, de KwaZulu Natal, terra natal do presidente Zuma. Curiosamente, nesta província o IFP evoluiu dos 10.86% para 16.34 % e o ANC regrediu cerca de 10%, dos 64.52% para 54.22%. O mais provável é que alguns membros do ANC, a nível de KwaZulu Natal, que não tenham gostado da forma como os dossiers Zuma, Nkandla e Guptas foram tratados, tenham preferido apoiar o IFP.
Lições para Moçambique
Nenhuma democracia terá jamais uma eleição perfeita. O processo eleitoral ora terminado no país vizinho também teve alguns desafios, desde acusações de fraca qualidade da tinta indelével, um elemento importante para a garantia da integridade do processo, o que resultou em tentativas de múltipla votação. Há evidencias de que algumas urnas foram encontradas em lugares indevidos. Algumas assembleias de voto abriram tarde e poucas não abriram, em resultado de bloqueio pelos protestantes. Por causa destes e outros problemas, um número significativo de pequenos partidos juntou a sua voz para exigir a anulação total do escrutínio, enquanto outros pediam a realização de uma auditoria aos resultados. No entanto, o nosso enfoque aqui é para o que correu bem e que pode servir de lição para Moçambique.
A primeira lição a copiar é a estratégia usada pela comissão eleitoral (IEC) para mobilizar os jovens. Apesar da subida dos níveis de abstenção a nível nacional, e embora não haja ainda dados desagregados por idade, existe a percepção de que a estratégia do IEC e dos partidos para a mobilização de eleitores que iriam votar pela primeira vez e os jovens nascidos depois do fim da era do apartheid (os born free) foi um sucesso. A campanha de educação cívica lançada em Janeiro, o X SÊ, foi muito bem elaborada e abrangente. Há muito a aprender deste sucesso, assumindo que os abstencionistas são a camada jovem.
Segundo, uma experiência que mostra resultados positivos na prevenção e gestão de conflitos é a existência do Party Liaison Committe[1] (PLC). O PLC junta todos os partidos políticos a todos os níveis. Se um conflito eclodir a nível do distrito, o PLC reúne-se e em conjunto com o IEC a esse nível delibera e resolve o conflito. O mesmo acontece a nível provincial e nacional. Os encontros regulares para discussão de várias questões e partilha de informação, funcionam como elemento importante na prevenção de conflitos. A CNE tem efeito esforço importante para realizar encontros regulares com as partes interessadas, mas a existência deste órgão seria uma mais valia para a credibilidade dos processos eleitorais. Pode-se perceber que o modelo já existe em Moçambique, uma vez que os órgãos de gestão eleitoral são compostos de membros de partidos, mas a exclusão de partidos extraparlamentares e os mecanismos de funcionamento são diferentes.
Terceiro, a África do Sul registou apenas 235;472 votos nulos, cerca de 1.3% do total dos votantes. Este não é resultado do acaso. O boletim para a eleição da AP tinha 48 partidos, uns com nomes, cores e símbolos próximos dos outros. Para além dos níveis satisfatórios de educação do eleitorado sul-africano, há que reconhecer o papel do IEC e dos partidos políticos na educação do seu eleitorado, um exemplo a seguir.
Quarto, depois de uma campanha eleitoral violenta, com protestos e conflitos intra e inter-partidários, o dia de votação e todo o processo de contagem e transmissão de resultados foram, no geral, calmos e pacíficos. É preciso procurar saber o que ditou esta paz. Não restam dúvidas de que houve uma grande colaboração entre todos os stakeholders, com enfoque para as forças de segurança, que, duma forma imparcial, trabalharam a todos os níveis. A polícia nunca deve, pois, trabalhar em favor de um determinado partido, como tem acontecido em Moçambique.
Quinto, há que reconhecer a celeridade na transmissão dos resultados. As urnas abrem das 7horas da manhã até às 21horas, e a contagem começa imediatamente. Até à meia noite do dia de votação os resultados já começavam a chegar ao centro de operações nacional (ROC) depois de ter passado pelos ROC provinciais. Isto permitiu que os resultados fossem anunciados três dias depois da votação. No modelo moçambicano os resultados estariam ainda a ser agregados a nível do distrito. Em África, é a demora que leva, em grande medida, à eclosão de violência eleitoral, porque os eleitores perdem a confiança no processo. Há que pensarmos numa possível revisão da legislação eleitoral para nos aproximarmos aos patamares do gigante eleitoral que é a África do Sul.
Por último, a África do Sul conduziu o processo eleitoral com uma transparência invejável, com recurso ao uso de Tecnologias de Informação e Comunicação, facilitado pela pujança de infraestruturas físicas, electrónicas e recursos financeiros. Os painéis electrónicos gigantes montados no ROC central faziam a actualização dos resultados a cada 10 minutos, fazendo-se o mesmo na página web do IEC. Moçambique está longe de fazer algo próximo do que vimos na RSA, mas é de encorajar a CNE e o STAE para consolidar a iniciativa iniciada e interrompida no meio nas eleições autárquicas de 2018, para que os eleitores, os partidos concorrentes e todas as pessoas interessadas possam acompanhar os resultados. O benefício disto é que se evitam desconfianças e torna-se o processo mais transparente e credível.
*Pesquisador do Eisa-Moçambique. O artigo foi publicado hoje no boletim semanal daquela organização, versando o processo eleitoral em curso em Moçambique.
Começamos, saudando a solidariedade internacional. Da parte das Nações Unidas, de suas agências no campo ou de grandes ONG’s, a ajuda não demorou a chegar ao Zimbabwe, Malawi e, especialmente, a Moçambique, devastado pelo Ciclone IDAI, em Março passado. Mas, enquanto um novo Ciclone Tropical, Kenneth, atingiu, novamente, a costa oriental de África, com uma intensidade um pouco menor (previa-se que a intensidade fosse maior, mas enfraqueceu ao aproximar-se à costa), não podemos deixar de notar uma parcela de culpa em toda esta solidariedade.
Moçambique está de joelhos. Atingido pelo que está sendo considerado o pior ciclone do hemisfério sul, viu sua segunda maior cidade, Beira, praticamente apagada do mapa. E como as tempestades tropicais não conhecem fronteiras, IDAI também causou mortes no Zimbabwe e no Malawi. Mais de mil pessoas morreram e dois milhões foram afetadas, sendo 1,8 milhões só, em Moçambique. Os danos causados pelas inundações e rajadas de vento custarão à região mais de US$ 2 bilhões, segundo o Banco Mundial.
Para os pesquisadores, não há dúvida de que a alternância de episódios ciclónicos e de secas que atingiu a região, nos últimos anos, está diretamente ligada às grandes variações de temperatura resultantes das mudanças climáticas. A ironia é que Moçambique e os seus países vizinhos produzem apenas uma pequena fração das emissões mundiais de dióxido de carbono. África é o continente menos responsável pelo aquecimento global: apenas 3,8 por cento das emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa, contra 23 por cento da China, 19 por cento dos Estados Unidos e 13 por cento da União Europeia.
A cidade de Beira não é um caso isolado. Secas prolongadas, inundações repetidas, diminuição dos rendimentos agrícolas, acesso cada vez mais limitado à água: o aquecimento global já mostra os seus efeitos em África. E estas catástrofes naturais aumentam o risco de insegurança alimentar e de crises sanitárias. Basta olhar para os casos de cólera que surgiram, em Moçambique, após a passagem do IDAI e do Kenneth.
Nas zonas rurais, a sobrevivência está em jogo com o desaparecimento de culturas inteiras. As populações urbanas também estão na linha de frente. As elevadas taxas de natalidade e o êxodo rural fazem com que 86 das 100 cidades com crescimento mais rápido no mundo estejam em África. E que pelo menos 79 delas – incluindo 15 capitais – estejam enfrentando riscos extremos devido às mudanças climáticas, de acordo com a consultoria de riscos Verisk Maplecroft.
Além disso, as catástrofes naturais acentuam a pobreza e a desigualdade e alimentam os conflitos. A pobreza extrema continua a aumentar em África Subsaariana, ao contrário de todas as outras regiões do mundo. Se nada for feito, a região poderá ser responsável por 90 por cento das pessoas que vivem com menos de US$ 1,9 por dia até 2050, alerta o Banco Mundial. A infra-estrutura pública e os mecanismos de resposta às catástrofes são insuficientes e inadequados. Os 13,2 milhões de habitantes de Kinshasa (capital da República Democrática do Congo), por exemplo, têm sido regularmente afetados por inundações.
Para estarem mais bem preparados, é urgente que os estados africanos disponham de mais recursos. É certo que a cobrança de impostos melhorou no continente, passando de 13,1 por cento, em 2000, para 18,2 por cento, em 2016, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Este valor, porém, permanece muito abaixo das médias da América Latina (22,7 por cento) ou dos países da OCDE (34,3 por cento). Mesmo quando não são corruptos, os governos não dispõem dos recursos necessários para se contrapor às estratégias cada vez mais sofisticadas e agressivas das multinacionais para evitar os impostos. África perde entre 30 e 60 bilhões de dólares por ano, segundo estimativas muito conservadoras da Comissão Econômica para África das Nações Unidas e da União Africana. Isto é muito mais do que o montante da ajuda internacional.
Em todo o mundo, as pessoas estão chocadas com os escândalos fiscais expostos por investigações governamentais e de outras entidades. Nos Estados Unidos, por exemplo, um relatório recente revelou que 60, das 500 empresas mais lucrativas do país, incluindo Amazon, Netflix e General Motors, não pagaram impostos, em 2018, apesar de um lucro acumulado de US$ 79 bilhões. O impacto nas finanças públicas é ainda mais preocupante em África, onde os impostos sobre as empresas representam 15,3 por cento das receitas públicas, contra apenas 9 por cento nos países ricos.
Após anos de silêncio, a OCDE admitiu recentemente a necessidade de questionar o sistema que permite que as empresas declarem os seus lucros onde quiserem, a fim de se beneficiarem, legalmente, de taxas de imposto muito baixas ou mesmo nulas em paraísos fiscais. Esta é uma mudança, pela qual temos lutado há anos no âmbito da Comissão Independente para a Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT). Os países ricos agora estão também sob pressão do Fundo Monetário Internacional e da ONU, que, nos últimos meses, apelaram a uma revisão dos mecanismos de tributação internacional.
Este é um primeiro passo na direção certa, mas é urgente que os países em desenvolvimento participem activamente no desenvolvimento de novas normas fiscais. O continente africano tem sido a primeira a sofrer com as mudanças climáticas, para as quais contribuiu apenas marginalmente. É tempo de se fazer ouvir a sua voz para que ela possa arrecadar os recursos que lhe permitirão lutar contra os seus efeitos e preparar melhor as suas populações.
Léonce Ndikumana é Professor de Economia e Diretor do Programa de Política de Desenvolvimento Africano no Instituto de Pesquisa em Economia Política (PERI) da Universidade de Massachusetts em Amherst, e membro da Comissão Independente para a Reforma da Taxação Corporativa Internacional (ICRICT).
É criminoso o uso de linguagem ofensiva em público. Sim, em público, porque as redes sociais como o Facebook atingem um público vasto. E as mensagens nelas publicadas são copiadas e enviadas para milhares de pessoas.
Não conheço a Srª Alice Tembe. E não tenho a certeza de que o comentário tenha sido feito por ela. Mas como eleitor e cidadão, não gostaria de ser representado por alguém que se comporte desta maneira.
Então, espero que a AR não fique indiferente e faca imediatamente o seguinte:
1. Averiguar, ouvindo a Deputada e apurar informaticamente de onde foi emitido o comentário publicado no mural de Yola Bernardo.
2. Confirmada a autoria, instaurar processo disciplinar para julgamento, por violação de deveres estatutários.
3. Aplicação da competente sanção (eventualmente a perda do mandato).
Simples e eficaz quanto isto.
A bancada da Frelimo devia tomar a iniciativa, distanciando-se do ignóbil comentário e pedindo até desculpas à jornalista Fátima Mimbiri. Para mostrar um cometimento com a decência, a Frelimo não precisa de fazer muito contorcionismo. Pode marcar pontos com gestos simples que remetem para o civismo e para o respeito do ponto de vista contrário. A sociedade apreciaria!
Em relação ao velho e sempre pertinente debate sobre o reconhecimento da heroicidade de Afonso Dhlakama pelo Estado moçambicano, eu tenho a dizer o seguinte:
O que Dhlakama precisa não é ser herói nem estar na cripta. O que Dhlakama precisa não é ter nome numa avenida ou numa praça. O que Dhlakama precisa não é ser aclamado na Assembleia da República, a mesma assembleia que aclamou as dívidas escondidas - coisa que ele odiou até a sua morte.
O que Dhlakama precisa é de ser seguido por aqueles que o admiram e admiram a sua obra. O que Dhlakama precisa é que a sua obra seja valorizada, reconhecida, difundida e imortalizada por aqueles que o consideram herói.
A heroicidade genuína não depende de consagrações públicas nem de medalhas. A heroicidade genuína não depende de aclamações nem de lápides na cripta. A heroicidade genuína não depende de reconhecimentos do papel.
Quem, de facto, acredita (no seu íntimo) que Afonso Dhlakama é seu herói, então que siga os seus ideais. Que valorize e imortalize a sua obra. Que ressuscite o Dhlakama que mora dentro de si e seja ele o próprio Dhlakama. Dhlakama não é herói de todos. Aliás, não existem heróis de todos. Dhlakama é herói de quem o admira. Heroicidade não se força... não é necessário.
Os verdadeiros heróis não precisam nem de criptas, nem de continências, nem de hinos, nem de passos de camaleão, nem de trombetas, nem de mensagens, nem de hossanas. Os verdadeiros heróis precisam - isso sim - de se alojarem no peito dos seus discípulos para viverem eternamente.
- Co'licença!