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quinta-feira, 14 maio 2020 07:44

Uma Falsa Oferta: o caso do Ensino Superior Privado - Opinião de Hélio Guiliche

Sempre se colocou como desafio prioritário das universidades e Instituições de Ensino Superior no geral em Moçambique a criação de plataformas virtuais, programas de e-learning, a massificação do uso das TICs e consequente maior mobilidade de estudantes, docentes, investigadores e programas bem como a melhoria da qualidade de ensino, pesquisa com padrões aceitáveis, e capacidade de produzir resultados úteis para a sociedade. 

 

Estes desafios foram sempre colocados nos terceiros e quartos pontos das agendas institucionais até que a eclosão e difusão do Covid-19, o encerramento temporário de todas instituições de ensino no país, o levantamento o estado de emergência colocaram em xeque o primeiro ponto das agendas de muitas Instituições de Ensino Superior - cobrar propinas. Assistiu-se nos últimos anos a uma proliferação de Instituições de Ensino Superior por todo o país e muitas delas sem reunir os padrões que lhes qualificam como IES. Estas preocuparam-se com a criação dos chamados cursos de mercado e de alta empregabilidade, com números de estudantes e estatísticas para apresentar ao Ministério que tutela o ensino superior. Essas estatísticas até certo ponto mantiveram vivas algumas das instituições mas não as prepararam para as incertezas e imprevisibilidades futuras.

 

Das mais de meia centena IES acreditadas no país, contam-se as que tem capacidade técnico-científica e metodológica para com base em programas telemáticos facilitar o ensino a distância e o ensino semi-presencial. Umas por insuficiência básica de um quadro docente próprio que possa criar e gerir áreas científicas e prestar apoio científico aos centros de investigação, e outras simplesmente porque não julgaram necessário enveredar por este caminho do e-learning.

 

A actual crise que assolou o mundo de uma forma corrosiva, incluindo o nosso vasto Moçambique deixou a nú as fragilidades da nossa educação e dos nossos processos de ensino e aprendizagem (do nível primário ao universitário) e desafiou inúmeras instituições a reinventarem-se para poderem manter-se vivas. Sim, manter-se vivas porque o core business de muitas delas há muito deixou de ser a educação e a formação de quadros para o país e passou a ser a cobrança de propinas (umas chorudas e outras bem mais acessíveis) e a oferta de diplomas ao fim do ciclo de formação.

 

O anúncio do estado de emergência por parte do governo no passado dia 30 de Março foi o prenúncio de uma crise que ainda está por vir. Uma crise que deitará por água abaixo alguns dos frágeis alicerces que fomos construindo ao longo dos tempos. A extensão do estado de emergência a 29 de Abril (mesmo contra vontade da pequena elite que controla o negócio do ensino superior), fez estalar os alarmes pois seriam mais 30 dias de inactividade na lecionação presencial e mais 30 dias de uma pretensa actividade de lecionação a distância. Seriam mais 30 dias de um processo de negociação e renegociação do pagamento de propinas mensais para garantir o funcionamento mínimo das instituições e o cumprimento das suas obrigações para com terceiros. Com a crise e com as medidas adoptadas pelo Governo, alguns encarregados viram suas fontes de renda paralisadas, ou seus salários atrasarem e até mesmo desaparecerem por conta do encerramento de vários postos de emprego. Ou seja, as medidas em vigor mexeram com a economia de forma abrupta e os agentes económicos foram afectados em cadeia impossibilitando o cumprimento de várias obrigações – incluindo o pagamento de propinas.

 

O que inicialmente pareceu um período de férias antecipadas, muito cedo passou para um período em que o sentimento de injustiça tomou lugar. Injustiça porque os valores cobrados para aulas presenciais se mantiveram no período de aulas fora da Universidade e com custos acrescidos de internet para manusear as ferramentas de e-learning.

 

A iliteracia tecnológica que sempre caracterizou docentes e estudantes ficou mais patente e para responder às exigências do patrão, muitos começaram a ministrar aulas via WhatsApp (com recurso a gravações de áudios e vídeos para grupos de turma previamente criados).

 

A questão que salta até aos menos atentos é: se com as tradicionais aulas presenciais, o nível de aproveitamento já se mostrava deficitário, como será com estas novas dinâmicas?

 

Instituições sem estrutura tecnológica para criar e gerir plataformas de ensino a distância; Docentes sem nenhuma socialização prévia com as ferramentas e plataformas de ensino a distância são hoje treinadores e jogadores no mesmo jogo de educação a distância (com maior prejuízo para o estudante que é a grande vítima). E no final disto tudo, porque propinas foram cobradas, já podemos cogitar a cor das pautas semestrais e o tipo de formandos que enviaremos ao mercado nos próximos anos.

 

Para o futuro, que é mais presente a reflexão que devemos lançar é sobre o custo do investimento na educação e o desafio é pensar na possibilidade de olhar a educação não como negócio mas como a base de emancipação e transformação social. Temos o futuro em nossas mãos mas se continuarmos com esta postura capitalista, hipotecaremos toda uma geração que pagou muito para ter nada – a isto eu chamo de uma falsa oferta.

Sir Motors

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