Os pais atribuíram-lhe esse nome pomposo: Francisco de Assis – como o do santo –, provavelmente na esperança de que um dia também ele pudesse fazer história. E fez! Em Sofala, contam-se aos dedos os que não veneram a sua obra enquanto Governador Provincial, mas sobretudo a sua ousadia, quando deixou de exercer esse cargo e decidiu dar um “pontapé no charco”, bandeando-se para o lado oposto da “barricada”, indiferente a toda a espécie de represálias que daí pudessem advir.
Os sofalenses – e sobretudo os beirenses – choram hoje a sua morte, na certeza, porém, de que o seu nome ficará indelevelmente gravado, como um dos homens mais corajosos que surgiu naquela província (e quiçá neste país), no período pós-independência.
Francisco de Assis Masquil perdeu a vida no passado sábado (11), aos 64 anos, em sua casa – para onde recolhera, após um período de internamento hospitalar. Após ter tido alta, e uma vez em seus aposentos, o seu estado de saúde foi-se deteriorando, a tal ponto que acabou sucumbindo. Ele que foi Governador Provincial de Sofala entre anos de 1986 e 1994.
Sétimo na “linha de sucessão”, no que a governadores provinciais de Sofala, pós-independência, diz respeito – substituindo o então “durão” Marcelino dos Santos (1983/86) – Masquil trouxe um novo modelo de liderança, para aquele ponto do país, durante os nove anos (1986/95) em que assumiu as rédeas. Uma lufada de ar fresco. De tal modo que o Governador Provincial que lhe sucedeu, Felisberto Tomás (1995/2000), não encontrou praticamente atrito popular algum – num meio tradicionalmente considerado “indomável” – tendo apenas de dar sequência ao que Masquil iniciara.
Uma figura carismática
Não restam dúvidas que Francisco Masquil conseguiu conquistar a admiração pública pelo seu posicionamento no contexto da política moçambicana. Depois de nove anos como Governador Provincial de Sofala, envergando (naturalmente) o “jersey” da Frelimo, desafiou publicamente a sua liderança política, rompendo o vínculo que tinha com o partido no poder, para se juntar ao seu eterno rival: a Renamo.
Mas já antes dessa ruptura, e ainda na qualidade de dirigente máximo da província, Masquil cometeu uma “heresia”: não foi votar, nas primeiras eleições gerais, em Outubro de 1994, alegando ter perdido o seu cartão de eleitor, facto que suscitou muito burburinho nas hostes públicas e, particularmente, nas do seu partido. Terá, provavelmente, sido aí que começou o seu calvário.
Logo a seguir a essas eleições – vencidas pelo partido Frelimo e pelo seu candidato presidencial Joaquim Chissano – Francisco de Assis Masquil teve outra atitude ousada: num acto público, procedeu à devolução do seu cartão de membro do partido Frelimo, o que deu origem, pouco tempo depois, ao seu afastamento do Governo Provincial de Sofala.
Estava mesmo a pedi-las – terão, provavelmente, dito os mais ortodoxos.
Acto contíguo, Masquil, fundou um movimento independentista, o GRM – Grupo Reflexão e Mudança, que concorreu às primeiras eleições autárquicas na Beira, igualmente vencidas pela Frelimo, e pelo seu candidato (de má memória, para muitos beirenses) Chivavice Muchangage.
Recorde-se que nesse ano a Renamo boicotou as eleições.
Recorde-se também que o GRM de Masquil, era formado, na sua maioria, por ex-militantes dos partidos PCN (Partido de Convenção Nacional), Renamo e Frelimo.
O movimento viria pouco depois “esfumar-se” do cenário político, quando grande parte dos seus membros optaram por se filiar à Renamo, em Sofala, num processo que foi iniciado pelo próprio Francisco Masquil, em 1999. Com todo o seu capital político (e intelectual – diga-se), o ex-governador acabou mesmo sendo eleito deputado da Assembleia da República, pela “Perdiz”. Não obstante, o GRM (por si fundado), chegou a ter alguns membros no Município da Beira, durante o consulado de Muchangage.
O afastamento da política
Ao fim de uma legislatura (1999/2004) como deputado da AR pela bancada da Renamo, Francisco Masquil retirou-se dos holofotes e da vida política.
E ficou por quase uma década fora do “mainstream”.
Volvidos quase dez anos, surgiu a fazer declarações à media (no âmbito de uma cerimónia pública, na UCM, na qual participou). Justificou esse “sumiço”, com as seguintes palavras: “Eu estou a cuidar mais da minha vida particular. Não estou ligado a nenhuma actividade política. Mas estou aqui mesmo na Beira, e na minha terra natal, Búzi (...) Existe um tempo para tudo: para nascer, existir, crescer, desenvolver e morrer. Acho que existe um tempo para a gente estar fora da Política”.
Um dos mentores da UCM
A cerimónia pública a que acima fizemos referência aconteceu na Universidade Católica de Moçambique, instituição, aliás, para cuja fundação Francisco Masquil contribuiu decisivamente. Reza a história – lavrada no livro de honra daquela instituição – que «… A ideia da criação da Universidade Católica de Moçambique surge, com Dom Jaime Pedro Gonçalves, Arcebispo da Beira que, com alguns fiéis e entidades da cidade Beira, com destaque para o então governador de Sofala Dr. Francisco de Assis Masquil conversaram sobre a criação de uma universidade na cidade da Beira, que seria denominada Universidade Católica da Beira cuja vocação consistiria na promoção da Paz e Reconciliação através da oferta de um ensino de qualidade a todos os jovens moçambicanos…»
E não foi por acaso que, na celebração dos 10 anos daquela instituição, Francisco Masquil, orgulhosamente, afirmou o seguinte: “Sinto-me satisfeito e com um sentimento de missão cumprida, porque aquilo que nós queríamos foi possível de fazer e é bom constatarmos que estamos no bom caminho. A princípio foi difícil, até porque estávamos numa fase em que a Frelimo queria ter Paz com a Igreja Católica, e uma das formas encontradas foi devolver todos os bens da Igreja, e foi esse o meu (primeiro) grande esforço nesse projecto”.
Apoiante de Daviz
Em 2008, o antigo governador da província de Sofala e fundador do Grupo Reflexão e Mudança, GRM, Francisco Masquil, suportou a candidatura independente às autárquicas, do edil da Beira, Daviz Simango. Não foi, portanto, de estranhar que no site do CMB, tivesse sido publicada uma mensagem de condolências, no próprio dia (11) em que se soube da morte de Francisco Masquil.
Ei-la na íntegra:
«Até sempre Masquil
O Conselho Municipal da Beira, CMB, tomou conhecimento, na tarde de hoje, 11 de Abril, da morte de Francisco de Assis Masquil, vítima de doença, Governador de Sofala de 1986-1994.Masquil sempre trabalhou para o desenvolvimento da província, em particular da cidade da Beira, onde residia até à data da sua morte.
Sofalenses e moçambicanos em geral perdem um grande amigo, um quadro competente e corajoso, que lutou para o bem da população. Conselho Municipal da Beira, CMB, apresenta à família enlutada as mais sentidas condolências. Paz a sua alma.» (Homero Lobo)