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segunda-feira, 18 fevereiro 2019 09:04

Bebida de posse

Os ritos políticos e legais cumprem diversas funções. De instituição, investidura, inscrição e/ou legitimação, além das funções lúdicas e simbólicas que também concorrem para a reificação, no imaginário social, do “teatro político” que dá materialidade às instituições e à praxe que lhes é inerente.


O processo de reificação das funções é fundamentalmente instruído de forma espetaculosa, vistosa e, no nosso caso, com um misto de dramas, exorcismo de ressentimentos interpessoais, de grupos e partidos exacerbados por uma cultura política de colação entre as regras e valores formalizados, temperados com altas doses de “pessoalização” de tais actos políticos e legais. Em peculiares mesclas do público com o privado, indivíduos imprimem estilos próprios nas formas de (des)fazer política. Familiares e amigos à reboque!


A habitual procissão à praça dos heróis “faz a tradição” de confirmação e reprodução de versões de discursos hegemónicos que contribuem para a perpetuação de narrativas históricas e políticas sobre nós (como moçambicanos) e sobre o nosso Estado. As idas e faltas, as falas e calas são também parte desse ventriloquismo de petrificação instrumental de referências e estabelecimentos de vínculos, ativos, entre passado e presente. O aprumo e solenidade com que as nossas “estruturas” comparecem, se mostram ou se esgueiram no cerimonial cumprem os requisitos da prontidão para rituais cuja razão e função é ativar, por meio da solenidade, códigos de legitimação e de perpetuação do lugar dos nossos mitos fundadores, emprestando, à “pátria”, lugares cativos de memória, pretendida linear, colectiva, partilhada e que endure o teste do tempo. Digo mito, no sentido ético do termo e não como meras elucubrações fantasiosas desprovidas de realidade. 


A (in)feliz expressão, ”exaltar a pátria” proferida pelo ex-presidente AEG não estava, de todo descontextualizada. O agora emblemático e simultaneamente anedótico “exaltemos a pátria”, foi vincado na hora e lugar certos, salvo pelo facto de a predisposição dos ouvintes não mais estar em sincronia. Porque as “placas tectónicas sociais” são altamente voláteis, suscetíveis a mudanças de vontades e humores, vários cidadãos reservaram-se o direito de não mais impressionarem-se com os recitais com os quais se pintava e foi pintado, por destacamentos da “guarda pretoriana”, “o filho mais querido da nação”. Se calhar, dadas as circunstâncias, o inverso também possa ser verdadeiro. A esta altura do campeonato, muitos dos que vestiam o manto de “maravilhoso”, como povo, não devem passar de simples e incómodos “apóstolos da desgraça” ou, parafraseando o bem humorado aviador, não passam de ingratos campónios que mereciam boas ferroadas de mosquitos. Onde se viu questionar a ousadia de um “heróico combatente” que nada mais faz senão exaltar a sua pátria!? ”Se a tua pátria for esta, exalta aí e não me azucrina a paciência”! Infere-se da verborreia do “messias da prosperidade”.


Tornar instituições credíveis e perenes é mesmo obra. Vocalizar biografias de heróis e candidatos a isso, como narrativas coerentes, relativamente consistentes ao longo do tempo, demanda passar a verdadeiras provas de fogo (reais ou caricaturadas). De momento, salvo por reviravoltas que deixem meio mundo pasmo, o lago não está para patos e, com este andar, sobre os descaminhos que levaram à "hipoteca da soberania”, capaz um "indivíduo herói" tornar-se inelegível à um apartamento no condomínio da constelação de estrelas e não tomar posse no panteão dos heróis, o que não seria de todo novidade. As narrativas sobre a génese da nossa história heroica é repleta de anti-heróis, reacionários e contra-revolucionários que amargaram o fel da ostracização e das contra narrativas, exibidos como antíteses para a caracterização e distinção entre os “militantes glorificados” e os que carregam o rótulo de “indesejáveis traidores”. Incomoda-me pensar que, um “herói” que se fez na luta armada pela libertação do país possa ter-se desfeito na sua “cruzada contra a pobreza”. Um herói que “não teve medo de ficar rico” (e nem era para ter) e que sempre apregoou um discurso, quase teológico, da prosperidade, consciente ou inconscientemente, se encontre mergulhado em águas turvas. Mas temos “momentum”! Que venha a tempestade e a chuva regeneradora para lavar a alma de “heróis” feitos reacionários e vice-versa. Temos oportunidade única de, a seu tempo, revisitado o divisor de águas, expandir ou contrair a lista de espíritos e fantasmas a invocar quando rememoramos nossos mitos fundadores.


Mas falava de “tomada de posse” antes de, intencionalmente, distrair-me com especificidades sobre heróis e anti-heróis. Atendo-me à vaca fria, os 53 edis eleitos e/ou confirmados pelo Conselho Constitucional também tomaram posse. O espectro dos ritos de posse não poderia ter sido mais claro e mimeticamente reproduzido autarquia municipal a dentro. Na cidade de Maputo assistiu-se ao regresso do esconjurado edil EC, 10 anos depois, como se tivesse atravessado o túnel do tempo, e regressasse de uma longa viagem para clamar seu trono, de certo modo usurpado pelas divergências de forças internas. Qual fénix ressurgindo das cinzas! 


Na Matola, a tomada de posse evidenciou a natureza subtil de conluios, cumplicidades e traições com que se articulam os corredores do campo político. Entre choradeiras e visões de ataques epiléticos no acto de deposição de votos, o partidão “açambarcou” votos de onde menos se esperava e assumiu a presidência da assembleia. O tráfico de lealdades partidárias é, pois, um expediente político acionável, se quisermos conter-nos nos interstícios da ética e das regras de jogo, sem insinuações de “conversas por debaixo de tapetes”. Como reza o adágio, “camarão que dorme... a onda leva”!


A decisão do Tribunal Administrativo (mais escolha que decisão ponderada) de “confiscar” o mandato de MA em Quelimane, serviu apenas para facilitar a montagem do cenário para um regresso apoteótico do “edil ciclista”. O troco não se fez esperar. A meio de uma multidão extasiada, alguém foi declarado “persona non grata” em Quelimane. Não que isso tenha algum efeito legalmente vinculativo, mas empresta o estigma com potencial de ser corroborado pela “multidão” que apoiou MA, podendo ser capitalizado, politicamente, a médio e longo termo. Resiliente e exagerado este MA.


No geral, todos os edis que tomaram posse fizeram seus juramentos de guiar-se pelos motivos de campanha e até abraçar aos que não teriam votado neles. É de praxe. Passemos então à conversão das intenções em práticas, num cenário em que, à partida, deverão todos debater-se com “cofres vazios” e “dívidas astronómicas”. Se não forem problemas de “cofres” será, certamente, a pesada “herança de lixo que precisa ser removido”. O reiterado compromisso dos edis, expresso em estilos próprios, alude à necessidade de vencerem a batalha salubridade. Para uns, todo o lixo sai em 48 horas. Para outros, barbas não serão aparadas enquanto a cidade não vira jardim. Mais do que juras de higiene, questões estruturais, relativas aos alcances e limites do processo de descentralização de competências para as autarquias municipais (e provinciais, à caminho) precisam ser resolvidas, no interesse de viabilizar as autarquias como espaços de exercício de poder e de governação local, muito para além de funcionarem como reservatórios de lealdades e fronteiras de controle ou monitoramento político partidário. 


Quem também tomou posse, de aposentos privativos especialmente reabilitados, foram alguns dos nossos concidadãos vanguardistas em iniciativas de protecção da soberania e que tem a oportunidade de nos elucidar sobre os meandros das chamadas "engenharias financeiras". Não fiquei muito convencido com a declaração do Ministro das Finanças, na altura, quando dizia que era bom ter dívidas porque só com dívidas saberiam que o país existe e não seriamos esquecidos. Com estas movimentações da PGR, começo a acreditar que todo este imbróglio do endividamento começa a gerar resultados, com particular destaque na sua contribuição para a melhoria das condições do sistema prisional. Tomara que os “primos ricos” sejam solidários com os colegas encarcerados nas mais desumanas condições, país a dentro. 


Se, por um lado, persiste o ceticismo quanto aos movimentos da PGR, ocorre-me também que, por vezes, realidades sociais se firmam a partir de gestos e atitudes aparentemente banais que podem ganhar contornos mais sérios e perenes. Os ritos de instituição também operam assim. Alguns pegam e outros não. A título de exemplo, vale lembrar a fachada da indumentária de “chiguiane” que se quis impor, como melhor expressão de rigor e aprumo dos funcionários públicos ante visitas de “divindades” de “nível superior ou central". A sincronização de cores e modelitos seria a máxima expressão de reverência e melhor indicador do “nível organizacional” e funcional das instituições (sem falar das “boladas” das capulanas). Ainda bem que a ritualização “chiguianica” das cerimónias públicas não vingou. Mas, em nota sóbria, nada impede que o simulacro de aproximação entre a justiça e os indiciados do caso da fábula dos peixes e armas se torne realidade. A simular e/ou a brincar realidades se inscrevem e ficam assentes. 


A expectativa pela regeneração das instituições é grande e deve ir além de encenações para “recuperação de credibilidades”, através de gestos de exibição simbólica de bodes expiatórios. O movimento em curso, premeditado ou não, deve ser o prenúncio de processos de catarse que se espera que sejam tão serenos quão profundos e abrangentes.


Um brinde aos edis empossados e... exaltemos os inquilinos da nova indústria de hotelaria e turismo penitenciário.

segunda-feira, 18 fevereiro 2019 06:20

Um "Indivíduo" inexaltável

Ahhh, porque vou combater o espírito de deixa-andar. 
Ahhh, porque vou acabar com o cabritismo. 
Ahhh, porque vou erradicar a pobreza absoluta. 
Ahhh, porque vou eliminar o espírito de mão estendida. 
Ahhh, porque a pobreza está nas nossas cabeças. 
Ahhh, porque vou desenvolver o país com jatrofa. 
Ahhh, porque vou melhorar a vida dos moçambicanos com revolução verde. 
Ahhh, porque um aluno uma planta, um líder uma floresta é bom. 
Ahhh, porque com Ematum vamos comer e vender muito peixe de primeira. 
Ahhh, porque com a Proindicus vamos defender a nossa costa.
Ahhh, porque o carro "Madjedje" vai catapultar a nossa indústria automóvel. 
Ahhh, porque o aeroporto de Nacala vai trazer eficiência no tráfego aéreo internacional.
Ahhh, porque com carvão vamos fazer isto, com gás aquilo e com petróleo aquiloutro. 


Ahhh, porque quem não gosta da minha governação é apóstolo da desgraça. 
Ahhh, porque manifestação é coisa da mão externa. 
Ahhh, porque temos que ter auto-estima. 
Ahhh, porque enquanto o cão ladra, a caravana passa. 
Ahhh, porque vou plantar bonecos de Samora em todas as cidades. 
Ahhh, porque o distrito é o polo de desenvolvimento. 
Ahhh, porque os 7 bis vão alavancar o distrito. 
Ahhh, porque reitero o meu comprometimento. 
Ahhh, porque temos que exaltar a pátria. 
Ahhh, porque temos que exaltar Mondlane. 
Ahhh, porque eu exalto a minha pátria. 
Ahhh, porque eu luto pela minha pátria. 
Ahhh, porque vocês também deviam fazer o mesmo. 
Ahhh, porque é a mesma pátria. 
Ahhh, porque a liberdade de imprensa e de expressão que vá a p*ta que a pariu. 
Ahhh, porque a sociedade civil que se f*da.
Ahhh, porque o Cambaza bebe vinho de 70 mil por mês. 
Ahhh, porque o Manhenje comeu tako de fardamento de cinzentinhos. 
Ahhh, porque Munguambe pagou bolsas dos filhos com dinheiro do meu inestimável povo. 


E os papagaios, então... 


Ahhh, porque o filho do tio Emílio é um visionário. 
Ahhh, porque ele é o filho mais querido. 
Ahhh, porque ele conhece a dor do seu povo. 
Ahhh, porque ele está preocupado em melhorar a vida do seu povo. 
Ahhh, porque não se negocia duas vezes com o mesmo bandido. 
Ahhh, porque a compra de armas modernas se justifica.
Ahhh, porque a sua vitória foi retumbante, esmagadora e asfixiante. 
Ahhh, porque ele quer ser lembrado como amigo do povo. 
Ahhh, porque isto, porque aquilo. 
Ahhh, porque etecetera, etecetera.
Ahhh, porque bla, bla, bla. 


Afinal, tudo não passava de colóquio flácido para acalentar bovino. Hoje o homem está aí todo bilionário, com cara de rico-coitado, fugindo de si mesmo, desconfiando da própria sombra, se assustando com o próprio peido, com toda a parentada à boca do xilindró e, para piorar, com o país a travar com jantes de segunda-mão. Definitivamente, não dá para se exaltar uma pessoa assim. É inexaltável. 


- Co'licença!

segunda-feira, 18 fevereiro 2019 06:17

Ajudante de camião de longo curso

A história que vou-te contar vem de dentro de mim. Das minhas memórias tristes. Da vida rastejante que não me larga, e das derrotas acumuladas perante a minha incapacidade de correr ao encontro da luz, como fazia, nos seus tempos de glória,  O.J. Simpson, um dos mais importantes jogadores de râguebi norte-americano do seu tempo.  Sempre pensei que a culpa de todo este sofrimento imparável fosse do meu pai, mas graças a Deus ainda fui a tempo de perceber que não. Quer dizer, ele vai ser absolvido de todas as minhas acusações.

 

Meu pai era um bêbado e fumador inveterado. Isso é verdade. Cresci partilhando com ele o mesmo tecto, inalando desde criança os odores da cachaça e do fumo e do próprio cheiro do seu corpo negligenciado. Desmazelado. Aprendi dele a beber e a fumar. A ser negligenciado e desmazelado. Também. Mas há uma coisa muito importante que deixou comigo: a lealidade. E a fé de que amanhã o sol vai nascer outra vez. Isso é que me orienta.

 

Hoje sou ajudante de camião de longo-curso. Nunca aprendi a fazer nada na vida, senão beber e fumar. E o preço que pago é este: vou sucumbindo em cada viagem. Pendurado por de cima da mercadoria em viagens de não acabar. Mas o que me dói mais é que sigo para frente de costas. Vejo as coisas depois de passar. Nas noites pareço um pássaro de mau agoiro cheio de medo perante os holofotes dos carros que nos ultrapassam. O frio arrasa-me. A chuva festeja por sobre o meu lombo. E não posso fazer nada, senão encolher o corpo para dentro de mim, temendo interminavelmente o pior.

 

Apesar de tudo isto que passo cá fora, lá dentro, na cabina confortável deste Frethline, o condutor está sozinho. Gozando. Sabe que nesta zona de Catandica, onde se ergue aquela linda cordilheira  como linha de fronteira entre Moçambique e Zimbabwe, faz muito frio. Para além disso está a chover. Mesmo assim está pouco se lixando. Ele dança com a alma a música dos limpa-pára-brisas, enquanto cá em cima eu é que sou o pára-brisas de mim mesmo. As minhas costas é que são a muralha de um esqueleto que está a vacilar.

 

Nestas viagens passamos frequentemente pelos controis da Polícia, sem que no entanto os agentes da autoridade obriguem o condutor a levar-me lá dentro. E essa dor toda faz-me lembrar o meu pai que morreu na sargeta. Bolas! Eu também vou morrer na sargeta, como o meu pai. Não tenho nada. Nem mulher. Nem filhos. A casa onde vivo é um buraco imundo. É pior que este cadafalso onde sobrevivo. Onde vou sendo executado devagar. O que castiga a minha alma é que estamos no mesmo carro, eu e o condutor, mas ele é um menino privilegiado. E eu um sabujo qualquer. Sem direito à entrar na cabine, mesmo quando está a chover. Mesmo quando o frio é de enregelar.

 

Apetece-me chamar sacana a este indivíduo que vai ao volante do “nosso” Frethline, mas na verdade eu é que sou inútil. Sou obrigado a suportar a ignomínia de dormir debaixo do camião, enquanto ele festeja com putas e bebida na cabine, num lugar qualquer onde lhe apetece estacionar. E depois de tudo, de madrugada, cara sem vergonha, ainda me pergunta se está tudo bem. Pior, manda-me procurar água para ele se lavar. E eu faço tudo isso curvado como uma besta.

 

Porventura haverá algum camionista que não seja sacana? Todos eles o são, excepto pouquíssimas excepções. Repare bem: quase todos eles são baixinhos. E homem baixinho só tem duas alternativas: ou é um bom bailarino, ou um sacana.

A procissão ainda vai no adro, ou, se preferirem, é prematuro tirar quaisquer ilações da operação iniciada esta quinta-feira (14) pela Procuradoria-Geral da República no âmbito do processo judicial relacionado com as ‘dívidas ocultas’.

 

Mesmo admitindo que seja uma farsa, a iniciativa da PGR de colocar preventivamente atrás das grades alguns dos tubarões das ‘dívidas ocultas’ que puseram Moçambique de tangas está a ser aplaudida nos círculos de opinião pública do país e além-fronteiras. O primeiro alvo foi Teófilo Nhangumele, a tal figura que já se tornara motivo de chacota nas redes sociais pela forma ridícula e ostensiva como exibia os bens supostamente conquistados à custa de trafulhices que protagonizou como intermediário no golpe que mergulhou o nosso país numa das maiores desgraças de que há memória. Além da detenção, Nhangumele viu os “seus” bens, incluindo carros de luxo, serem confiscados durante uma operação policial pública que pela sua espectacularidade em plena luz do dia atraíu vários mirones! Na rede em que Teófilo Nhangumele caíu na quinta-feira foram também arrastados António do Rosário, Gregório Leão Inês Moiane e Bruno Tandane, outros supostos protagonistas da mesma falcatrua.

 

Os principais actores da trafulhice

 

Enquanto Nhangumele saltou para a ribalta devido ao seu ‘brilhante’ papel na negociação do pagamento, pela Privinvest, da primeira fatia de subornos e comissões ao grupo de caloteiros do nosso país- ele próprio incluído- que esteve envolvido no caso das ‘dívidas ocultas’, António do Rosário e Gregório Leão são antigos chefões da secreta de Moçambique, o Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE), que desempenharam uma missão preponderante para o sucesso da roubalheira. Do Rosário e Leão eram tidos como figuras da proa junto dos responsáveis do armador Construções Mecânicas da Normandia. Esta companhia, propriedade da Abu Dhabi Mar LLC, foi a fabricante dos 24 desajustados atuneiros destinados à EMATUM que foram impingidos ao nosso país em troca de escandalosas sobrefacturações para pagamento de subornos e comissões que levaram o Estado moçambicano a contrair uma sufocante dívida de USD 850 milhões. A este valor adicionaram-se outros tantos USD milhões dos empréstimos contraídos pelas empresas Proindicus e Mozambique Assets Management (MAM), com garantia do Estado Moçambicano.

 

Logo que vieram a lume as primeiras notícias sobre a detenção de Teófilo Nhangumele, nas redes sociais choveram comentários e especulações em torno do assunto. Também não faltaram linchamentos verbais aos visados pela operação da PGR, que conforme se tem reiteradamente afirmado abarcará os restantes membros da lista em poder daquela instituição, na qual constam os nomes de 18 indivíduos acusados de envolvimento no caso das ‘dívidas ocultas’.

domingo, 17 fevereiro 2019 14:11

As operações em terra

O mau tempo não tenciona para tão já deixar de beijar este pedaço da costa do Índico, condenado ao abandono e destinado ao esquecimento. A notícia sobre o naufrágio de um Bénéteau francês corre o mundo através de rádios que mereciam espaço nas competições da fórmula-1. E porque em Mitemane os homens também cantam Worroko[i], os rumores acerca do modo de aquisição do barco correm três vezes mais que a velocidade com que Lurdes Mutola amealhou ouro em Sidney.

 

Uns dizem que o Bénéteau francês foi adquirido com dinheiro da capitania de Memba, outros ainda aventam a hipótese do mesmo ter sido resultado de um empréstimo a um daqueles bancos de Nacala-a-Velha. Correm ainda rumores da incapacidade da capitania em pagar tal dívida, alguns sheiks influentes desdobraram-se em campanhas de não pagamento num acto visto por outros sheiks como uma ofensa as regras do Corão que recomenda a tudo fazer para que haja paz e harmonia entre os homens.

 

O agrupamento musical Worroko de Mivicone, compôs uma música que na óptica das autoras denuncia a forma fraudulenta como a dívida de aquisição do Bénéteau foi contraída. Para a sua apresentação foi marcado em Naminambo, um espectáculo. Os mais jovens reagiram positivamente e se fizeram ao local para onde se vão encontrar com agentes da polícia que os impedem de se fazer ao quintal de Mwe Habibo, a casa do espectáculo.

 

O barco ainda flutua por cima das águas da baia de Memba. Enquanto os agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial querem que o mesmo atraque ao porto de areia de Mitemane, a população local desdobra-se em rezas, evocando ao altíssimo para que usando da sua omnipotente força, faça aquele barco atravessar o mar e fugir dos seus olhos. Apesar de crenças diferentes, as orações são dirigidas ao mesmo Deus, que terá de ser justo para com uns e injusto para com os outros. Alguns sheiks acreditam que Deus está com a maioria enquanto outros acreditam que os homens do poder são enviados de Deus para governar aos pecadores e tudo que fazem é em função da qualidade do povo que servem, pois quando se trata de um povo de pecados maiores, os homens do poder tratam de condená-lo ao sofrimento e quando se trata de um povo de pecadores menores com tendência para benevolente, proporciona-lhes boa vida com cheiro a fartura.

 

- Continuemos a operação rapazes. Vamos, façam força. Lembrem-se que juramos a bandeira para manter a segurança, ordem e tranquilidade públicas - um comando sem voz se escuta entre os homens fardados.

 

- Às ordens, inspector – quase todo batalhão repete a frase como se de uma oração se tratasse.

 

A confiança em Deus começa a roçar a alma dos agentes da polícia costeira, lacustre e fluvial da baia encarregues de gerir o resgate, mas as vezes com pausas para gerir os naworrokos[ii] que comportam-se como se aos ritos de iniciação não tivessem ido. Os ritos de iniciação ensinam a ser comedido e a guardar segredos tidos como vitais para a sociedade e numa altura em que se evoca perda de valores morais, os mais velhos lamentam que tal facto não esteja a acontecer. “As pessoas agora têm boca grande, falam de tudo um pouco, inclusive do que não sabem” – alertam.

 

No meio de tantas, uma ideia vinca: iniciar uma operação em terra envolvendo funcionário da capitania, do sinédrio da guarda e pessoas próximas a estes que terão tido conhecimento da contração da dívida para aquisição do Bététeau, como forma de apelar aos bons ofícios dos anjos para que o resgate finalmente aconteça.

 

O corpo da Dra Alimina Mussagy, uma cobradora de taxas da capitania que foi reconhecido antes mesmo de chegar ao laboratório do SERNIC[iii] cujo corpo foi encontrado a flutuar entre as águas de Mitemane constituiu mesmo um alerta sobre a possibilidade de outras mortes estarem a caminho, pelo que, a operação deve continuar.

 

- Sargento!

 

- Aqui meu inspector.

 

- Liga o Motorola, pretendo comunicar ao nosso superintendente que está na hora de começar as operações em terra.

 

[i] Worroko – dança tradicional do distrito de Memba praticada exclusivamente por mulheres, cujos instrumentos são dois paus raspados que as bailarinas tocam com recurso as mãos enquanto cantam. As suas letras são geralmente informações ou rumores que correm nos povoados ou na vila. O grupo mais famoso de Memba é o Worroko de Mivicone, localizado num povoado também chamado Mivicone, posto administrativo de Memba-sede. Por causa da natureza das letras, surgiu o neologismo naworroko que significa fofoqueiro. 

 

[ii] Naworroko é um neologismo macua-nahara que significa fofoqueiro.

 

[iii] SERNIC – Serviço Nacional de Investigação Criminal

sexta-feira, 15 fevereiro 2019 07:05

O presente que queremos

Olha, o que aconteceu ontem é normal. Dia dos namorados é assim mesmo. Uns preferem oferecer a lua; outros, embrulhar o mundo; há quem ache mais romântico catar as estrelas; há quem goste de oferecer rosas ou bebidas e há quem se contente com "eu te amo". Não há nada de estranho nisso. É o dia do amor. As pessoas querem expressar os seus sentimentos à pessoa que amam e neste São Valentim não podia ser diferente. 



Há indivíduos que gostam de oferecer ou receber presentes estranhos e impossíveis como esses que têm a coragem de oferecer a lua mesmo sabendo que ela [a lua] é de todos. Pode ser estranho para uns, mas há quem goste desse tipo de presentes. Neste São Valentim, uma madame entendeu que devia surpreender o namorado oferecendo quase meia dúzia dos nossos gatunos. Aqueles daquela coleção. Aquela nossa relíquia. 



Assim, o amor está no ar lá em casa. Exaltaram o cupido. É normal. É assim mesmo quando chega esse dia, mas já passou. O dia dos namorados foi ontem. Ontem qualquer loucura era válida: paixão é assim mesmo. 



Hoje é outro dia e estamos "bizis" com o Chang. Queremos saber se Chang sai ou se fica na "djela-house". Queremos saber se Chang será extraditado ou resgatado. Estamos impacientes. Esses gatuninhos que vocês embrulharam ontem que guardem lá mesmo onde estão. Continuem a colecionar, podem servir para o dia da mentira. 



O presente que queremos está na África do Sul, e o nosso desejo é guardá-lo no cofre do primo Trump, com a ajuda da dona Elivera. Por isso, não atrapalhem a doutora. Nada de palhaçadas! Brincadeira tem hora. Hoje é dia 15. 



- Co'licença!