MultiChoice quer reposicionar Moçambique entre os melhores produtores de cinema em África. Para isso, desde 2018, colocou a «MultChoice Talent Factory» a incubar novos players para alimentar o Cinema e a Televisão no país. Este ano, mais moçambicanos irão beneficiar da formação.
O progresso do cinema moçambicano foi, durante um longo período, comprometido por um ‘cancioneiro’ de embaraços. O desinvestimento estrutural marcado pela ressignificação da maior parte das salas de cinema para fins marginais, no período pós-colonial, a inoperância do mecenato, assim como desafios de natureza técnica, tecnológica e a contínua deformação da audiência formaram, ao longo dos anos, uma colectânea de factores de obstrução. Como consequência, para muitos, o Cinema significou uma actividade para certas elites.
Entretanto, se é verdade que Moçambique é um celeiro de talentos para a área das artes cénicas e performativas no exemplo da música, do teatro e do cinema, falso não é que no cinema, como se diz na gíria popular, “Moçambique tem tudo para dar certo”. Basta recordar que, num passado recente, iniciativas como o Festival do Filme Documentário – Dockanema e a Semana de Cinema Africano, só para exemplificar, faziam de Maputo a capital africana do cinema, onde cineastas africanos e de outros continentes convergiam, promovendo uma dinâmica que estimulava o desenvolvimento do sector. Lamentavelmente, como um gás altamente volátil, quase sem que alguém se apercebesse, essa dinâmica evaporou, comprometendo as possibilidades do crescimento do cinema moçambicano, a partir da formação, a vários níveis, e da multiplicação dos players do ramo.
A boa-nova é que como um lufar de ar fresco, agindo em dose dupla, projectam-se novos tempos para o Cinema e para a Televisão em Moçambique. A força motriz dessa transformação é denominada MultiChoice Talent Factory – MTF (significando, na língua portuguesa Fábrica de Talentos da MultiChoice). É uma incubadora que se configura num programa de formação de profissionais de televisão e cinema talentosos, orientada à elevação das suas capacidades a padrões de qualidade internacionais. Foi criada em 2018, pela gigante africana MultiChoice Africa.
É através dessa iniciativa que a MultiChoice Moçambique, empresa que lidera o mercado da televisão por subscrição no país, orienta os seus investimentos para reposicionar o país entre os melhores produtores de cinema em África. Ludmila Mero e Gerson Amaral foram os primeiros graduados moçambicanos, em 2019, fazendo parte, portanto, da primeira turma do MTF.
Moçambique entre os melhores
Quando comparado a outros países, talvez pelas limitações linguísticas – o programa decorre em inglês –, a quantidade dos candidatos moçambicanos ao MTF não é expressiva. Todavia, os resultados são animadores. Gerson Amaral, Ludmila Mero (2019), Amariles Gule e Maira Tauacale (da turma de 2020, tendo graduado no ano passado), Melissa Babil e Nelson Faquirá (a graduar em Setembro deste ano) são os nomes sonantes de Moçambique no MTF. Dentre todos, enquadrados no mercado ou com projectos cinematográficos realizados e/ou em curso, recentemente, entrevistamos Gerson Amaral e Maira Tauacale a fim de explorar a sua experiência.
Maira Tauacale foi considerada a melhor graduada da sua geração do MultiChoice Talent Factory, em 2020, o que lhe valeu uma formação suplementar no New York Film Academy – NYFA. Narra que a sua formação no MTF tornou-lhe na profissional que é hoje. «Acredito que a profissionalização do meu trabalho foi após esta formação. Hoje, algumas pessoas já me vêem como referência em Tv. e no Cinema pelo profissionalismo que adquiri no MTF», argumenta. Reagindo à mesma questão, Gerson Amaral considera que a sua experiência «foi única».
Na hora do balanço, Amaral, que é coordenador de Tráfego e Controlo de Qualidade do Grupo M-Net, gerindo conteúdos nos canais Maningue Magic (em Moçambique) e Kwenda Magic (em Angola), considera que o maior diferencial do programa é o facto de ser ministrado por profissionais na área, Realizadores, Produtores, Scriptwriters e Directores de Fotografia da indústria cinematográfica africana.
Actualmente, Tauacale actua como freelancer nos ramos da televisão e cinema. Em 2021, dirigiu o filme «The Lobola», uma curta-metragem da autoria de Amariles Gule, que foi largamente exibida nos canais da M-Net (DStv e GOtv), estando igualmente disponível na plataforma Showmax. É também em função disso que a nossa entrevistada acredita que «programas como o MTF, num mercado como o moçambicano, representam uma mais-valia. Sendo que é ainda um mercado em vias de desenvolvimento irá garantir que haja uma padronização da qualidade do que é produzido e garantirá que o produto que existir em Moçambique chegue aos mercados internacionais e se torne referência». Numa perspectiva partilhada, Amaral concorda e acrescenta que estas formações têm o condão de conectar profissionais de diferentes países, promovendo o crescimento de mercados emergentes.
Como tudo começou?
O continente africano está a passar por transformações que representam desafios, mas também oportunidades. África é uma fonte inesgotável de recursos naturais, incluindo humanos e suas infinitas manifestações artísticas e culturais. Nos últimos anos a MultiChoice Africa apercebeu-se do potencial a isso associado. Então, decidiu explorar as oportunidades impregnadas na elasticidade da arte e da cultura dos povos africanos, muito em particular nos campos do seu objecto de negócio, a televisão e o cinema. Foi assim que, pela primeira vez, foi lançada a iniciativa Fábrica de Talentos da MultiChoice, em 2018, com vista a explorar o «impacto positivo da cadeia de valor técnico e profissional na indústria cinematográfica e televisiva em todo o continente», refere uma nota da organização.
A estratégia funcional desta Fábrica de Talentos centra na percepção de que o mosaico cultural e artístico do continente africano, solidamente expresso através das narrativas, dos idiomas, da música e de uma infinidade de expressões de arte, à medida que o continente se transforma, podem propiciar a origem de indústrias criativas sólidas. No longo termo, acredita-se, esta iniciativa irá contribuir para o fortalecimento das indústrias culturais e criativas. Por isso, no nosso país, a MultiChoice Moçambique investe no fortalecimento da cadeia de valor que o sector cultural e criativo potencia em termos de produção, distribuição e estímulo ao consumo do conteúdo local das áreas da televisão e cinema.
Assim, nos últimos cinco anos, têm sido seleccionados 60 candidatos oriundos de 13 países das regiões Austral, Oriental e Ocidental do continente africano para, durante um ano, frequentarem uma formação em cinema e televisão, onde aperfeiçoam domínios teóricos e práticos nos campos da edição, produção e narração de histórias. Conforme apuramos da MultiChoice Moçambique, a entidade que encabeça a iniciativa no país, o programa está organizado de tal maneira que se garante o acompanhamento dos profissionais desde a formação até à colocação no mercado, através das redes de oportunidades existentes quer no cinema quer na televisão.
De acordo com a entidade moçambicana da Fábrica de Talentos, a seguir à edição do ano passado, a quarta, foi realizada na cidade de Maputo uma «Master class sobre a Criação de Roteiros», durante uma semana. O evento contou com a mentoria de um dos mais ágeis cineastas moçambicanos, Licínio Azevedo. Este arranjo tem como objectivo melhorar as competências dos profissionais da indústria do cinema e da televisão através de lições interactivas que são ministradas por profissionais na área do cinema – comenta Agnelo Laice que é Director Geral da MultiChoice Moçambique, sublinhando que «na MultiChoice, reconhecemos o papel crítico que o nosso negócio desempenha para o crescimento das indústrias cinematográficas e criativas de África, sendo, por isso, que orgulhosamente lançamos este programa com o Licínio Azevedo’’.
Um aspecto interessante típico da Fábrica de Talentos não é só a capacidade que tem de juntar cineastas africanos, oriundos de vários países, no mesmo espaço durante um longo período de tempo, mas, acima de tudo, de fazer emergir redes de interconexões entre eles e multiplicá-las à medida que o evento evolui com o passar dos anos. Estes cineastas têm levado histórias africanas a todo o mundo, elevando a expressão da sétima arte africana no concerto das nações.
Licínio Azevedo, autor do drama Virgem Margarida (2012) e da ficção Comboio de Sal e Açúcar (2016), é parte interessada no progresso do cinema africano. Sua participação é crítica para o sucesso do projecto. Classifica a sua colaboração com a Fábrica de Talentos, sobretudo nas Masterclass, como sendo «uma prova de que a MultiChoice Moçambique está empenhada em contribuir para a indústria criativa moçambicana para a futura produção de conteúdos locais que espero ver nas plataformas DStv e Gotv, bem como nas emissoras nacionais».
Inocêncio Albino// Jornalista Cultural