As últimas notícias dando conta da existência de mais cinco moçambicanos envolvidos na escandaleira das dívidas ocultas é uma oportunidade soberba que o governo norte-americano acaba de nos dar para tirarmos uma nova foto. Esta é uma chance única para fazermos nova pose para sairmos na foto sorridentes, nem que seja aquele sorriso administrativo. É a nossa última chance de sairmos bem na fotografia. Digo isso porque os nomes dos tais cinco compatriotas, COM CERTEZA, estão no relatório ORIGINAL, não encriptado, que a Kroll entregou a Pé-Gê-Ere. Ou seja, a nossa Justiça conhece quem são essas pessoas e também sabe que mais dia menos dia vão acabar nas malhas do Efe-Bê-I. Portanto, essa é a melhor brecha para mudarmos o cenário. É que, se não fizermos, alguém fará. Pelo menos mostrarmos também que aqui, por mais que você tenha higiene "Indivudual", dinheiro não se lava.
Dia 08 é já daqui há pouco mais de 72 horas. Desde ontem, também, já se sabe da acusação, o local e a data do início do julgamento. A primeira audição será em Brooklyn – Nova Iorque, pelo Juiz William F. Kuntz, no dia 22 de Janeiro de 2019, precisamente duas semanas após esta audição em Kempton Park, África do Sul. Toda a energia que se dedicou a pensar que soberania resultaria, baseou-se no facto de que Moçambique é um país autónomo, tanto que é “todo poderoso” para tomar as decisões que lhe convier – isso é ser soberano. Por exemplo, se Moçambique decide perdoar penas de reclusos, como vários outros Presidentes, em todo o mundo o fazem, é assunto interno e nenhuma outra nação, instituição ou organização, seja interna ou externa, pode ter PODER para obstruir essa decisão. Se decide trocar o currículo no ensino (tipo já não há exames desde a primeira classe até à quinta classe) é assunto nosso também – nossos filhos é que ficam burros ou mais inteligentes. Os outros podem até discordar ou ter ideias melhores, mas não têm poder para contrariar. Portanto, é mais ou menos dentro deste pensamento que “aquela malta Buchili” foi lá a djoni a pensar que era só chegar e dizer “aquele é meu gajo” e logo os sul-africanos iam abrir as celas. Na na ni na nãoooo…
Todavia, encontraram uma muralha chamada TRATADO DE EXTRADIÇÃO ENTRE O GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (EUA) E O GOVERNO DA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL (RAS). Esta muralha, de tão enorme que é, começou a ser construída mais ou menos em 1945 e foi ajustada ao longo destes anos até ficar bem afinada em 2001. Eles (EUA e RAS) equalizaram as leis, todas quanto puderam e deviam, de modo que tivessem instrumentos de justiça (Área Criminal) colaborantes ou corroborativas. No que não desse, este instrumento definiu sumariamente o que deve estar claro (ainda que fora das leis independentes dos dois países).
Por isso, este tratado, define logo no início, falo Artigo 3, que “A extradição não será recusada em razão da nacionalidade da pessoa procurada”… Este artigo 3 encerra uma dúvida que é a de saber se, o facto de Chang ser Moçambicano, portanto, NÃO americano ou NÃO sul-africano, pode (de ter Poder mesmo – tipo soberania) ser “mesmo” “mesmo” “mesmo” de verdade mesmo, extraditado? A resposta é: PODE SIM. Todavia, encerrando essa dúvida, vem a questão seguinte: o que dá o direito de duas nações alheias à Moçambique efectuarem acordos que incluem ou “lesam” outros cidadãos – prender Chang é na óptica de muitos “lesar Chang”. Será que podem mesmo fazer isto? Estou a fazer aquelas perguntas de papo de murro no bairro entre bebões (Hey djó, esses gajos podem mesmo nos matrecar dessa maneira? Levarem nossos bradas mesmo? Não podemos guengar os gajos?)… outra forma de fazer a mesma pergunta é: “Como e porque é que duas nações afectam (em que circunstâncias) ou podem afectar a soberania de outros estados?”
No fim ao cabo não afectam soberania de País algum. A filosofia que está por detrás desse “direito” dos americanos, são as CAUSAS UNIVERSAIS. O que é isso de Causa Universal? São as matérias de interesse de todos, independentemente da raça, credo, nacionalidade, etc. Por exemplo, o ambiente como causa (o ar, a água, os verdes, etc) é uma causa universal. Mau ar na França afecta Inglaterra, portanto, não se pode invocar soberania para andar a poluir teu País, pois imediatamente os países vizinhos sofrerão. Outro caso como exemplo de causa universal é a PAZ – o oposto de guerras. Duas nações não podem vir dizer ao Mundo “nós somos soberanos, podemos lutar entre nós como quisermos e vocês não se metam”… Essa desculpa não cola, pois uma das imediatas consequências da guerra são as imigrações que os “outros” países têm de passar a lidar com elas. Talvez esteja a ser muito técnico ao falar assim, por isso convêm dizer isto: CAUSAS UNIVERSAIS SÃO PRINCIPALMENTE AQUELAS QUE “MEXEM” COM A VIDA DAS PESSOAS… Quer dizer, havendo imigrações, os cidadãos dos estados que recebem os imigrantes passam a “dividir o seu espaço” com gente que eles não convidaram. Dividem comida, emprego e oportunidades, mulheres (kkkk), homens também, etc... Isto costuma trazer consequências trágicas. Vejam os episódios de Xenofobia aqui mesmo na África do Sul. Mais do que isso são os estados que devem redimensionar seus Orçamentos a Contar com “nova gente inesperada” para construir mais escolas, parques, comprar autocarros, aumentar contingente de Polícia, etc. Guerra mexa com “outros” sempre. Portanto, o facto de Moçambique ser autónomo não dá o direito de tomar decisões (ou melhor: não tomar decisões – às vezes não fazer, cria danos piores) que lesam PESSOAS. Nós em Moçambique não estamos muito habituados a debater estas questões HUMANAS. Para muitos de nós, quem dá espaço para o valor humano é fraco, boiola, gaja, kkkk… enfim: matreco…
Contudo, este argumento da humanidade é que é o CAPITAL para terem esse “direito americano”. Claro que tudo inicia porque das transacções que a quadrilha fez, parte delas passaram pelo sistema financeiro americano o que significa envolver “América” em trapaceadas à outros estados. Eles, quando prendem Chang ou outro criminoso, dissecam as suas acusações até ao detalhe Humano. Eles invocam a HUMANIDADE. É aqui que se convence ao Juíz sobre o mérito da Causa. Por isso, vamos lá terminar este texto, que já vai longo, olhando para os crimes de Chang e ir até à dimensão humana. A questão é saber como os crimes de Chang e seus amigos A, B, C e D, juntamente com aqueles lá no estrangeiro PREJUDICARAM a minha Tia Mariza que vende lá no mercado Malanga. Como aquele cidadão americano (aquele que, nas férias, só quer acordar, comprar sapatilhas - as sapas e ir jogar basquetebol) foi prejudicado por Chang e Companhia?
Vamos rever os crimes e dissecá-los sinteticamente. Os crimes que estão na Ordem de Captura são: (i) Conspiração para Fraude Electrónica; (ii) Conspiração para Fraude com Valores Mobiliários e (iii) Lavagem de Dinheiro…. Estes crimes têm inter-relações. Lavagem de Dinheiro significa dissimular a origem do dinheiro dado que, obtido por práticas, ilícitas, passa a ser dinheiro lícito - limpo. O exemplo mais famoso deste crime, foi o caso “Watergate” que ditou o fim do Presidente Norte-Americano Richard Nixon em 1970. Mas, só na década 80 é que foi decretado CRIME pelas suas consequências sociais de carácter INTERNACIONAL.
Graves consequências humanas, sociais e económicas estão associadas à Lavagem de Dinheiro, como é o caso do terrorismo que afectou os EUA e a EUROPA, desde o ano 2000, sendo que o caso “11 de Setembro – Torres Gêmeas” com Bin Laden à mistura, é um dos mais evidentes. Portanto, a acusação americana vai levar este argumento ao Juiz. Vai dizer que dinheiro que deveria financiar projectos sociais (criar melhor condição no mercado Malanga, para minha Tia ter mais clientes, até estrangeiros; ou Melhorar a via de acesso ao Bairro Tlhavane aonde vive a minha Tia, para os Chapas poderem entrar até lá dentro e ela não ser assaltada e perder o mísero lucro que amealhou nas vendas da semana) foi descaminhado por Manuel Chang e amigos e, também, a partir de meios Electrónicos (Fraude através de transacções online), foi misturado no mercado internacional e apresentado como dinheiro limpo e pertencendo à pessoas – ao Chang neste caso. Irão mais longe e, vão trazer conexões que ligam ele a grupos muito procurados internacionalmente por Tráfico de Drogas e Terrorismo. A droga desvia aquele puto das sapas (saiu para brincar e cruzou-se com o vendedor de drogas que Chang ajuda a financiar) e o terrorismo tira dos governos americanos e europeus, recursos que seriam, também para projectos sociais, e são investidos em segurança, polícia, etc. tudo isso para evitar novos casos iguais ao das Torres Gémeas.
O texto da acusação, relacionado com a audição a 22 de Janeiro em Brooklyn, que circula não vai a este detalhe, porém, pode ser estratégico, até porque ainda há nomes que foram rasurados, desse mesmo texto da acusação, para se omitir a identidade desses suspeitos e efectivar as acusações na profundidade que deve ir.
Como se pode ver a soberania não é argumento com arcabouço para “destronar” estas alegações. Malta Chang vai ter mesmo que colaborar para saírem rapidamente dos holofotes e viverem tranquilamente, senão serão amplamente chacinados. É que, de ponto de vista de institutos internacionais, por exemplo, a Lavagem de Dinheiro já está criminalizado e foi tratado na Convenção de Viena, em 1988 e foi remetido para a ampla criminalização em várias praças, com a urgência fundamentada na questão do terrorismo e tráfico internacional de drogas e a ONU, de que Moçambique faz parte, tratou estas matérias de forma séria desde 2002.
Se a ONU é maior que os países (Um a Um), não vai ser a nossa PGR a falar de Soberania de Moçambique para defender um indivíduo que, pelas suas actividades ilícitas põe em causa a estabilidade económica internacional, periga países e pessoas com o potencial de o dinheiro sujo (e já no sistema financeiro), financiar o terrorismo e o Tráfico de Drogas. Nós aqui em Maputo já sabemos como as “Colômbias” mataram nossos irmãos…
Pessoal, estas acusações são MUITO SÉRIAS… Esta é uma Causa Universal…
ELES SABEM DISSO…
O documento vasado pela justiça americana sobre as dívidas ocultas diz que a EMATUM foi criada para se poder ter um empréstimo adicional para pagar parte das dívidas da Proindicus. Não riam! Isso é verdade. Aconteceu, pelo menos segundo a acusação da justiça americana! Alguém pensou que isso ia dar certo: fazer empréstimo multimilionário de um projecto sem viabilidade para pagar dívidas de outro empréstimo sobredimensionado. O tal estudo de viabilidade [da EMATUM] que dizem existir, nunca foi tornado público, mesmo nos momentos mais acesos do debate. Seria interessante ver que argumento está lá.
Como justificação das dívidas que criaram as três nefastas empresas, vimos discursos que os agrupo em dois tipos. O primeiro, sobre soberania. O segundo, mais tecnicista/supostamente científico, sobre o próprio debate público.
O primeiro (da soberania), funcionou como uma forma de intimidação e de tentativa de criação de uma narrativa patriótica e até de heroísmo. Até tivemos direito a um texto "aos companheiros de trincheira", cujo autor dava o peito às balas pela defesa da tal causa nacional. Qual abnegado herói disposto a morrer pela sua pátria amada. A par disso, também houve uma sistemática sabotagem e ameaças aos que debatiam este assunto publicamente, com direito a textos a circularem nas redes sociais a rotular as pessoas de "agentes de interesses estrangeiros". Também jovens zelosos de uma certa organização partidária não mediram esforços em intervir de forma arruaceira em debates da sociedade civil sobre o assunto, nos quais em certas ocasiões apenas apareciam para discutir pessoas e nem ficavam para as respostas ou o debate.
O segundo, o tecnicista/“científico” – sobre como participar de forma "sensata", “científica”, “informada”, “cidadã” e intervir no momento certo (regra que claramente não se aplica aos mentores dessas ideias, “que sempre sabem” qual é o momento certo de intervir) no debate público. Este discurso, mais manipulativo, funcionou como uma tentativa de incutir a auto censura, na busca de validação cientifica ou técnica dos que se consideram autoridades cientificas ou técnicas, ou na busca de enquadramento social e referências cognitivas ao pensamento das pessoas. A cidadania, o direito de participar e ser ouvido, independentemente das suas capacidades intelectuais ou técnicas, tornaram-se apenas numa ténue referência (se é que existia) em tais mentes iluminadas e supostamente iluminantes. Essa reflexão não parece ser relevante para essa “pedagogia da cidadania”.
À medida que se confirma e se revela detalhes dos contornos deste caso, fica claro que ambos os discursos não foram para além de uma tentativa de criar medo no debate público e/ou não conseguem passar apenas de justificação da escandalosa roubalheira de que fomos vítimas. De forma mais sistémica, da justificação (deliberada ou ingénua) daquilo que à esta altura podemos seguramente chamar de uma cleptocracia que capturou as instituições do País. Portanto, além da fraude descarada que é descrita no documento da justiça americana, este grupo usou as instituições do Estado, incluindo o aparelho repressivo, os impostos dos contribuintes, para marcar a sua posição. A frase do Mia Couto, sobre os homens que aos nossos olhos se transmutaram em várias personagens e que no fundo não passavam de ladrões, é a epítome desta ideia.
Não há muito de positivo que possa vir de um grupo governante (e seus satélites e fieis seguidores) que cultiva o medo, seja a partir da repressão ao debate público e a exigência de responsabilização, seja pelo pseudo debate intelectual, que mais do que educar, tenta formatar maneiras de pensar e intervir na arena pública. O último, uma espécie de banditismo epistemológico (que difere expressão usada por Boaventura Sousa e Santos “de fascismo epistemológico”, porque neste há alguma dose de honestidade intelectual, embora maligna), que não é nada mais do que a expressão intelectual da tentativa de defender interesses de grupo.
Uma das coisas que esta cultura de medo criou é a complacência com que a sociedade viu as suas instituições serem subvertidas e usadas em prol de um grupo, inclusive para a violentar psicológica e fisicamente, incluindo através da imposição de um injusto fardo económico e social. Agora ainda volta o debate da soberania, ignorando-se o facto de que não só a justiça nacional se manteve inoperante (porque manietada), mas também os crimes de que os personagens aqui referidos são acusados foram cometidos em jurisdição estrangeira. Sobre os crimes cometidos em jurisdição nacional, ainda há muito espaço para a redenção das nossas instituições, mas a nossa nefasta formatação política nos aconselha a “aguardar serenamente”.
Se há alguma lição que se pode tirar disto é que acalentar esta cultura de medo não nos vai levar a lado nenhum. Certamente existe uma componente de violência nestes grupos que não deve ser negligenciada e ela foi sendo usada ao longo deste processo (outro assunto que deveria ser investigado pelas instituições, se funcionassem como deve ser). Mas pessoas e grupos que recorrem a esses expedientes não têm nenhum projecto benigno para a sociedade. Aliás, só faz sentido cultivarem uma cultura de medo, que limita o debate e a responsabilização pública, quando o objectivo é preservar privilégios indevidos e interesses que divergem dos interesses mais amplos, porque nestes casos o debate aberto e sem barreiras é a forma mais legítima.
Se continuarmos a acalentar este medo, não seremos nada mais que parte da capoeira dos milhões de galinhas a que um dos co-conspiradores (como é chamado no texto) se refere, ao gulosamente exigir o quinhão desta roubalheira para alimentar a gula dos seus comparsas. Com este tipo de patriotas e defensores da soberania, não há muito a esperar do nosso futuro como País.
Circula nas redes sociais um texto da autoria de Gustavo Mavie. Ele constrói uma teoria sobre uma suposta ilegalidade da detenção de Manuel Chang. Avança que a ilegalidade na detenção corporiza uma intenção escondida dos americanos para com Moçambique. Que estas intenções são similares às que tiveram no Iraque aonde forjaram provas da existência de armas de destruição maciça só para legitimarem o “assalto” aos poços de petróleo e o controle regional. Portanto, prender Chang é na verdade o início da construção de um enredo com intenções maquiavélicas. Que muitos moçambicanos, mesmo os de grande intelecto, como Elísio Macamo, não conseguiram ainda ver esta “trama” americana.
Moçambicano é maningue complicado. Nos últimos tempos têm estado a brotar sabichões neste país que nem te deixam ser bandido a vontade. Não permitem que o ladrão usufrua do seu próprio título de ladrão em paz. Já nem dá para ser gatuno tranquilamente. Aqui é fácil você ser jornalista, analista, músico, pastor, padre, sheik, até profeta, mas experimenta ser gatuno. Virão os "donos da verdade" dizer que isso é mentira, que isso é ilegal.
Jamais será reduntante dizer que a cidade da Maxixe é um entreposto do diabo. Onde há dinheiro o Lúcifer está lá. Pessoalmente. E não existem dúvidas absolutamente nenhumas de que aquela urbe instalada do outro lado da baía de Inhambane é um reservatório desse metal de fel. Na verdade deve ser uma das “jazidas” mais vibrantes do nosso país. Alí não se dorme. Onde há “cacau” não há sesta. No último fim-de-semana estive lá, levado por um evento familiar. Nunca vou por ir àquele lugar, apesar de estar aqui perto. Vivo numa margem da baía de Inhambane, e a Maxixe está na outra margem da mesma embevecedora língua de água. De barco são dez-quinze minutos. E já está. Vejo-a todos os dias. Se gostasse dela beijá-la-ia sempre. Mas ela repele-me. Sobretudo por albergar magotes de pessoas que estão sempre a correr. A empurarem-se uns aos outros. Ao encontro do “kombu”. E eu sofro de parafobia.
De regresso à Inhambane-minha musa, depois de tudo, já no final da tarde, balancei na rampa que vai até à ponte onde devia fazer-me numa barcaça com motor fora de bordo. As ondas estavam revoltas. Naquelas condições e numa embarcação precária, podia ser forçado à um banho desagradável, e eu não estava disposto à tanto. Girei sobre o meu próprio eixo. Reatravessei a larga estrada aberta para o sul e para o norte, roçagando a cidade de lés a lés, dando-a vida. Sentei-me num dos bancos à espaços ocupado pelos vendedores de bolos que caçam sem parar os viajantes que passam. Transportados em autocarros que sobem e descem. Não tenho pressa. Quero sentir essa Maxixe. Vesti-la outra vez como uma roupa que não nos fica muito bem. Mas que nos renova em certos cantos da alma.
Estou sentado sem me fixar especialmente em nada. Vejo muita gente em movimento. Ninguém está parado. O único que está despreocupado sou eu. Daqui onde estou vejo uma nesga do mar. Todo, ou quase todo o espaço que se libertava para nos dar o esplendor da paisagem marítima foi invadido. Ocupado. Violado. Estuprado. Sacaneado. As gaivotas zangaram-se e zarparam. Os cisnes, nem um.
De tempos a tempos passam camiões-cavalo e eu filmo-os com a memória do meu cérebro. Vão em direcção ao norte. Outros vêm do norte para o sul. Carregados. Super-carregados. São monstros que me fazem lembrar esse filme de acção dirigido por Sam Peckimpah, de 1978: O comboio dos duros, baseado na canção country “Cnvoy” de C.W. MacCall. Estou sentado. Despreocupado. Tenho uma alternativa. Posso apanhar um “chapa” e dar a volta percorrendo sessenta quilómetros, no lugar de apanhar um banho forçado naquelas barcaças precárias. Epá! Vejo um velho atravessando aquela estrada movimentada. Tem a espinha danificada. O lombo dobrado. Apoia-se num cajado. Bamboleia como um dançarino de mapiko.
Naquele instante há um camião que assome à alta velocidade. O condutor vê o velhote. Acciona a buzina que mais parece a cirene daqueles comboios à diesel que fazem Maputo-Chicualacuala. Poooommmmmm! Tremi na espinha. Lembrei-me do camionista que era perseguido pelo xerife no filme O Comboio dos duros. Mas o “madala” estava com os seus anjos. Saltou para o outro lado. Olhou para o monstro que ia se esfumando na distância, e mandou um manguito.