Na sua intervenção, durante o evento que durou dois dias, Matusse revelou ainda que alguns magistrados do Ministério Público (MP) foram transferidos e outros até correm risco de vida, para além do risco de perder emprego, pelo facto de terem decidido actuar contra furtivos. O facto levou com que, de Janeiro de 2018 a Maio de 2019, o número de processos-crimes contra os exploradores ilegais da madeira reduzisse. Só no ano passado, conforme apurámos, apenas cinco processos-crimes foram instaurados contra os “furtivos” da madeira em Tete, e apenas dois foram julgados. Porém, ninguém foi condenado pelos crimes de que era acusado.
Arsénia Matusse estranha o facto de existir um Despacho Ministerial, do Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural (MITADER), datado de 20 de Março de 2018, vedando o corte de algumas espécies de madeira e, em outra órbita, existirem algumas autorizações posteriores àquele diploma para a recolha e transporte de madeira já cortada, supostamente abandonada por algumas empresas. O mais estranho ainda, afirma a magistrada, é que a tal madeira abandonada não reverte a favor do Estado, como predispõe o referido Despacho, no seu artigo 6º.
Outro aspecto apresentado por Matusse é a exiguidade de recursos humanos (fiscais) e materiais (para melhor controlo e acesso aos locais de corte, onde ocorrem mais delitos) no exercício da fiscalização. A fonte aponta ainda a demora na remessa dos autos passados pelos fiscais, alegadamente, porque carecem da assinatura do Chefe de Fiscalização Provincial. Em Março de 2018, o titular do pelouro das florestas, Celso Correia, exarou um Despacho que, entre vários aspectos, no artigo 4° proíbe a recolha e exploração de madeira denominada “Pterocarpus tintorius”, vulgarmente conhecida por Nkula.
Entretanto, o que se verifica a nível da província de Tete, segundo Matusse, é que esta tornou-se alvo de exploração e exportação por indivíduos chineses, apadrinhados pela Direcção Provincial de Terra Ambiente e Desenvolvimento Rural, uma vez que a entidade emite Autorizações, citando uma alegada Nota (511/MITADER/DINAF/430/2019, de 21/03/2019). Matusse acha que essas autorizações “são ilegais”, pois, o que permite a exploração e circulação de madeira são as licenças, guias de trânsito e certificado de produto em estância.
Segundo aquela Procuradora, outro aspecto que se verifica em Tete é o facto de os chineses aliciarem a população residente nas zonas onde abunda madeira Nkula, com produtos alimentares, combustível, meios circulantes, de modo a explorarem essa espécia. Os populares cortam a madeira e vendem-na aos chineses e estes circulam com autorização de “recolha’’, fazendo-a passar por madeira supostamente abandonada, que posteriormente é exportada.
Por isso, o MP questiona: “Em que se baseiam essas autorizações passadas pela Direcção Provincial? Será que essas autorizações, de nível provincial, estão acima do Despacho Ministerial, em termos de hierarquia?”
Conforme revelou-nos uma fonte do MP, os procuradores, fiscais florestais e todos os outros intervenientes que trabalham a nível dos distritos de Zumbo, Marávia, Chifunde, Chiúta e Macanga, áreas onde abunda esse produto florestal, sentem-se constrangidos e com sérias dificuldades para trabalhar em processos de exploração ilegal de recursos florestais, porque todos os dias aparecem notas, autorizações e/ou documentos, sem contar com as chamadas telefónicas, provenientes de instituições públicas ligadas às áreas florestais, sempre com instruções para se fazer vista grossa.
Apesar das críticas, tanto Manuel Gole, Director Provincial da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Tete, como Cláudio Afonso, da Direcção Nacional do MITADER, defendem que a instituição vem buscando soluções para combater a exploração desenfreada da madeira, principalmente, as espécies proibidas. Para tal, o MITADER vai assinar um memorando de entendimento, em Junho próximo, com o Governo chinês, e irá introduzir um sistema de informação florestal (SIF) para detectar e contabilizar toda a madeira ilegal. (Omardine Omar)